Foi publicada na última sexta-feira (12.05) pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), em seu website, a Nota Técnica nº 4/2022/CGTP/ANPD sobre o tratamento de dados pessoais no setor farmacêutico. De acordo com a Autoridade, a realização de estudos pela Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa (CGTP) e o monitoramento do setor foi determinado após denúncias de titulares sobre as práticas de tratamento de dados realizadas pelas farmácias.
Após (i) a análise de investigações em curso por Ministérios Públicos estaduais, (ii) a análise de políticas de privacidade em vigor das principais redes investigadas, (iii) diálogos com associações do setor para entender as operações de dados pessoais realizadas pelo setor e (iv) o recebimento de denúncias de titulares de dados e de investigações jornalísticas, o Conselho Diretor da ANPD determinou a instauração de procedimento fiscalizatório em 03 de maio de 2023 para:
- analisar os limites do consentimento como hipótese legal na concessão de descontos pelo setor, especialmente em programas de fidelização, em cooperação com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon);
- elaborar medidas orientativas direcionadas ao setor.
A íntegra da Nota Técnica está disponível aqui e o Sumário Executivo elaborado pela ANPD aqui.
Veja abaixo as principais conclusões trazidas pela ANPD na Nota Técnica:
/ baixa maturidade de adequação do setor com a LGPD. A análise da ANPD concluiu que o setor farmacêutico demonstra baixa maturidade de adequação com a LGPD e que diversas práticas de tratamento de dados pessoais estão em desconformidade com a legislação, com destaque para a realização de coleta excessiva de dados pessoais e sensíveis, falta de transparência e violação ao princípio da finalidade.
/ falta de transparência. Um dos principais pontos de desconformidade, segundo a Autoridade, é a falta de transparência adequada para que o titular compreenda a amplitude do tratamento, sua finalidade, e para entender a consequência do procedimento de se opor ao tratamento de seus dados, muitas vezes sensíveis (como, por exemplo, a coleta de dados biométricos, que em alguns contextos pode ser considerada uma prática excessiva).
/ descontos condicionados ao consentimento e diálogo com a Senacon. De acordo com a ANPD, com o direito à informação prejudicado pelas práticas empregadas pelo setor, o usuário também poderia ser alvo da prática de descontos condicionados ao prévio tratamento de dados pessoais, o que também pode representar violação da legislação consumerista.
Além disso, a ANPD observa a necessidade de otimização do aprimoramento do diálogo com a Senacon para discussão acerca do tema.
/ tratamento de dados biométricos. A ANPD reforçou, ainda, que, tendo em vista que dados biométricos não constituem a única forma de verificação de identidade, poderiam ser empregadas também outras ferramentas de tratamento de dados, menos gravosas em relação à utilização de dados tão sensíveis quanto as biometrias digitais ou até mesmo faciais.
Segundo a ANPD, se a verificação da identidade de cadastros de clientes pode ser realizada por meio de dados pessoais não sensíveis, é mais difícil justificar e dispor de contrapartida adequada em termos de segurança da informação para a coleta de dados biométricos para os mesmos fins.
/ estabelecimento de diálogo direto com as farmácias, não só com as associações do setor. A ANPD destacou, ainda, que é essencial estabelecer uma relação de fiscalização diretamente com os agentes de tratamento envolvidos nos processos relacionados ao modelo de negócio das farmácias, inclusive os programas de fidelização, e não somente com suas entidades representativas, a fim de averiguar em detalhes as condições e as finalidade de cada tratamento, as medidas de segurança envolvidas, os níveis de adequação à LGPD, entre outros aspectos de cada agente de tratamento.
/ Insights b/luz
A divulgação da Nota Técnica pela ANPD demonstra um posicionamento preliminar da Autoridade com relação ao setor farmacêutico. Além disso, demonstra como a atividade de monitoramento e fiscalização da ANPD poderá ocorrer por setor, o que pode sinalizar um direcionamento estratégico da Autoridade na proteção de dados pessoais em áreas específicas da economia.
Além disso, a ANPD antecipou, em alguma medida, a discussão envolvendo o uso de dados biométricos para fins de autenticação e validação de identidade. O entendimento trazido na Nota Técnica pode acabar sendo ampliado para outros setores.
Agora, aguardemos os próximos passos da ANPD com relação ao setor farmacêutico, notadamente a proposta de medidas orientativas que está em elaboração pela Autoridade.