A pandemia global causada pelo Coronavírus atingiu em cheio a nação brasileira. A calamidade pública é inegável, tanto que Câmara dos Deputados e Senado aprovaram o decreto a respeito, que vigorará até 31 de dezembro. Os efeitos desastrosos na economia nacional, portanto, decorrem em sua maioria pela impossibilidade de exercício das relações sociais mínimas. Força maior e onerosidade excessiva têm sido alegadas para postergação de termos, revisão ou mesmo rescisão de contratos celebrados. Mas e quanto aos contratos firmados com a Administração Pública?
1. Quem se responsabiliza pela força maior nas contratações com a Administração Pública?
O Poder Público possui diversas modalidades para contratar serviços ou adquirir bens. Cada modalidade possui suas peculiaridades, com vistas a concretizar a eficiência esperada da Administração Pública – além de outros princípios. Por isto, os contratos ou outros instrumentos que regem as contratações da Administração Pública devem conter cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.
É comum que cada contrato público, para deixar clara a responsabilidade das partes, contenha uma matriz de risco, que nada mais é do que formalização dos riscos assumidos por cada parte do contrato, inclusive no que diz respeito à fatos imprevisíveis, ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, à época da contratação.
Portanto: dentro da matriz de risco dos contratos públicos, quem deve se responsabilizar pelo não cumprimento das obrigações decorrentes da calamidade pública causada pela pandemia do Covid-19? Como adiantado acima, a resposta depende de cada caso concreto, sem prejuízo de adiantarmos alguns fatores gerais a cada tipo de contratação.
1.1. Contratos de fornecimento
De forma geral, nos contratos de fornecimento envolvendo bens e serviços simples (inclusive obras simples), o risco de força maior e caso fortuito são atribuídos ao Poder Público. Também de forma geral, estes contratos não envolvem longa execução (mais que 5 anos, para melhor balizar), o que permite que fatores extraordinários e imprevisíveis sejam assumidos pela Administração Pública – como é o risco que se origina de força maior e caso fortuito.
1.2. Contratos complexos e de longa duração
Em contratos que envolvem objetos complexos e/ou de longa duração, como Parcerias Público-Privadas, Concessão de Serviços Públicos, Contratos de Encomenda Tecnológica, Concessão de Direito Real de Uso de Bem Público, dentre outros, o planejamento da matriz de risco feita pelo Poder Público pode alocar o risco relacionado à força maior e caso fortuito ao particular, ainda que parcialmente. Contratos complexos demanda robusto planejamento. Dentro deste processo, pode existir justificativa jurídica, técnica e/ou econômico-financeira que transfira, total ou parcialmente, o risco extraordinário da força maior e caso fortuito ao particular.
1.3. Como me resguardar?
Cada caso deve ser avaliado de forma isolada. Inicialmente, deve-se consultar a matriz de risco. A quem recai o risco da força maior, como é o caso do Covid-19?
Se ao Poder Público, medidas necessitam ser tomadas para resguardar o contratado/privado, a depender do caso, evidentemente.
A notificação ao Poder Público pode ser utilizada para diversas estratégias, por exemplo:
(i) Recomposição da equilíbrio econômico-financeiro do Contrato;
(ii) Revisão de cronograma de execução;
(iii) Suspensão contratual;
(iv) Rescisão, no pior cenário, principalmente em caso de impossibilidade de cumprimento;
(v) Mitigação de risco relacionado a imposição de sanções/penalidades pelo Poder Público.
Vivemos em tempos extraordinários. E isto demanda bom senso de todos os atores envolvidos. Como bem direciona a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, principalmente em âmbito do Direito Público, “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.
No caso concreto, deve-se buscar pela solução que cause menor prejuízo aos envolvidos. Esta é a diretriz que, em tese, deve ser tomada tanto pelos agentes públicos e políticos, pelos juízes dos Tribunais de Contas ou mesmo pelos magistrados em seara judicial. Casos extraordinários permitem a alteração contratual. Olvidar esta diretriz pode causar prejuízos irreparáveis às relações público-privadas, ao erário público e à sociedade.
1.4. Como agir face à atitudes arbitrárias de agentes públicos?
E se o agente público, representando o Poder Público contratante, decidir rescindir de forma unilateral e arbitrária o contrato, baseado em suposta oportunidade e conveniência (poder discricionário da Administração Pública)? Ou mesmo no Coronavírus como ocorrência de força maior, impeditiva da execução do contrato?
De modo geral, a Lei de Licitações e Contratos Públicos prevê indenização ao contratado em caso de rescisão unilateral por força maior, caso fortuito ou oportunidade e conveniência da Administração Pública, desde que onde não seja atribuída tenha havido culpa ao contratado. Tal diploma estabelece que o contratado será ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a devolução de garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e pagamento do custo da desmobilização.
Mas, será que não vale a pena brigar pela manutenção da execução contratual?
É de se imaginar que o contrato administrativo fosse necessário – afinal, deve haver justificativa para a contratação. Deixou, então, de ser absolutamente necessário tal objeto? A indenização a ser paga para o contratado justifica a rescisão do contrato ou significa prejuízo ao erário? O agente público motivou sua decisão administrativa, considerando as consequências práticas da sua decisão? Considerou a eficiência, moralidade e legalidade que se esperam da Administração Pública? Considerou que o valor da indenização poderia ser evitado, se renegociado o cronograma de execução contratual?
Parêntesis importante para grifar que do ato que determinar a rescisão unilateral por oportunidade ou conveniência, ou, então, por força maior, cabe recurso administrativo, além de depender de regular processo administrativo que assegure direito de defesa.
De todo o modo e a depender do caso concreto, o Tribunal de Contas pode intervir, seja para a correta aplicação da Lei de Licitações (art. 113, § 1º), como também para prevenir danos aos cofres públicos. O Ministério Público também possui a missão de zelar pelo correto trato da coisa pública. Em última instância, o Poder Judiciário deve intervir em favor da correta aplicação da lei.
Novamente: o momento é extraordinário. E isto exige minimamente bom senso. Para além disso, os operadores do direito, públicos ou privados, devem antecipar as consequências práticas da decisão administrativa, controladora ou judicial, optando-se por aquela que traga menor prejuízo a toda a coletividade envolvida.
2. Dispensa de licitação decorrente do Coronavírus
O Congresso Nacional decretou calamidade pública. Isto não pode e não deve ser utilizado como cheque em branco para que agentes públicos contratem com quem, como e pelo preço que quiserem.
As empresas que forem solicitadas a contratar de forma emergencial, por meio de dispensa de licitação, devem velar para que as formalidades legais sejam cumpridas. Para além disso, devem atuar de forma íntegra. Vale lembrar que é imprescindível registrar e arquivar, dentro do possível, o maior número de informações para futura comprovação da integridade praticada aos eventuais órgãos de controle – Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e sociedade civil.
Importa notar que há ampla legislação permitindo e estimulando a fiscalização pela sociedade civil. Eventuais práticas ilícitas por agentes públicos, com ou sem anuência de eventuais concorrentes, podem e devem ser questionados, em âmbito administrativo, controlador e/ou judicial.
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