Com a chegada da Copa do Mundo 2018 na Rússia, é muito comum que anunciantes queiram associar suas marcas e produtos a esse evento com o intuito de impulsionar suas vendas. Todavia, para poder vincular diretamente suas marcas à Copa do Mundo, é necessário tornar-se uma marca patrocinadora do evento junto a Fédération Internationale de Fotball Association (FIFA).
Como ressalta a FIFA[1], o patrocínio financeiro de empresas é uma das principais maneiras de viabilizar um megaevento como a Copa do Mundo. Como potenciais marcas patrocinadoras só irão se interessar pela realização do investimento se houver uma contrapartida para tal, a vinculação comercial ao evento, a um número restrito de marcas, é atrativa.
Nestas circunstâncias, torna-se comum a prática do marketing de emboscada por empresas ou pessoas que não patrocinam a Copa do Mundo. Não há uma definição legal precisa do que seria a prática[2], mas ela pode ser entendida como um tipo de ação que “pega carona” na visibilidade de um megaevento com o objetivo de promover marcas não patrocinadoras. Há ainda duas divisões comuns dentro da definição de marketing de emboscada[3]:
- marketing de emboscada por associação: quando uma marca se utiliza de qualquer símbolo de um evento do qual não tem autorização para se associar;
- marketing de emboscada por intrusão: ações de marketing feitas pela marca em locais não autorizados.
As estratégias de marketing de emboscada podem ser diretas ou sutis, mas de qualquer forma impactam negativamente nos resultados dos anunciantes patrocinadores do evento. Diante deste cenário, a FIFA tem aumentado sua preocupação com os direitos dos seus patrocinadores e fiscalizado, com maior frequência, práticas potencialmente abusivas.
Nesta seara, a seguir será apresentada a legislação nacional que garante certa proteção a algumas práticas de marketing de emboscada. Todavia, cabe ressaltar que não há, atualmente, segurança jurídica suficiente em relação ao tema.
/ Legislação
Antes de apresentarmos o posicionamento e as restrições impostas pela FIFA, trataremos da legislação pátria sobre a matéria.
Lei nº 9.279/96 – Lei da Propriedade Industrial – A proteção dos direitos à propriedade industrial no país ocorre por meio de: (i) concessão de patentes de invenção, modelo de utilidade, registro de desenho industrial e de marca; (ii) repressão às falsas indicações geográficas e à concorrência desleal.
Em relação ao evento, os pontos mais importantes dessa lei são: a titularidade da marca, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional; e a repressão à concorrência desleal, sendo considerado crime o emprego de meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, a clientela de alguém.
Lei nº 9.610/98 – Lei de Direitos Autorais – A lei regula as proteções concedidas às obras intelectuais como fotografias, ilustrações, coreografias e obras audiovisuais e sonoras.
Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – Normas que visam a proteção do consumidor. No presente caso, a associação indevida de marcas aos eventos pode configurar publicidade que leva o consumidor ao erro/confusão. O art. 67 tipifica como crime a publicidade enganosa ou abusiva, ou seja, tal artigo pode ser aplicado em casos de marketing de emboscada pois eles podem induzir o consumidor a acreditar que determinada marca está associada à Copa do Mundo ou à FIFA.
Código do CONAR – Em seu art. 31 o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária condena “os proveitos publicitários indevidos e ilegítimos, obtidos por meio de carona e/ou emboscada”. Pode-se entender como proveito indevidos e ilegítimos aqueles obtidos:
- mediante o emprego de qualquer artifício ou ardil;
- sem amparo em contrato regular celebrado entre partes legítimas, dispondo sobre objeto lícito;
- sem a prévia concordância do veículo de comunicação e dos demais titulares dos direitos envolvidos.
Por fim, o art. 50 do código do Conar apresenta as punições cabíveis pelas violações de suas normas:
“Artigo 50 – Os infratores das normas estabelecidas neste Código e seus anexos estarão sujeitos às seguintes penalidades:
- advertência;
- recomendação de alteração ou correção do Anúncio;
- recomendação aos Veículos no sentido de que sustem a divulgação do anúncio;
- divulgação da posição do CONAR com relação ao Anunciante, à Agência e ao Veículo, através de Veículos de comunicação, em face do não-acatamento das medidas e providências preconizadas”.
/ Diretrizes da FIFA para o uso de suas marcas oficiais[4]
A FIFA detém os direitos em relação a Copa do Mundo de 2018 na Rússia, o que inclui toda a mídia, as estratégias de marketing, os produtos e serviços licenciados e os ingressos relacionados a esse megaevento. A FIFA, em caráter não exaustivo, considera marketing de emboscada as seguintes situações:
- infração aos direitos de propriedade intelectual, mídia e marketing possuídos pela FIFA;
- competições, sorteios ou outras atividades de propaganda ou promoção não autorizadas que envolvam o uso, intenção ou entendimento razoável do uso de ingressos ou acesso aos espaços de treinamento oficial da Copa do Mundo 2018;
- uma infração nas restrições nas atividades dos afiliados ou de qualquer terceiro contratado pelas Associações Membro Participantes.
