A Arbitragem é uma forma de resolução de conflitos cada vez mais procurada no Brasil. Por meio deste método, é assegurada maior autonomia às partes contratantes e controvérsias contratuais podem ser solucionadas de uma maneira mais personalizada. Mas, afinal, a Arbitragem pode ser utilizada em Contratos de Franquias?
1. Introdução
O uso da arbitragem para resolução de conflitos originários de contratos de franquias sempre foi um tema controvertido no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente à luz da Antiga Lei de Franquias de 1994. Isso porque a anterior legislação não tinha disposições relacionadas ao uso do instituto arbitral nas relações de franquia, fato que gerava questionamentos acerca da sua validade. Com o advento da Nova Lei de Franquias, a qual foi promulgada em dezembro de 2019 e entrou em vigor em março de 2020, tais dúvidas chegaram ao fim, visto que a nova legislação reconhece a possibilidade de franqueador e franqueado optarem pelo juízo arbitral.
Dessa maneira, no presente artigo será analisado em um primeiro momento o contrato de franquia e a sua relevância no contexto brasileiro e, em um segundo momento, será feita uma comparação entre o uso da arbitragem para resolução de conflitos originários de contratos de franquia na conjuntura da antiga legislação em face da nova Lei de Franquias.
2. O Contrato de Franquia
O ramo do franchising tem se mostrado cada vez mais promissor no mercado mundial e brasileiro. Acredita-se que um dos principais motivos a justificar seu constante crescimento e desenvolvimento, em especial no mercado nacional, seja a crescente vontade de empreender dos brasileiros, bem como a segurança do negócio, quando comparado com empresas iniciantes.[1] Isso porque, no modelo de franquias, o franqueado recebe treinamento e apoio do franqueador, o qual irá auxiliá-lo e inseri-lo no padrão da sua rede de franquias, que, de regra, se trata de um negócio já testado e em atividade no mercado[2].
Conforme relatório divulgado pela Associação Brasileira de Franchising (“ABF”), em 2019 o segmento demonstrou consistência e estabilidade, mesmo diante de crescimento econômico moderado, apresentando um percentual de crescimento de 6,8% quando comparado ao ano de 2018, passando de um faturamento, em bilhões, de R$174,843 em 2018 para R$186,755 em 2019. O número de redes também se mostrou crescente, em razão do surgimento de novas marcas no mercado, passando de 2.877 em 2018 para 2.918 ao final de 2019[3].
O Brasil fora um dos países precursores a redigir uma legislação específica sobre o tema, em 1994, com a então Lei nº 8.955/94, a chamada Lei de Franquias. Sua redação se destinava a limitar deveres de informação da franqueadora perante o candidato, de forma a lhe assegurar o devido fornecimento de dados imprescindíveis à decisão quanto ao ingresso ou não naquele respectivo sistema de franquias. No entanto, a referida lei ainda não era capaz de abranger todos os aspectos jurídicos do relacionamento de franquia, mantendo abertas diversas lacunas em meio ao negócio já estruturado.
Em 27 de dezembro de 2019 foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei nº 13.966, que revogou a antiga Lei de Franquias de 1994. O novo diploma legal apresenta uma série de novidades ao texto de Lei, permitindo às partes estabelecer uma relação de franquia com maior segurança e clareza, principalmente no que diz respeito ao afastamento de vínculo nas esferas consumerista e trabalhista, questões estas que ainda eram comumente debatidas no judiciário brasileiro. A redação da chamada Nova Lei de Franquias se propõe, ainda, a modernizar práticas já vigentes, elucidar pontos que anteriormente geravam dúvida e litígios, e, ainda, estabelecer regras mais claras sobre os métodos de resolução de controvérsias.
Dentre essas últimas, passa a ser expressa possibilidade de eleição do juízo arbitral pelo franqueador e franqueado, para dirimir eventuais controvérsias oriundas da relação de franquia. Dessa maneira, no próximo ponto exporemos o panorama atual do uso da arbitragem em conflitos originários de contratos de franquia.
3. A Arbitragem como Resolução dos Conflitos Originários do Contrato de Franquia.
a. O uso da Arbitragem durante a vigência da antiga Lei de Franquias
Antes do advento da Nova Lei de Franquias, muito se questionava acerca da validade da convenção de arbitragem perante o franqueado. Isto é, dada a omissão da antiga Lei de Franquias de 1994 em relação aos métodos de resolução de conflitos e o fato de tal tipo contratual ser considerado pelos tribunais um contrato de adesão em algumas hipóteses, os tribunais brasileiros muito se debruçaram sobre dúvidas acerca da possibilidade do uso da arbitragem para os litígios entre franqueador e franqueado.
Os críticos do uso do juízo do arbitral nos conflitos de franquia alegavam, em sua maioria, que o franqueador ocuparia suposta posição de vantagem na relação de franquia, de modo que a escolha pela arbitragem seria benéfica apenas para o titular do sistema de franquias. Essa argumentação foi, ainda durante a vigência da antiga Lei de Franquias de 1994, superada pelo poder judiciário nacional.
Em 2016, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, declarou nula cláusula compromissória inserida em contrato de franquia por não estar de acordo com os requisitos elencados no art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem. Por mais que a decisão da Corte tenha sido contrária à arbitragem, isso se deu tão somente em razão da inadequação da redação da cláusula no caso específico. Ou seja, neste caso, extrai-se o entendimento de que, caso a convenção de arbitragem preencha adequadamente as especificações legais do dispositivo supra, os quais abordaremos em seguida, ela será válida nos contratos de franquia.
