O QUE É UMA IDEIA INOVADORA?
Inovação é a aplicação de conhecimento (tecnológico, científico, prático etc.) à produção de bens e à prestação de serviços, de modo a criar algo novo ou a aprimorar a qualidade de produtos ou serviços e a eficiência de seus processos. Uma ideia é considerada inovadora no mercado quando é explorada com sucesso e, com isso, causa impacto positivo pelo melhoramento, novidade ou facilidade introduzida.
No campo da inovação, destaca-se a introdução de novas tecnologias e novas formas de exploração de negócios, num processo constante e cada vez mais veloz. Isso é ótimo para o consumidor, que ganha acesso a novos produtos e serviços, tem sua vida tornada mais eficiente e facilitada.
No âmbito jurídico, porém, especialmente com relação a mercados regulados e à incidência de tributos, os legisladores e juristas têm enfrentado grande dificuldade quando o assunto é aplicabilidade das leis e regulamentos em vigor às ideias inovadoras aplicadas no mercado.
A dificuldade no mercado regulado é enfrentada especialmente pela autoridade governamental responsável pela regulação do provimento de determinados serviços (e.g. o de telecomunicações, regulado pela ANATEL) ou a produção e circulação de determinados bens (e.g. obras de áudio e vídeo, reguladas pela ANCINE), uma vez que todo o modelo regulatório em vigor é preparado de acordo com estruturas já consolidadas no mercado.
Com relação à tributação, o legislador precisa desenvolver normas gerais o suficiente para englobarem também as inovações que ainda surgirão no mercado, mas tais normas também precisam ser específicas o suficiente para assegurarem a aplicabilidade e execução do respectivo tributo.
Para os aplicadores do direito, a dificuldade está em concluir, com segurança, se determinado bem ou serviço se encaixa em um mercado regulado específico (com a consequente necessidade de pagamento de taxas e eventuais aprovações prévias para funcionamento), bem como qual seria o tributo aplicável sobre o comércio ou circulação de determinados bens ou a prestação de determinados serviços.
QUESTÕES REGULATÓRIAS
Netflix e ANCINE
O mercado de fornecimento de conteúdo audiovisual, até poucos anos atrás, era monopolizado por empresas de telecomunicações, as quais têm seus serviços regulados pela ANATEL – Agencia Nacional de Telecomunicações e pela ANCINE – Agência Nacional do Cinema. A evolução da velocidade de conexão com a Internet, porém, tornou possível a disponibilização de conteúdo audiovisual por streaming, e foi marcada pelo ingresso do Netflix no Brasil.
O serviço de “TV por assinatura” (tecnicamente chamado de Serviço de Acesso Condicionado – SeAC) exige toda uma infraestrutura de rede e as empresas provedoras estão sujeitas a todas as exigências regulatórias, multas e taxas da ANATEL e da ANCINE. A atividade de streaming do Netflix, por sua vez exige do cliente apenas uma boa conexão com a Internet e um aparelho de multimídia conectado e, do Netflix, capacidade tecnológica para que seu conteúdo seja imediatamente (mas sob demanda) disponibilizado ao cliente. O vácuo regulatório coloca o Neflix em grande vantagem competitiva em relação às empresas operadoras de SeAC, podendo assim oferecer serviços por custos mais baixos e assim atraindo mais clientes.
Por conta disso, as empresas operadoras de SeAC há muito tempo pressionam a ANCINE para que produza um marco regulatório para a disponibilização de conteúdo audiovisual via streaming, buscando assim atingir o Netflix e empresas assemelhadas. Esse marco regulatório seria preparado sob o princípio de desenvolver e regular o setor audiovisual em benefício da sociedade brasileira, com o objetivo de promover o crescimento do mercado interno e o fortalecimento das empresas de capital nacional comprometidas com o conteúdo brasileiro. O Netflix estreou em setembro de 2011 no Brasil, mas a regulação de seus serviços ainda está em trâmite.
Uber e a regulação do serviço de transporte privado individual
A estreia do Uber no Brasil foi marcada pelos mesmos problemas enfrentados pela empresa em outros países. O ingresso em um mercado monopolizado pelos serviços de taxi, regulados pelo poder municipal, gerou certa desconfiança dos potenciais usuários à primeira vista, resistência dos motoristas de taxi (ao enfrentarem concorrência qualificada em um mercado antes monopolizado), e das autoridades municipais (preocupadas com a segurança dos passageiros, com os impactos do serviço para a cidade e até mesmo com interesses particulares – por este ou aquele representante ser proprietário de companhia de taxis ou ter envolvimento com cooperativas de taxis).
