/ dia mundial do meio ambiente e o convite à reflexão
O dia 5 de junho é conhecido como o Dia Mundial do Meio Ambiente. Por isso, a Organização das Nações Unidas (“ONU”), por meio de seu programa para o Meio Ambiente (“PNUMA”), promoveu diversas atividades com o intuito de estimular reflexões sobre o cenário de calamidade pública pelo qual passamos, em meio a pandemia gerada pelo novo Coronavírus. Este cenário evidenciou ainda mais a intrínseca conexão entre saúde pública e meio ambiente, além de estimular a construção de soluções por um mundo melhor no período pós-pandemia.
Em conexão com o convite promovido pela ONU, nesta breve análise pontuaremos quais são os problemas que dificultam a atuação no campo ambiental, eventuais desafios e propostas de solução em uma análise multidisciplinar de Direito Público.
/ segurança jurídica no Direito Ambiental: desafios e propostas de solução
Mesmo em tempos normais, a prática jurídica em Direito Ambiental é altamente dinâmica, recorrentemente se deparando com novos desafios jurídicos. Estes desafios decorrem da constante evolução das relações humanas, do crescimento demográfico e do desenvolvimento e aumento produtivo, impactando na relação macro com o meio ambiente.
O debate em prol da superação destes desafios encontra o tema da insegurança jurídica como fator principal. Vale frisar: a insegurança é uma característica do ordenamento jurídico nacional, não apenas do direito ambiental.
Mas, afinal, quais são os principais obstáculos do Direito Ambiental brasileiro? O assunto é tão extenso e muitos livros já foram escritos sobre o tema. Como nossa proposta é ser breve, elencamos os seguintes pontos que podem ser melhorados nesta matéria no Brasil, como:
(i) A existência de normas ambientais esparsas, antigas e pouco flexíveis – quando não, dúbias e em branco;
(ii) A existência de competência legislativa concorrente entre os entes da federação, havendo larga aplicação da norma mais protetivas ao meio ambiente em casos de conflito de normas ambientais;
(iii) A existência de um modelo licenciamento ambiental ultrapassado;
(iv) O risco advindo de atos de terceiros/fornecedores; e
(v) Órgãos ambientais que precisam de maior independência política e financeira.
Em relação ao primeiro obstáculo elencado, uma possível solução seria através da consolidação das normas ambientais. Estabelecemos tal destaque para frisar que a consolidação precisa ser realizada em âmbito das leis ambientais (consolidação das leis ambientais, portanto), como, também, das regulamentações e demais normas infralegais. Neste sentido, vale destacar que já há determinação para consolidação das normas inferiores a decreto, estabelecida pelo Decreto n. 10.139/2019.
Paralelamente, uma vez atendida tal tarefa a nível federal, presume-se que estados e municípios seguiriam o mesmo caminho. Isto abriria margem para solução, ainda que parcial, do segundo obstáculo elencado, referente à concorrência legislativa entre entes da federação. Para este último, sem dúvidas, há possibilidade de discussão de Emenda à Constituição para tratar de forma assertiva sobre o tema.
Importante frisar que o desafio maior no campo do Direito Ambiental consiste também na mobilização da sociedade civil e de seus representantes para o debate construtivo, com a urgência que o assunto requer. Nesse sentido, o Acordo Mercosul-União Europeia, assinado em junho de 2019, dá estímulo adicional ao esforço conjunto, ao dispor sobre desenvolvimento sustentável e metas de proteção ambiental entre os países participantes1.
Sobre o terceiro obstáculo mencionado, referente ao licenciamento ambiental, vislumbramos a necessidade de se debater modelagem de licenciamento fundada em abordagem de risco (risk-based approach). Isto porque as atividades sujeitas ao licenciamento ambiental aumentam dia após dia, de força exponencial, enquanto a capacidade administrativa dos órgãos ambientais sequer é aumentada. Significa dizer, portanto, que é necessário investimento de mais esforços nos empreendimentos com alto potencial poluidor, dispensando-se os empreendimentos de baixo potencial poluidor.
Tal como em outros ramos do direito, aumentar a lista de atividades controladas não produz imediatos benefícios ao bem jurídico tutelado – no caso, ao meio ambiente. Ainda mais quando não se tem estrutura para fiscalizador todas as atividades.
Por isso, uma proposta viável seria a edição do regulamento da Lei Complementar n. 140/2011, para que sejam listadas as atividades dispensadas de licenciamento ambiental pelo baixo potencial poluidor ou pela falta de interesse ambiental, ainda que observadas quantidades máximas de área de exploração e outras características a depender de cada atividade. Por exemplo, a produção de bioinsumos onFarm ou silvicultura, desde que não ultrapasse uma determinada quantidade, por exemplo, “X” mil hectares contíguos em uma mesma área de influência; residências unifamiliares, etc.
