Baptista Luz

17/09/2021 Leitura de 9’’

Smart Cities e Mobilidade Urbana: introdução ao debate

17/09/2021

O texto faz parte de uma série do Bluz iniciada ano passado para debater temas relacionados a Internet of Things – IoT. A ideia nasce a partir dos debates acerca da tecnologia e, no período pandêmico, o tema se acentuou. Utilizada em demasiado no período pandêmico, a inteligência artificial pode nos ajudar a enfrentar os desafios da pós-modernidade.  

As cidades inteligentes, por sua vez, complementariam um novo olhar para a internet das coisas, aplicando a tecnologia de modo estratégico para melhorar a infraestrutura, otimizar a mobilidade urbana, criar soluções sustentáveis e outras melhorias necessárias para a qualidade de vida dos moradores. A intenção é desenvolver a temática em alguns subtemas. 

Neste momento, falaremos como a mobilidade pode impactar a qualidade de vida e como as opções de deslocamento se dão nas cidades inteligentes, voltando-nos, ao final do texto, ao território brasileiro. 


 

Introdução 

O conceito de “Smart Cities” ou “Cidades Inteligentes” tem se tornado cada vez mais popular nas diferentes disciplinas que versam sobre o urbano. Sua definição, porém, não é única, existindo atualmente diferentes significados para o que se entende como uma cidade inteligente. 

O termo apareceu na literatura pela primeira vez no ano de 1992 no livro The Technopolis Phenomenon: Smart Cities, Fast Systems, Global Networks, que buscou conceituar o desenvolvimento urbano baseado em tecnologia, inovação e globalização a partir de uma perspectiva essencialmente econômica. Desde então, o conceito ganhou força no debate científico, se consolidando principalmente após a publicação, em 2007, da pesquisa intitulada Smart cities – Ranking of European medium-sized cities. Os autores adotaram uma abordagem mais holística do nome, centrada no cidadão e na busca pela combinação de capital humano e social com recursos naturais e econômicos, por meio de soluções baseadas em Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para melhorar a qualidade de vida nos ambientes urbanos. 

“A smart city é vista muito mais como um fenômeno atual do urbanismo, um modo de viver, de amplo uso tecnológico e ampliação de valores culturais, caracterizado pela ampla inserção cidadã dos indivíduos no espaço da cidade onde vive e realiza as suas atividades cotidianas, com o atendimento pleno das suas necessidades de habitar, locomover-se, trabalhar, comunicar-se e se relacionar com o meio ambiente, com a maior eficiência e qualidade de vida possível.” 


 

Cidades inteligentes: uma realidade local? 

No Brasil, a discussão sobre Cidades Inteligentes ganhou centralidade nos últimos anos com a promoção de grandes projetos urbanos vinculados aos eventos esportivos de 2014 e 2016 e os permanentes desafios na provisão de infraestruturas nas cidades brasileiras. De lá pra cá, muitos projetos envolveram novas tecnologias e diferentes formas de implementá-las, caminhando entre a experimentação e diversas negociações.  

As acepções bastante diversas e abrangentes do conceito precisam ser superadas e compreendidas à luz da realidade brasileira, de modo a corroborar ao debate do desenvolvimento urbano enfrentando nossas desigualdades intra-urbanas e inter-urbanas. Neste sentido, o Ministério do Desenvolvimento Regional elaborou a Carta Brasileira Cidades Inteligentes, em conjunto com outros setores da sociedade, como parte das ações que se comprometeu como signatário da Nova Agenda Urbana (Declaração de Quito sobre Cidades e Assentamentos Urbanos para Todos). 

Segundo a carta, sua finalidade é “apoiar a promoção de padrões de desenvolvimento urbano sustentável, que levam em conta o contexto brasileiro da transformação digital nas cidades”, optando por construir uma definição própria do conceito, na qual Cidades Inteligentes são: 

“cidades comprometidas com o desenvolvimento urbano e a transformação digital sustentáveis, em seus aspectos econômico, ambiental e sociocultural, que atuam de forma planejada, inovadora, inclusiva e em rede, promovem o letramento digital, a governança e a gestão colaborativas e utilizam tecnologias para solucionar problemas concretos, criar oportunidades, oferecer serviços com eficiência, reduzir desigualdades, aumentar a resiliência e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas, garantindo o uso seguro e responsável de dados e das tecnologias da informação e comunicação.” 

A carta define uma Agenda Brasileira para Cidades Inteligentes, elencando princípios, diretrizes e objetivos estratégicos para orientar a transformação digital por meio de uma agenda pública. Como o próprio documento alerta, porém, as recomendações não devem ser lidas de forma literal, mas compreendidas e ajustadas de acordo com a realidade de cada município. 

 

Mobilidade inteligente e implementação nas cidades brasileiras: a norma permite?  

A visão ampliada do conceito de Cidades Inteligentes dialoga com a complexidade e a particularidade dos diferentes territórios e carece, portanto, de um olhar específico para cada setor que se pretenda desenvolver em cada realidade.  

“Dentre os aspectos que causam maiores obstáculos à plena aquisição [da] ampla cidadania urbana está a mobilidade, categoria ínsita ao que se pode denominar direito à cidade, mas que não encontra efetividade para além do texto meramente taxativo do direito ao transporte público enumerado na Constituição e regulamentado pela Lei Federal n. 12.587/2012, a Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que, por sua vez, remete ao Estatuto da Cidade.” 