A ausência de regulação pertinente sobre o transporte privado individual de passageiros transmite uma sensação de ilegitimidade dos serviços prestados pelo Uber e empresas assemelhadas. Dessa forma, as autoridades legislativas municipais foram e continuam sendo pressionadas para produzir a regulação, inclusive o próprio Uber, para que seus serviços sejam indiscutivelmente entendidos como recepcionados pela legislação e autoridades competentes. O resultado disso tem sido o surgimento de regulação em diversos municípios pelo Brasil, e com elas a estreia de empresas concorrentes do Uber, tais como o Cabify e a 99Taxis.
QUESTÕES TRIBUTÁRIAS
Atividade de streaming e a Lei Complementar 157/2016
Quando as empresas de streaming como Netflix e Spotify estrearam no Brasil, não havia certeza a respeito dos tributos incidentes sobre suas atividades. Desse modo, tais atividades não eram tributadas, o que se somava às vantagens competitivas experimentadas por tais empresas.
Diante disso, em 29/12/2016 foi aprovada a Lei Complementar n. 157 que, entre outras questões, alterou a Lei Complementar n. 116, de 31/07/2003, para incluir a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos[sic] de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet” ente as atividades sujeitas ao ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Pelo lado positivo, essa lei encerrou uma discussão antiga sobre a possibilidade de incidência de ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (imposto com alíquotas muito mais altas) sobre a atividade de streaming. Apesar disso, muitos juristas defendem sua inconstitucionalidade, especialmente sob o argumento de que o streaming não seria um serviço (como obrigação de fazer ou atividade fornecida no mercado de consumo), mas apenas a oferta e disponibilização de acesso a um conteúdo, estando mais próxima de uma locação de bem móvel, de modo que a incidência de ISSQN sobre a atividade de streaming violaria entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal – STF por meio da Súmula Vinculante n. 31.
Transporte privado individual e agenciamento
As questões tributárias relacionadas às empresas de transporte privado individual como Uber e assemelhadas são ainda mais complexas. Isso porque há segurança sobre a incidência de imposto sobre transporte terrestre: caso o trajeto comece e termine dentro do mesmo município, incide o ISSQN (imposto de competência municipal); caso o trajeto comece em um município e termine em outro, incide o ICMS (imposto de competência estadual e alíquotas bem mais elevadas).
Acontece que Uber, Cabify, 99Taxis e outras não são as prestadoras do serviço de transporte terrestre. Elas, na verdade, seriam apenas as agenciadoras, pois conectam usuários a motoristas (aproximação de partes interessadas). Sobre a atividade de agenciamento incide apenas o ISSQN, independentemente do trajeto, de modo que, sobre os frutos (resultados financeiros) auferidos por tais empresas como resultado desse agenciamento, não poderia incidir o ICMS.
PANORAMA GERAL
O sucesso de ideias inovadoras no mercado brasileiro impõe desafios constantes aos nossos reguladores, que enfrentam a dualidade de produzir normas que possam englobar tais inovações mas, ao mesmo tempo, sejam suficientemente específicas, com o objetivo de garantir o bom funcionamento do mercado que regulam. Sob o ponto de vista tributário, a dificuldade de enquadramento das novas atividades ou produtos inovadores podem gerar dúvidas quanto ao imposto aplicável e a como aplicar sua execução caso a caso, gerando insegurança jurídica e debates acalorados entre advogados e representantes das autoridades fiscais.
Tais desafios, pode-se dizer, são inescapáveis, uma vez que é impossível prever como ocorrerão as próximas inovações. Nesse sentido, a legislação e regulamentação estarão sempre atrasadas em relação às novidades do mundo, porque são sempre preparadas ou ajustadas com base em um retrato do passado. Como resultado, cabe aos legisladores e reguladores trabalharem com eficiência para a realização das atualizações pertinentes de modo a minimizar controvérsias.
Por outro lado, cabe especialmente aos advogados auxiliar as empresas inovadoras na defesa de seus interesses diante de dúvidas ou controvérsias como as tratadas neste artigo, fazendo bom uso de conhecimento jurídico consolidado, perspicácia e vasta experiência com empresas inovadoras e de tecnologia.