Baptista Luz

26/07/2021 Leitura de 7’’

Cenário regulatório do mercado canábico brasileiro

26/07/2021

O uso medicinal da cannabis sativa está em pauta no Congresso NacionalUma comissão especial foi formada para analisar o projeto que autoriza o cultivo da planta para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais (PL 399/15). Esse evento levantou o debate na matéria, que não é novidade: discutir a legalização das drogas, bem como o mercado em que estão inseridas, é um dos assuntos mais trabalhados no mundo. 

Ao tratar da regulamentação da cannabis no Brasil, é importante considerar, portanto, o panorama global. Em 2020, o setor legalizado atingiu a marca de 21 bilhões de dólares em vendas com produtos advindos da cannabis, o que representa um crescimento de 48% se comparado com 2019. Algumas pesquisas preveem um crescimento exponencial e estimam que até 2026 o mercado mundial autorizado de cannabis atingirá a marca de 56 bilhões de dólares no faturamento.  

Em 2013, o nosso vizinho, Uruguai, descriminalizou o uso da maconha. As vendas se iniciaram e em 2019, estimativas oficiais divulgadas em janeiro indicavam que a regulamentação da cannabis para fins recreativos lucrou mais de US $ 22 milhões (cerca de R$ 90 milhões) que iriam para o mercado ilegal”. 

Em março deste ano, Nova Iorque aprovou a legalização da cannabis para uso recreativo. Dentre os 50 Estados norte-americanos, 16 já liberaram esse tipo de uso, ao passo que 36 já aprovam para o uso medicinal. Além disso, países como México, Canadá, Uruguai também legalizaram o uso recreativo, enquanto 42 países, incluindo o Brasil, autorizam o uso medicinal. Isso nos permite notar uma tendência mundial em prol da legalização do uso da cannabis, que tende a provocar um efeito dominó.  

 States where cannabis is legal

 

Interessante complementar que, de acordo com o artigo 66 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), a definição de “droga” está na Portaria da Anvisa de n.º 344/1998. Ou seja, a lei delega a responsabilidade de estabelecer quais são as substâncias proibidas que, consequentemente, estarão abrangidas pela Lei 11.343/06. Nesse sentido, Anvisa, por meio de Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), autorizou o uso medicinal da cannabis, no entanto, a efetiva regulamentação está demorando para acontecer. Basicamente o uso recreativo ainda está criminalizado, mas alguns formatos medicinais estão autorizados.  

Diante deste combinado de autorizaçõespressões de associações ao governo e às entidades médicas têm-se feito presentes para autorização de uso dos derivados da cannabis, considerando as evidências científicas que demonstram que o canabidiol pode ajudar no tratamento de doenças como a epilepsia, Alzheimerdepressão, entre outras.  

Mesmo com muitos vácuos regulatórios, os interessados têm entrado na justiça para conseguirem habeas corpus que permitem o plantio para uso próprio e com fins medicinais, já que, pela legislação atual, o plantio e comercialização sem autorização são considerados crime de tráfico 

Somente em 2015 a Anvisa passou a determinar critérios para importação de produtos à base de canabidiol. Assim, foi definido que este só poderia ser feito por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição médica. Porém, o processo ainda era consideravelmente burocrático e demorado, já que o prazo de aprovação da Anvisa, para cada remessa encomendada, era em média 90 dias.   

Em 2019, com a RDC 327/19, foi autorizada a venda de medicamentos à base de cannabis no Brasil. Com isso, houve uma facilitação, às empresas interessadas, para a importação, fabricação e comercialização de medicamentos derivados da planta. Conforme a resolução, o procedimento a ser adotado pelas pessoas jurídicas implica na solicitação de Autorização Sanitária à Anvisa1, que tem prazo de validade de cinco anos, além do requerimento para regularização do produto por meio do registro de medicamentos2 

No entanto, como o cultivo no país ainda é vedado, é necessário que as empresas importem os insumos, seja na forma de derivados de plantas, ou como um produto já industrializado. Consequentemente, os poucos produtos de canabidiol produzidos no Brasil são feitos por grandes farmacêuticas, já que a importação de matéria-prima – óleos e extratos – os torna excessivamente onerosos, custando em média R$ 2.500 um frasco de 200 ml 

Uma alternativa ofertada no mercado brasileiro é a produção artesanal dos medicamentos, que é exercida por associações que conquistaram judicialmente o direito de cultivar, de forma restrita, para seus associados, a um custo médio de R$ 150 por 300 ml. Todavia, essas associações ainda enfrentam entraves burocráticos e instabilidades jurídicas. 

Já a RDC 335/20, focada na pessoa física, fixou critérios e procedimentos mais eficazes para a importação dos produtos e manteve as ressalvas de uso próprio em tratamento de saúde, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado3. Para realizar a importação, o paciente, ou seu responsável legal, deve se cadastrar e submeter a documentação, por meio de formulário eletrônico, no Portal de Serviços do Governo Federal e havendo aprovação do cadastro poderá importar os produtos derivados de cannabis, por vias formais, por dois anos, que é o período de validade do cadastro.    

Diante deste quadro, é evidente que a legislação brasileira tem demonstrado interesse no debate da legalização da cannabis para todos os seus usos.  Mesmo com obstáculos, o contexto nacional é visto com bons olhos por empreendedores, que enxergam no mercado de cannabis, oportunidades bilionárias e muito promissoras. Nessa linha, inúmeras startups têm se destacado com projetos inovadores que vinculam esse mercado aos mais diversos setores, como moda, agrobusiness e até educaçãoStartups, por exemplo, têm criado formas de aumentar a absorção dos produtos para insumos medicinais, fazendo com que o lucro possa ser também alavancado nas vendas.  Na moda, os resíduos da planta estão servindo como matéria prima para confecção de tecidos para roupas e acessórios.  

Entretanto, uma decisão do STJ do mês de março/2021 tem preocupado o mercado por estar na contramão de grande parte das decisões proferidas desde 2006. Nela, o STJ não concedeu habeas corpus para um paciente que queria fazer o plantio para uso medicinal. A justificativa é de que a autorização para o cultivo deve ser solicitada à Anvisa. Porém, o órgão é taxativo em afirmar que cabe ao Ministério da Saúde regular o cultivo. A preocupação é de que esse precedente gere uma onda de decisões contra cultivos medicinais.  

Desde 2015 está em tramitação no STF uma proposta de descriminalização do uso pessoal da maconha. Entretanto, parece mais interessante que o Congresso decida sobre a matéria que o STF, afinal, a decisão tem repercussões políticas nacionais grandiosas e, se feita pelo colegiado, tira a atenção dos ministros. 

É evidente que se trata de um momento de grande efervescência. Entretanto, ainda restam consideráveis desafios regulatórios e jurídicos. O enorme potencial lucrativo desse mercado, associado às evidências de que a cannabis tem auxiliado no tratamento de pessoas com doenças crônicas, promete importantes desdobramentos para o assunto, aos quais vale se atentar. Ao mesmo tempo, faz-se necessário um maior debate público e político para abordar o uso recreativo, que também tem prometido relevante lucro.  

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