Essas e outras atividades poderão ser alvo de uma notificação por escrito da FIFA, que espera que, após essa notificação a atividade seja imediatamente encerrada, sendo tal decisão comunicada por escrito à FIFA[5].
As diretrizes gerais, dispostas no Guia para uso das marcas da FIFA, são de abstenção de uso das marcas e sinais distintivos da FIFA. A própria definição da FIFA sobre o que seria marketing de emboscada é bastante ampla: “uma tentativa de qualquer entidade ou indivíduo de ganhar uma associação comercial não-autorizada com a competição, ou explorar a boa vontade e a publicidade gerada pela Copa do Mundo da FIFA[6]”.
/ O que é permitido para os titulares de direito da FIFA[7]
Conforme estipulado pela FIFA, segue abaixo as autorizações comerciais concedidas a diferentes tipos de investimentos feitos no evento:
Afiliados comerciais
Os afiliados comerciais são:
- os parceiros da FIFA: seis a oito empresas que têm acesso ao pacote mais completo de direitos referentes a propaganda, promoção e marketing global atrelados à FIFA e à todas as competições da organização, incluindo a Copa do Mundo 2018;
- os patrocinadores da Copa do Mundo: seis a oito empresas que têm acesso ao segundo pacote mais completo de direitos referentes a promoção e marketing global atrelados a todas as competições da organização, incluindo a Copa do Mundo 2018;
- os apoiadores regionais: 20 empresas, sendo que serão no máximo quatro por região onde a FIFA dará direitos de propaganda, promoção e marketing relacionados a Copa do Mundo 2018 no território especifico da empresa.
Direitos de transmissão
Os direitos de transmissão relativos à Copa do Mundo de 2018 são garantidos a certos veículos de mídia em um ou mais territórios específicos. Esses direitos de mídia incluem:
- direitos de TV;
- direitos de rádio;
- direitos de banda larga;
- direitos de transmissão do IPTV (Internet Protocol Television);
- direitos de transmissão móvel.
Licenças de produtos
As licenças concedidas pela FIFA de produtos relacionados ao evento, com ou sem as marcas da FIFA, darão direito a produção e venda dos produtos oficiais da Copa do Mundo 2018.
Hospitalidade
A FIFA concedeu exclusividade a uma empresa em relação a oferta de serviços de hospitalidade no evento.
Em relação ao consumo de bebidas nas áreas controladas do evento, aos membros associados serão oferecidas bebidas apenas de empresas parceiras. Caso um membro associado desejar beber produtos manufaturados de outra empresa, esse líquido será armazenado em garrafas disponibilizadas pela FIFA.
/ Como evitar o marketing de emboscada[8]
É importante se abster do uso conjunto de elementos de propriedade intelectual da FIFA e o nome de empresa, negócio, atividade, etc. pois esse uso sem prévia autorização escrita da FIFA, pode criar uma associação não autorizada com o evento.
É recomendado o uso de elementos genéricos do país ou time associados à uma atividade comercial, mas não dos elementos que são titularidade da FIFA.
Seguem, de forma não exaustiva, situações marcantes que ilustram a dinâmica de proteção às marcas e signos distintivos da Copa do Mundo de 2018.
Propósitos Editoriais ou Jornalísticos[9]
Se não há associação e/ou exposição comercial entre o conteúdo publicado e a Copa, o uso das marcas para fins editoriais ou jornalísticos é permitido desde que o tema do artigo ou da matéria esteja vinculado ao evento e somente para contextualizar o assunto. As marcas oficiais não devem ser usadas como uma parte integral do layout de uma publicação, como elementos da marca da publicação ou usadas de modo isolado.
É necessário cuidado para que de fato, nos espaços reservados para anunciantes, não haja vinculação indevida de marcas não-autorizadas com a Copa. Para não correr riscos, o ideal seria oferecer este espaço somente para marcas patrocinadoras. Caso não seja possível, uma estratégia adequada é manter estes anunciantes em uma posição afastada e inserir uma nota clara que estes anunciantes não estão vinculados ao evento e patrocinam apenas o caderno ou veículo em questão.
Como exemplo de prática inadequada, a FIFA apresenta o uso de suas marcas junto a ou próxima de um logo ou referência comercial de uma marca não patrocinadora do evento.
Blogs[10]
Seguem lógica muito próxima da jornalística: podem utilizar símbolos e marcas protegidas desde que sem proximidade de marca não patrocinadora. Aqui vale a vedação à associação do evento à interesses comerciais de não patrocinadores.
Publicação da tabela de jogos/cronograma[11]
Igualmente, é permitido o uso editorial, não comercial ou reprodução do cronograma de partidas do evento. Deve-se tomar cuidado, no entanto, para que não seja feito em proximidade com divulgação de atividade comercial.
