O avanço da disseminação do COVID-19, também conhecido como Coronavírus, tem impactado diversos segmentos econômicos de diferentes maneiras. Uma delas, contudo, é comum a muitos deles: o cancelamento ou adiamento de grandes eventos. Como uma tentativa de refrear a propagação do vírus, entidades do governo, como o Ministério da Saúde, têm recomendado que seja evitada a formação de grandes aglomerações de pessoas[1], o que tem causado cancelamento e adiamento de eventos de diferentes gêneros, como musicais, artísticos, desportivos, acadêmicos, científicos e empresariais.
Os locais mais afetados por essa medida são aqueles onde o contágio já atingiu o nível de transmissão comunitária, ou seja, onde não é mais possível identificar a origem da infecção, que já se alastra de forma aleatória[2]. Alguns exemplos são as cidades de São Paulo[3]e do Rio de Janeiro[4], onde foram publicados decretos municipais e estaduais suspendendo a realização de eventos de grande público.
Esse contexto tem o potencial de gerar prejuízos significativos para diversos grupos, como organizadores, fornecedores, participantes, patrocinadores, empresas de mídia e publicidade e muitos outros que poderiam se beneficiar do turismo relacionado ao evento. Resta, assim, uma pergunta delicada: como agir diante desse cenário?
Reduzindo o Prejuízo
Primeiramente, é preciso calma e foco para se analisar todos os fatores envolvidos no problema e melhor planejar a estratégia a ser adotada pela empresa, comunicando todas as decisões de forma clara e transparente e, assim, evitando maiores perdas e conflitos no futuro.
Do ponto de vista do organizador, é preciso, no primeiro momento, avaliar se existem alternativas ao cancelamento do evento, como, por exemplo, seu adiamento para um momento no futuro em que se possa razoavelmente esperar que a crise já tenha sido contida. Especialmente em situações em que o adiamento possa comprometer o “timing” e a relevância do evento, uma alternativa a ser considerada é a sua realização de forma virtual, ainda que parcialmente, como no caso de cursos, workshops e palestras.
Na perspectiva financeira, é necessária a definição de um plano concreto de ação para a gestão da crise, que passa, inicialmente, pela identificação e análise de todos os contratos firmados que possam ser impactados por esse imprevisto. Diversos fatores envolvidos nessa análise podem ser determinantes em momentos seguintes, como multas rescisórias, obrigações de notificação e, especialmente, a existência de uma cláusula sobre caso fortuito e força maior.
A pandemia que estamos enfrentando provavelmente será interpretada pelos tribunais como um evento de força maior, isto é, um fato externo ao contrato, decorrente de um fenômeno natural imprevisível, que independe da vontade humana. Assim, conforme prevê o artigo 393 do Código Civil, o devedor, neste contexto, não precisará responder pelos prejuízos resultantes desse evento natural. Logo, se for entendido que Covid-19 causou um evento de força maior, organizadores, por exemplo, não serão responsáveis sozinhos e integralmente pelos prejuízos causados pela pandemia.
Obviamente, as chances de uma alegação de força maior ser aceita no futuro serão maiores quando o evento em questão estiver programado para ocorrer em uma localidade em que os efeitos da crise do Coronavírus tenham sido mais significativos.
Note-se, contudo, que o Código Civil fala em “devedor”, isto é, qualquer um que tenha obrigações em aberto perante a outra parte (não apenas quem deve dinheiro), de forma que diferentes sujeitos envolvidos na realização do evento podem utilizar essa previsão, se alguma de suas obrigações estiver pendente. Uma possível exceção é o caso em que o contrato contenha disposições excluindo a aplicação dessa excludente de responsabilidade – nesta hipótese o devedor, mesmo se for declarada situação de força maior, terá que assumir os prejuízos gerados pela pandemia.
Considerando que ambas as partes contratantes podem ser consideradas devedoras de alguma obrigação ao mesmo tempo, esse cenário demandará daqueles afetados um grande esforço de negociação e conciliação para minimizar os impactos da situação. Isto é, se nenhuma das partes será responsável pelos prejuízos integralmente, ambas vão ter que negociar em conjunto como lidar com os prejuízos que sofrerem ou que causarem a terceiros pelo cancelamento do evento.
Embora o evento de força maior seja uma situação passível de rescisão contratual, em certos casos será preferível buscar uma solução consensual, em detrimento do encerramento do contrato, para evitar prejuízos maiores a ambas as partes, renegociando ou postergando a execução das obrigações.
Em relação ao mercado consumidor, não se vislumbra, a princípio, uma resposta definitiva acerca dos direitos do consumidor neste contexto excepcional. Alguns mercados afetados pela crise já contam com caminhos mais delineados, como o de transporte aéreo, em que o direito de reembolso diante de cancelamentos de voos pela companhia aérea está previsto na Resolução nº 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)[5]. No entanto, ainda há incerteza sobre os critérios que serão aplicados à crise atual.
Até o momento, recomendações têm sido expedidas por órgãos públicos, mas sem caráter mandatório[6]. Em relação aos casos de adiamento de eventos, o Procon SP[7], manifestou seu entendimento no sentido de que cabe ao organizador permitir ao consumidor cancelar a compra do ingresso e ter seu valor reembolsado, caso não possa comparecer ao evento na nova data.
Estes são alguns dos aspectos que devem ser considerados no plano de ação para o enfrentamento da situação, mas outros fatores podem ser também determinantes, a depender do caso concreto, como a prévia contratação de um seguro que possa ser acionado nessas circunstâncias.
Conclusão
Uma má gestão da crise pode não apenas impactar uma empresa financeiramente, mas também prejudicar a sua reputação de forma irreparável. É essencial que cada decisão seja tomada com a assessoria necessária e comunicada de forma clara e transparente. Neste momento de imprevisibilidade, é preciso ter calma e paciência para enfrentar os desafios que se apresentam e se organizar para que todas as providências necessárias sejam tomadas para minimizar os danos e permitir que o evento possa ser realizado da melhor forma possível uma vez passada essa fase turbulenta.
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