1 / Contextualização
Na prática empresarial, muito se discute a respeito da possibilidade de excluir determinados sócios ou acionistas da participação do lucro líquido apurado por sociedades empresárias brasileiras, seja na forma de distribuição de lucros ou de dividendos – a exemplo de como ocorre a distribuição, respectivamente, em sociedades limitadas e sociedades anônimas.
Tal discussão é ainda mais frequente em planejamentos patrimoniais e em sociedades empresárias brasileiras cujo capital social seja detido por entidades que façam parte de um mesmo grupo econômico. Em virtude de planejamento financeiro ou tributário (inclusive transfer pricing), a exclusão de uma dessas entidades da participação dos lucros poderia, em grande parte das vezes, ser um mecanismo simples e eficiente.
O presente artigo busca, de forma breve, tratar da (im)possibilidade jurídica da exclusão de sócios ou acionistas da participação do lucro líquido. Com base no ambiente empresarial brasileiro, o seu conteúdo possui, como recorte, sociedades limitadas empresárias e sociedades anônimas brasileiras.
2 / A (im)possibilidade de exclusão de sócios ou acionistas da distribuição de lucros ou dividendos
Nos termos da legislação brasileira, não é permitida a “exclusão de direitos econômicos” de sócios ou acionistas da distribuição de lucros ou dividendos. Isso porque é inerente ao vínculo entre os sócios ou acionistas, revestido pela finalidade lucrativa das atividades empresárias, o compartilhamento dos resultados apurados.
Esse compartilhamento representa uma consequência natural da forma de constituição de uma sociedade empresária. Na medida em que o seu capital social é composto por contribuições econômicas dos sócios ou acionistas, o respectivo sucesso ou insucesso da destinação de tais contribuições – através dos resultados das operações da sociedade – deve ser “repartido” entre eles.
Para os fins do presente artigo, “exclusão de direitos econômicos” corresponde às seguintes hipóteses: (i) disposições em contrato social, estatuto social, ou acordo de sócios/acionistas que excluam sócios ou acionistas da distribuição de lucros ou dividendos; ou (ii) deliberações de sócios ou acionistas que, em violação ao contrato social, estatuto social ou legislação, excluam sócios ou acionistas da referida distribuição.
(i) Disposições em contrato social, estatuto social ou acordo de sócios/acionistas
De acordo com o direito brasileiro, são consideradas nulas disposições estatutárias (previstas em contrato social, estatuto social ou acordo de sócios/acionistas) que estabeleçam “exclusão de direitos econômicos”. Do ponto de vista prático, a nulidade poderá ser reconhecida mediante ação judicial ou procedimento arbitral – caso o contrato social, estatuto social ou acordo de sócios/acionistas estabeleça arbitragem como método de resolução de disputas – normalmente iniciados pelo sócio prejudicado.
Sob a ótica das sociedades anônimas, não há previsão legal que autorize a distribuição desproporcional de dividendos, havendo sim a possibilidade de prioridades para ações preferenciais.
Em se tratando de constituição de sociedade limitada, é até mesmo um requisito de validade a previsão, no respectivo contrato social, de que todos os sócios participem dos resultados das atividades desenvolvidas pela sociedade (inclusive do lucro líquido), nos termos do Art. 997 da Lei n. 10.406/2002, conforme alterada (“Código Civil”).
É importante destacar que não se qualificam, como “exclusão de direitos econômicos”, disposições em contrato social, estatuto social ou acordo de sócios/acionistas que prevejam (i.a) possibilidade de distribuição desproporcional de lucros em sociedades limitadas; ou (i.b) preferência no recebimento de lucros ou dividendos para quotas ou ações preferenciais ¹.
No primeiro caso, a distribuição desproporcional de lucros para sociedades limitadas é permitida pelo Art. 1.007 do Código Civil. Desde que mediante previsão no contrato social, os sócios poderão estipular livremente o montante a ser recebido por cada um deles, não havendo qualquer norma sobre valor mínimo.
Havendo consenso, a distribuição desproporcional em sociedade limitada, poderá ser formalizada por meio da assinatura de instrumento escrito pelos sócios (Art. 1.072, § 3º, do Código Civil); em não havendo consenso, a distribuição desproporcional será decidida por sócios que representem a maioria do capital social na respectiva reunião de sócios (salvo se houver quórum qualificado definido no contrato social ou acordo de sócios da respectiva sociedade)² .