Com esta e outras decisões paradigmáticas, foi-se pacificando na jurisprudência brasileira a possibilidade de inclusão de cláusula arbitral em contratos de franquia, desde que observados os requisitos legais do art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem. De acordo com tal artigo, temos que nos contratos de adesão – como é considerado pelos tribunais o contrato de franquia para fins de arbitragem – a cláusula arbitral será eficaz (i) caso o aderente – neste caso, o franqueado – tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou (ii) caso o aderente concorde, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, devendo haver assinatura ou visto especificamente para tal cláusula.
O que verificamos é que, com o reconhecimento dos tribunais acerca da validade da cláusula compromissória nas relações de franquia, durante a vigência da Lei de Arbitragem anterior, se tem notícia de procedimentos arbitrais efetivamente instaurados para discussão da relação de franquias.
Em 2016 e 2017, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (“CESA”) disponibilizou o ‘Anuário da Arbitragem no Brasil’[4], o qual contempla, também, dados acerca da duração média de procedimentos arbitrais administrados por diferentes centros de arbitragem no Brasil durante tais anos. Em 2016, foi informado pelas câmaras arbitrais ARBITAC, CAESP, CIESP/FIESP e IMAB que o tema ‘contratos de franquia’ constava entre os principais assuntos envolvidos nos procedimentos administrados por tais instituições. Já em 2017, foi informado pelas câmaras AMCHAM, CAESP, CAM-CCBC, CAMARB, CIERGS e CIESP/FIESP que tal tema era discutido em arbitragens por elas administradas. Especificamente em relação à CIESP/FIESP, tem-se o dado de que 12,6% dos seus procedimentos discutiam relações de franquia, sendo o terceiro tema mais tratado pela instituição, após disputas societárias e contratos de agência e distribuição.
Ainda, percebemos que a própria ABF, talvez por ter percebido o aumento nas demandas de arbitragem nos sistemas de franquia, elaborou, em 2016, a “Cartilha de Arbitragem”[5]. Nesse documento, a Associação apresenta, com linguagem didática, o instituto da arbitragem, o papel dos árbitros e das partes, os seus benefícios e vantagens e o funcionamento do procedimento arbitral.
Em que pese todos esses movimentos, que demonstram uma aceitação da aplicação da arbitragem em controvérsias envolvendo sistemas de franchising, na prática, ainda eram comuns as tentativas de afastamento da sua aplicabilidade através de medidas judiciais, baseadas, principalmente em alegações de hipossuficiência por franqueados, as quais acabavam por tentar discutir a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem, de forma a afastá-la e remeter o litígio em questão à justiça comum.
b. O uso da Arbitragem durante a vigência da nova Lei de Franquias
Considerando que a arbitragem já era utilizada nos conflitos de franquia na vigência da antiga Lei de Franquias de 1994, que era omissa em relação ao tema, o que mudou com a promulgação da Nova Lei em dezembro de 2019? A principal mudança trazida pela atual legislação foi a previsão expressa da possibilidade de inclusão de cláusula compromissória em contratos de franquia, o que acabou com todas as dúvidas que ainda poderiam surgir em relação à validade do instituto.
A Nova Lei de Franquias é clara: conforme seu art. 7º, § 1º, as partes poderão eleger juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia. O que se busca analisar, agora, são as novas discussões relacionadas à arbitragem à luz da nova Lei e, especificamente, relacionadas aos efeitos do artigo 7º, §1º da nova Lei de Franquias.
Para isso, fez-se uma pesquisa de jurisprudência junto ao TJRS, TJSP, TJRJ e TJMG. Nessa busca, tentou-se encontrar casos posteriores à vigência da Nova Lei de Franquias, que expressamente utilizassem tal legislação como embasamento para a aplicação dos efeitos da cláusula arbitral. No entanto, em função da novidade desta previsão legal, não foram encontrados julgados com tais especificações. Um grande número de casos encontrados gira em torno da tradicional discussão relacionada ao tema: o preenchimento ou não dos requisitos elencados no art. 4º, §2º da Lei de Arbitragem.
4. Conclusão
Por fim, concluímos que a aceitação da arbitragem como método de resolução de conflitos originados de contratos de franquia não surgiu apenas com a sua permissão expressa na Nova Lei de Franquias. Isto é, desde a vigência da antiga Lei de Franquias de 1994, que mesmo não sendo clara acerca do tema, os tribunais brasileiros vêm reconhecendo a validade da convenção de arbitragem no contexto das franquias. Dessa forma, via-se a possibilidade de aplicação da convenção de arbitragem a disputas oriundas de contratos de franquia, contudo, não raros eram os casos em que uma discussão judicial de sua validade era previamente necessária para, somente após o reconhecimento da validade, o procedimento arbitral fosse, de fato, instaurado.
Com o advento da Nova Lei de Franquias e a expressa previsão acerca do tema, acredita-se que o número de litígios judiciais, visando ao afastamento da cláusula arbitral, tenda a se reduzir e, em razão disso, o uso do instituto arbitral se torne cada vez mais comum, de modo que o número de câmaras arbitrais e de profissionais aptos a trabalhar com o tema passe a ser ainda mais significativo, quando comparado aos números atuais.
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