1. Medidas governamentais e resguardo do comerciante: como o varejo pode mitigar riscos?
Com shoppings e centros comerciais fechados, o impacto da pandemia para o varejo foi enorme. Essa interferência pode ser percebida nos pequenos empreendedores, que diferente das grandes empresas não contam com a mesma logística de distribuição, lógica operacional, produção de marketing etc. O comércio varejista, por ser um segmento focado no comportamento e necessidades das pessoas, se viu afetado quando decretado isolamento, agora agravado pelas altas restrições. A queda nas atividades das lojas físicas e a diminuição do poder aquisitivo (poder de compra) pelo aumento de desemprego ou redução nos salários resulta em uma mudança de mercado e comportamento.
Durante esse período o movimento observado nas lojas foi a sua digitalização em direção ao e-commerce – e no caso dos microempreendedores isso pode significar passar a realizar vendas em ferramentas que não foram criadas para isso, como por exemplo o Whatsapp. Esse novo negócio potencializou organizações de trabalho e possibilitou a manutenção de uma boa parte das vendas dos varejistas através da adaptação do modelo de negócio para a venda online com entrega no carro ou por sistema de delivery.
O Boletim de Impactos da COVID-19 nos Pequenos Negócios – produzido pelo Sebrae (2021) – afirma que, apesar de ter ocorrido alta de 1,2% no fechamento do ano de 2020, o cenário em 2021 se mostra mais delicado por se performarem em queda alguns setores. Desde dezembro do ano de 2020 estes impactos se mostram ainda mais severos com o aumento da curva de contágio e a volta das medidas de restrição. O auxílio emergencial, apesar de ser uma saída para boa parte dos problemas quando voltado para a circulação de mercadorias, não tem prospecções tão esperançosas como no ano passado, pela diminuição no valor das parcelas. Além disso, os consumidores demonstram um perfil muito mais resguardado e controlado no momento das compras.
Segundo a pesquisa [1], o cenário nesse início do ano não é muito animador para o setor. O Índice de Confiança do Comércio (ICOM) se acomodou após uma sequência de quatro quedas consecutivas. Assim, é preciso ter cautela, considerando que os empresários do setor avaliam uma piora no ritmo de vendas. De acordo com Tobler, coordenador da Sondagem do Comércio da FGV IBRE, “a cautela dos consumidores, o fim dos programas emergenciais do Governo, e a lenta recuperação do mercado de trabalho contribuem para essa piora, principalmente quando se trata de revendedores de bens não essenciais”.
Figura 1: O Índice de Confiança do Comércio (ICOM) da Fundação Getulio Vargas caiu 18,5 pontos em março, ao passar de 91,0 para 72,5 pontos, registrando o menor valor desde maio de 2020 (67,4 pontos). Em médias móveis trimestrais, o indicador caiu 6,4 pontos, mantendo a tendência de queda pelo quinto mês seguido. Fonte: FGV-IBRE.
Paralelo a esses impactos, o comércio varejista é obrigado a cumprir as restrições impostas pelos Estados, no que couber as lojas físicas, sendo que o descumprimento de qualquer diretriz gera penalidades. No Estado de São Paulo, as operações de fiscalização são feitas de forma conjunta entre Vigilância Sanitária Estadual, Polícia Militar e Procon-SP. Estabelecimentos autuados podem ter de pagar uma multa de até R$ 290 mil, segundo o Código Sanitário. Além disso, como o uso de máscara é obrigatório, o não cumprimento poderá resultar em uma multa de R$ 5.278 por pessoa flagrada sem máscara. O cidadão, por sua vez, pode ser multado em R$ 551,00 por não usá-la.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, a abordagem é realizada com o foco na conscientização sobre a necessidade do uso da máscara, objetivando a educação e bom senso, elucidando a importância da utilização da medida preventiva. Torna-se, portanto, responsabilidade dos estabelecimentos zelar pela segurança dos consumidores e colaboradores.
Em Porto Alegre, o Escritório de Fiscalização da Prefeitura fica responsável pelas multas e interdição dos estabelecimentos que contrariem as regras da bandeira preta do Sistema Estadual de Distanciamento Controlado. A multa atribuída aos casos de descumprimento é de 50 UFMs, que correspondem a R$ 223,00. Segundo o diretor-geral do Escritório de Fiscalização, Renê Machado de Souza, o procedimento ocorre de forma progressiva. Primeiro houve os informes e conscientização dos estabelecimentos através dos agentes da prefeitura que inicialmente instruíram sobre as normas vigentes da bandeira preta. Entretanto, nos locais onde foi constatada reincidência de irregularidades, houve autuação e interdição parcial.
2. O funcionamento das instâncias constitucionais e medidas locais
O poder constituinte, responsável pela criação de uma nova Constituição, é a representação máxima do poder do povo. A partir dele, o ordenamento todo é construído. Pode-se dizer, portanto, que ele representa a soberania política, social e jurídica da população que constitui um território ordenado por um Estado.