Aplicativos, websites e mídias sociais[12]
Trata-se vedação ao uso de elementos protegidos no design de aplicativo ou website, de forma direta. Da mesma forma, é vedada o uso de marcas oficiais da FIFA em páginas, com fins comerciais, localizadas nas diversas mídias sociais. Por exemplo, é permitido que fãs, mas não empresas ou qualquer outra pessoa ou entidade com fins comerciais, compartilhem conteúdo oficial publicado pela FIFA nas redes sociais.
Propagandas[13]
É vedado o uso de marcas e sinais pertencentes à FIFA em peças de publicidade de empresa não patrocinadora do evento. Reforça-se que elementos como “Copa 2018”, “Rússia 2018” e “Copa do Mundo” estão protegidos e, portanto, não podem ser utilizados.
Como orientação geral, deve-se ter atenção à noção de marketing de emboscada, que é caracterizado pela associação ao evento, com fins comerciais, de marca ou produto de não patrocinador – portanto, mesmo que não sejam utilizadas marcas e sinais protegidos, se houver associação indireta, por meio de elementos genéricos, de não parceiro ao evento haverá, ainda assim, o risco de a conduta ser vedada pela legislação.
Mensagens políticas ou sociais[14]
É vedado o uso de marcas e sinais oficiais em propagandas que tratem de temas atuais, o que inclui aquelas sobre religião, política ou questões sociais. Evita-se, assim, criar uma associação não autorizada ao evento.
Promoções, sorteios[15]
Faz parte da promoção do evento a venda de ingressos, com parceiros específicos e autorizados. O uso de ingressos da Copa 2018 para realização de concursos, sorteios, rifas, loterias, etc. está, dessa forma, vedado. São práticas que visam arrecadação direta ou promoção de marca ou empresa e constituem, dessa forma, associação comercial indevida ao evento. Deve-se destacar, ainda, da realização de sorteio ou promoção por parceiro autorizado pela FIFA, será necessário o registro do sorteio ou promoção, determinado pela Lei nº. 5.768/71, junto à Caixa Econômica Federal.
Decoração de loja e produtos[16]
Apesar de serem duas condutas bastante distintas, a noção para se distinguir entre o que é ou não permitido é basicamente a mesma. Seja na decoração de loja ou na elaboração de produtos, é estritamente vedado o uso de marcas e símbolos oficiais de propriedade da FIFA. Não é vedado, no entanto, o uso de elementos genéricos, sendo permitido o uso de bandeiras, bolas e outras figuras que remetam ao futebol, à times, etc. A análise do que é ou não cabível passa basicamente pelo uso ou não de elementos protegidos.
/ Atletas, treinadores e árbitros[17]
Há uma série de cuidados a serem tomados pelos atletas e membros das delegações para evitar a promoção indevida de marcas. De partida, deve-se frisar que é aplicável a mesma lógica já apresentada: veda-se a associação de não parceiros com o evento, no que vem a ser caracterizado como marketing de emboscada.
Assim, em qualquer momento que o atleta esteja na condição de participante do evento (no hotel, na área de treinamento, no estádio, na área de imprensa) não pode utilizar apetrechos, roupas ou outros elementos de marcas não parceiras.
No caso dos atletas que têm grande participação nas redes sociais, cabe observar as seguintes regras impostas pela FIFA[18]:
- é proibido fazer o download ou postar qualquer conteúdo sobre as áreas controladas do evento durante a o período final da competição;
- todo conteúdo postado deve mostrar exclusivamente a experiência da sua competição, sendo proibido postar entrevistas ou histórias sobre outros membros das delegações participantes;
- não é autorizado postar informações confidenciais ou privadas sobre terceiros, em especial informações que comprometam a segurança ou a organização do evento;
- são vedadas manifestações de cunho político, discriminatório ou publicitário (com exceção de marcas patrocinadoras, sendo permitido que um atleta utilize apetrecho de marca de patrocinador, que participe de peça de publicidade, etc.).
/ Conclusão
Pelo que foi exposto, pode-se concluir que a maior dificuldade relacionada a marketing de emboscada está, primeiramente, na ausência de previsão legal explícita de caracterização da conduta.
Assim, no que vem a ser enquadrado como marketing de emboscada, inclui-se determinadas condutas protegidas diretamente pela legislação marcaria e de direitos autorais. Da mesma forma, há condutas que, sem usar marcas e signos diretamente protegidos pela legislação marcária ou de direitos autorais, violam direitos pela associação indireta ao evento.
Essas condutas, marcadas pela maior imprecisão em seu enquadramento por adotarem elementos genéricos (de futebol, de cores, etc.), podem ser protegidas pela legislação que veda a publicidade enganosa ou a concorrência desleal, e são normalmente analisadas caso a caso.
Assim, na realização de atividades que potencialmente sejam enquadradas como marketing de emboscada, deve-se tomar o cuidado de claramente não realizar vinculação de marca, produto ou serviço não patrocinador do evento.