No segundo caso, a preferência no recebimento de lucros ou dividendos não se trata de “exclusão de direitos econômicos” de sócios ou acionistas detentores de quotas³ ou ações ordinárias. Nos termos do Art. 17 da Lei n. 6.404/1976, conforme alterada (“Lei das S.A.”), os sócios ou acionistas detentores de quotas ou ações preferenciais poderão fazer jus ao recebimento, em ordem de prioridade, de lucros ou dividendos mínimos ou fixos.
Uma vez realizada essa distribuição prioritária de lucros ou dividendos, os demais sócios ou acionistas não poderão ser privados do seu direito econômico de participação da parcela remanescente do lucro líquido a ser distribuído⁴.
(ii) Deliberações de sócios ou acionistas
É natural que deliberações de sócios ou acionistas não possam implicar violação ao contrato social, estatuto social, acordo de sócios/acionistas ou à legislação aplicável, sob pena de, conforme mencionado acima, terem a sua validade questionada mediante ação judicial ou procedimento arbitral.
Como consequência, deliberações de sócios ou acionistas não constituem instrumentos idôneos para “contornar” as vedações ou restrições descritas no item:
“(i)” A distribuição de lucros ou dividendos, a ser definida mediante deliberações de sócios ou acionistas, deverá sempre estar dentro das “quatro linhas” do contrato social, do estatuto social, do acordo de sócios/acionistas e da legislação aplicável.
Em se tratando de distribuição desproporcional de lucros em sociedades limitadas, cuja a possibilidade esteja devidamente prevista em contrato social, não é incomum que deliberações de sócios, estabeleçam a distribuição desproporcional para um ou mais sócios em detrimento de outros, ou seja, que um ou mais sócios sejam privados de seus direitos econômicos, pontualmente naquela deliberação, ou que haja a distribuição de um valor “simbólico” a determinados sócios – ao invés de os excluir da participação dos lucros.
Em ambas as situações mencionadas no parágrafo acima, caso a respectiva deliberação não seja tomada por unanimidade, a sua validade poderá ser questionada por sócios considerados “prejudicados” – ou seja, que tenham recebido uma parcela do lucro líquido que seja inferior à sua participação no capital social. Isto se deve ao fato de que, no caso de decisão unânime, os sócios com direitos econômicos excluídos teriam concordado com a respectiva deliberação.
Inclusive, para sociedades limitadas cujo capital social seja detido por entidades que façam parte de um mesmo grupo econômico, é comum que a referida distribuição de valor “simbólico” seja decidida por unanimidade, de forma que a validade da respectiva deliberação não seja afetada. Isso porque esse tipo de distribuição tende a fazer parte de estratégias patrimoniais e financeiras do grupo econômico como um todo.
No entanto, não é possível desconsiderar, que na hipótese de distribuição de lucros com exclusão de direito econômico de algum(ns) sócio(s) decidida por unanimidade, há risco de descaracterização da natureza tributária dos lucros pagos a sócios em detrimento dos demais sócios à luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”).
O CARF já decidiu pela descaracterização da natureza tributária de lucros que tenham sido pagos, numa sociedade limitada, a apenas um dos sócios (com a exclusão dos demais)⁵, passando a ser considerado rendimento tributável para o sócio beneficiado e, então, sujeito ao imposto de renda.
Nesses casos é possível que seja reconhecida a concretização de fato gerador para a incidência de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (“ITCMD”): considera-se que o sócio que tenha seu direito econômico excluído tenha “doado” a sua parcela sobre os lucros, proporcionalmente à sua participação societária, a sócios que tenham participado da efetiva distribuição.
3 / Considerações finais
Embora a distribuição de lucros ou dividendos se trate de prática societária rotineira, ela invariavelmente poderá envolver preocupações jurídicas relevantes e que merecem a devida atenção de administradores, sócios ou acionistas.
A exemplo do objeto deste artigo, é muito importante que todos os aspectos relacionados à distribuição de lucros ou dividendos sejam planejados com antecedência – e de preferência, com suporte de assessoria jurídica especializada durante todo o planejamento.