A mobilidade urbana se apresenta como questão central quando se discute a vida nas grandes cidades e aparece como uma das seis características fundamentais de uma Smart City na pesquisa que consagrou o termo (Smart cities – Ranking of European medium-sized cities). A “Mobilidade Inteligente” envolve fatores como acessibilidade local, acessibilidade nacional e internacional, disponibilidade de TICs, além de um sistema de transporte sustentável, inovador e seguro aos cidadãos. 

As cidades inteligentes têm, ainda, como chamada prima a preocupação com o meio ambiente e com a poluição, em um contexto de mudanças climáticas preocupantes, conforme dados da ONU. Estas preocupações impactam diretamente a mobilidade urbana, que precisa se reinventar diante do contexto brasileiro que se pautou historicamente no transporte motorizado individual. 

Novas experiências colaborativas têm sido desenvolvidas, como as plataformas Uber e Waze, buscando implementar tecnologias que corroborem para deslocamentos mais rápidos, eficientes e econômicos. Usuários cansados de perder tempo no trânsito estão colocando esforços para desenvolver outros meios de entrega e transporte. Investir na tecnologia da mobilidade é extremamente rentável já que salva o bem mais precioso que possuímos: o tempo. As alternativas para escapar do trânsito intenso caminham para mais ciclovias e carros elétricos, que podem destravar o uso da cidade.  

Isso significa que, ao intentarmos nos deslocar com maior rapidez e democraticidade, aparelhos tecnológicos podem ser usados como uma alternativa. Inclusive, em um ebook elaborado pela empresa xerox, algumas maneira de usar a tecnologia em favor da mobilidade foram elencadas: 

    1. Rastrear os viajantes: saber quando, onde e para onde as pessoas estão se movendo pode ajudar a planejar os fluxos.  
    2. Identificar e prever uma demanda, o que dá a chance de mapear os fluxos,  
    3. Observar os fluxos de transportes compartilhados para que, no caso de bicicletas e patinetes, os usuários não caminhem só pra uma direção deixando a devolução dos objetos vazia. 
    4. Criar táticas para acabar com congestionamentos, por exemplo, ajustando tempo dos faróis. 
    5. Faróis inteligentes que identificam os fluxos e podem trocar sentidos das ruas para dar vasão aos carros. 
    6. Otimizar recursos utilizados em determinadas áreas: sabendo que existe mais demanda, frequência, alocar mais pessoas e veículos de transporte para determinadas partes da cidade. 
    7. Equalizar as emissões de poluentes que vem com o fluxo intenso, transformando a cidade em albente mais limpo. 
    8. Oferecer opções e dicas para o usuário de maneira personalizada estimulando além do baixo custo, maneiras mais ecológicas de se deslocar.  
    9. Todos estes dados combinados mapeiam o fluxo urbano para pensar soluções de transporte.
       

Entretanto, importar projetos urbanos externos, como patinetes ou bicicletas, sem entender a real implementação e necessidade local pode transformar a experiência em um fiasco. Nesse contexto de rápidas transformações, fica evidente que o regulamento jurídico precisa se atualizar de modo a adquirir novos contornos, adequados às novas relações que se conformam a cada dia, especialmente nos grandes centros urbanos.

Sob esta perspectiva, vale lembrar que a revisão dos Planos Diretores municipais está próxima. O plano diretor é uma lei municipal, elaborada pelo poder executivo (Prefeitura) aprovada pelo poder legislativo (Câmara de Vereadores), que estabelece regras, parâmetros, incentivos e instrumentos para o desenvolvimento da cidade, definindo, portanto, o caminho a ser seguido pelos projetos urbanos. Desde o ano de 2001, o planejamento é obrigatório para todas as cidades com mais de 20 mil habitantes com revisões periódicas sobre seu desenvolvimento ao longo de suas décadas de aplicação. 

Inclusive, a revisão do Plano Diretor da Cidade de São Paulo (PDE 2014) está em discussão, momento em que opções de mobilidade poderão ser estudadas com afinco. Neste momento, também, é que poderemos debater a implementação real de possíveis projetos e aparelhos que contribuam para um deslocamento mais saudável, nos utilizando da tecnologia para ampliar como nos movimentamos. 

A chamada parece ser aliar as demandas sociais com o desenvolvimento tecnológico para otimizar as soluções, tornando o transporte mais eficiente e igualitário. 

 

Bibliografia

GIBSON, D. V.; KOZMETSKY, G.; SMILOR, R. W. (1992) The Technopolis Phenomenon: Smart Cities, Fast Systems, Global Networks. Rowman & Littlefield, New York.

RIZZON, F.; BERTELLI, J.; MATTE, J.; GRAEBIN, R. E.; MACKE, J. (2017). Smart City: um conceito em construção. Revista Metropolitana de Sustentabilidade. Volume 7, nº3. ISSN: 2318-3233.

GIFFINGER, R.; FERTNER, C.; KRAMAR, H.; KALASEK, R.; PICHLER-MILANOVIC, N.; MEIJERS, E. (2007). Smart Cities Ranking of European Medium-Sized Cities. Vienna, Austria: Centre of Regional Science (SRF), Vienna University of Technology.

SILVA, Lucas do Monte; GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar. Autorregulação jurídica no urbanismo contemporâneo: smart cities e mobilidade urbana. Revista de Direito da Cidade, v. 8, n. 4, p. 1231- 1253, nov. 2016. ISSN 2317-7721.

 

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