Dito isso e, sendo o Brasil uma República Federativa, formamos uma União indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal. Sob esse ordenamento escolhido é cedido aos Estados e municípios autonomia para normatizarem suas próprias diretrizes em virtude de sua autossuficiência política-administrativa de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais, ou leis orgânicas no caso de municípios.[2] Entretanto, este poder por sua vez é condicionado, ou seja, pode ser executado desde que obedeça a norma fundamental, a Constituição. Isso significa que as constituições estaduais não podem ferir a nacional, já que o conflito não pode existir. A harmonia entre as leis que regem a nação se faz necessária.
Este apanhado jurídico teórico faz-se necessário já que a temática voltou a ser debatida por conta da pandemia do COVID-19. A questão era saber se os Estados e municípios eram competentes para determinar quarentenas, isolamento, restrição de atividades, dentre outras iniciativas, sem que a União pudesse interferir no assunto. O tema foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.341[3]. Foi declarado uma competência concorrente entre as figuras federais, estaduais e municipais, elucidando que, ainda que a União disponha sobre a temática da saúde pública, poderão os governadores e prefeitos, a partir de sua autonomia, normatizar em sentido mais rigoroso ou mais abrangente de acordo com a situação de cada território[4]. . Portanto, a Constituição estabelece a divisão de competências a partir da cooperação – o chamado Federalismo Cooperativo – de interesses.
3. A crise sanitária é também econômica
Como citado, cada Estado possui autonomia para, dentro de seus atos normativos, legislar sobre o combate ao COVID-19. Essa movimentação se torna necessária pela grande extensão do território brasileiro, entretanto, promove percalços durante a análise conjunta dos Estados. Nem todos os entes estaduais possuem um programa de contenção do vírus, o que implica em um não panorama de perspectivas de onde estamos e para onde queremos chegar. Essa falta de perspectiva demonstra uma instabilidade no plano logístico e de saúde dos Estados, fazendo surgir questionamentos sobre seus próximos passos, avanços ou retrocessos durante o embate.
Retirando esses pontos duvidosos da arguição, pode-se concluir que há uma semelhança nas classificações de serviços essenciais e nas medidas de restrição referente aos comércios, bares e restaurantes. Todos os estados se encontram em pontos críticos da pandemia e, portanto, caminham no mesmo sentido de manter suas diretrizes de isolamento e prorrogar as medidas que restringem as atividades e serviços.
Analisando no cotidiano das cidades brasileiras, isso significou que nas últimas duas semanas as medidas referentes ao embate ao Coronavírus ficaram mais rigorosas. Há um ano das primeiras medidas de isolamento, passamos para 2021 com perspectivas alarmantes. Atualmente, o Brasil soma aproximadamente 12 milhões de casos confirmados e, de acordo com a última atualização, em torno de trezenas mil pessoas já foram mortas pela doença. A média diária ultrapassa 3.000 mortes. Neste contexto, prezando pela saúde pública, os Estados têm decidido restringir novamente os decretos de funcionamento das atividades e serviços essenciais e não essenciais.
Entretanto, se por um lado a saúde pública é pauta primordial, o impacto estimado para o comércio varejista com o aumento nas restrições e sua permanência durante todo o mês de março também é sentido. A falta de respaldo e articulação das gestões nacional federal e estadual, de acordo com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), gerou uma ste impacto não se difere muito dos sofridos no período de abril e maio de 2020.
Juntamente com as restrições proferidas pelos governos, faz-se necessário a atuação dos agentes fiscalizadores para fazer cumprir as novas medidas, caso contrário a restrição da abertura não aparecerá nos números de contaminados na pandemia. Ainda, de acordo com a Fecomercio, é a oferta de amparo formal às empresas e, consequentemente, aos empregos que poderá sustentar o setor nos próximos meses. Uma forma de concretizar essa ação pode ser através do “atendimento a pleitos recorrentes da Fecomercio para o governo estadual, como a revisão das medidas tributárias em torno do aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre diversas atividades no Estado”. Além disso, promover a “reabertura dos programas de parcelamento desse tributo e a aprovação de crédito emergencial direcionado para as micro e pequenas empresas”.
No Estado de São Paulo, no mês de fevereiro de 2021, o governo de São Paulo anunciou mais R$ 100 milhões em crédito para micro e pequenas empresas do Estado. As linhas de crédito serão disponibilizadas pelos bancos de fomento “Desenvolve SP” e “Banco do Povo”. Ou seja, as empresas de setores econômicos que sofreram prejuízos nesse período de restrição de circulação e do comércio em razão da crise sanitária, terão direito a empréstimos financiados pelo governo estadual. Sob a mesma toada de recuperação, a atual gestão do estado determinou a redução do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para carnes e a isenção desse imposto para o leite.