Ainda dentro do tema licenciamento, os termos de referência (Guias para Licenciamento de determinadas atividades, por assim dizer) deveriam ser revisados e submetidos à consulta pública com base na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. A iniciativa privada tem totais condições de, republicanamente, contribuir com o aprimoramento de tais diretrizes.
Ademais, imprescindível que seja permitido o credenciamento e/ou acreditação de consultorias e empresas ambientais para auxiliar os órgãos ambientais na análise dos estudos que baseiam os pedidos de licenciamento. Atualmente, é sabido que grande parte dos estudos apresentados pecam por irregulares técnicas, legais e econômico-financeiras, sobrecarregando os órgãos em orientações e em quantidade de reanálises de um mesmo caso. Já foi comprovado que a adoção desta via de delegação ao setor privado gera excelentes resultados, valendo citar os casos dos mercados de qualidade, metrologia e saúde – Inmetro e Anvisa.
Sobre o quarto obstáculo mapeado, qual seja, o risco advindo de condutas de terceiros em caso de danos ambientais, ressaltamos que o STJ tem posicionamento sólido indicando que:
“Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem” (REsp 650728/SC, DJe 02/12/2009).
Este posicionamento, somado ao recente julgamento do STF, em sede de repercussão geral, a favor da imprescritibilidade da ação de reparação civil de danos ao meio ambiente (RE 654.833, julgado em 17/04/2020), cria a seguinte dúvida: quais diligências devem ser realizadas em terceiros e até qual limite precisa ser observado pelo tomador de serviços de interesse ambiental?
São posicionamentos judiciais que, embora fundamentados em lei, criaram obrigações que necessitam de esclarecimentos para sua segura operacionalização. Por circunstâncias práticas impostas à época dos julgamentos, não foram antevistas e esgotadas todas as consequências práticas que criariam ao setor produtivo. A prática de Compliance, trazida a título análogo, sugere metodologia de constante acompanhamento do parceiro de negócio de acordo com o risco trazido – política Know Your Supplier/Partner. Necessário, portanto, debate com a sociedade a respeito de como solucionar o risco existente de forma segura para todos (meio ambiente e exploradores de recursos naturais), em processo legislativo próprio, com participação da sociedade civil e dos demais atores públicos.
Finalmente, no que concerne a independência financeira e política de órgãos ambientais, acreditamos que ainda que seja difícil imaginar a independência financeira, minimamente se espera reconhecimento dos servidores públicos que atuam no campo ambiental, dando-lhes condições técnicas, operacionais e legais para desempenharem sua missão constitucional em prol da defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Todas as soluções apontadas estão ligadas à segurança jurídica: com melhores balizamentos do que deve ser exigido dos particulares, mais próximo de um ato administrativo vinculado estaríamos, com mais segurança para ambas as partes.
/ educação ambiental e outras iniciativas inovadoras
Conectados às potenciais soluções para assegurar maior segurança jurídica na prática de Direito Ambiental, passamos a citar recentes medidas governamentais adotadas em prol da modernização de alguns campos deste vasto segmento.
No final de maio de 2020, o Governo divulgou o Programa Nacional de Bioinsumos como pilar fundamental à bioeconomia brasileira. O Programa visa tanto aproveitar o potencial da biodiversidade brasileira para reduzir a dependência dos produtores rurais em relação aos insumos importados, como ampliar oferta de matéria-prima.
Já quanto ao ecoturismo, que difunde educação ambiental, o Governo Federal editou o Decreto n. 10.331/2020, prevendo a possível concessão dos parques nacionais de Aparados da Serra e de Serra Geral. Ainda que aqui mencionados como exemplos, a visitação ambiental tem o poder de aproximar cidadão e meio ambiente. O ecoturismo, portanto, tem potencial educador, gerador de desenvolvimento local por meio do ecoturismo e de mínima exploração sadia e equilibrada, considerando as ações de preservação indispensáveis ao objeto – algo comum no exterior que precisa ser incorporado à infraestrutura nacional.
Neste cenário, encorajamos a importação de melhores práticas internacionais e a produção de inovações em solo brasileiro, como os diversos bioinsumos que serão criados a partir da exploração da vasta biodiversidade brasileira.
A conclusão desta reflexão consiste na necessidade de debate aberto e republicano para superação dos obstáculos mencionados acima, consistentes em fatores gerados de insegurança jurídica. O atual cenário demanda união e solidariedade entre todos os atores em prol da preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e construção de melhores condições de desenvolvimento econômico sustentável em um contexto pós-pandemia.
* Juan Acosta é especialista em Compliance Regulatório pela University of Pennsylvania, EUA, e Auditor e Implementador de ISO 37001:2017 – Sistema de Gestão Antissuborno. Advogado e Líder das áreas de Compliance & Direito Público do Baptista Luz Advogados, esta última que engloba a prática de Direito Ambiental.