As últimas décadas foram marcadas pelas transformações econômicas, sociais, ambientais, tecnológicas, do trabalho e do posicionamento das organizações[1], como resultado das constantes modificações do modelo produtivo. Essa constante transformação e rápida atualização são elementos que constituem a sociedade do conhecimento ou informacional. Essas novas dinâmicas se aplicam também no espaço de forma tão expressiva que as empresas e a própria arquitetura voltam seus esforços para desenvolver uma cultura de inovação que seja presente em elementos físicos e ambientais, capazes de auxiliar no desenvolvimento de tecnologia e criação de novas relações de trabalho. Para isso, utiliza-se os meios da tecnologia da informação, em que é possível realizar “a organização do trabalho, da gestão da inovação, da gestão de pessoas, da gestão dos recursos, possibilitando ambientes que estimulam a criatividade, a viabilização de talentos, contribuindo para a inovação e o empreendedorismo.”[2]
Essas organizações de trabalho, que agem conforme a demanda das novas exigências do mercado, ganham força e requerem uma melhor interação na relação empreendedor e clientes, no desenvolvimento e criação de startups e spinoffs. A necessidade de espaços que tenham baixo custo e uma alta interação se sobressai aos antigos modelos de organização espacial, de salas separadas, em que os espaços são divido hierarquicamente, prevalecendo a capacitação e geração de aprendizado, colaboração e networking.
Outro dado interessante é – trazendo para perspectivas atuais – que, além de startups ou profissionais autônomos, muitas empresas de grande porte alocam times específicos em co-workings como o Cubo, WeWork ou InovaBra. Em 2019, a ocupação dos postos de trabalho oferecidos pela WeWork por profissionais de empresas de grande porte era de cerca de 30%, mas no Brasil este número era ainda maior. A escolha por este tipo de espaço reflete uma vontade de fomentar a inovação utilizando ambientes que fisicamente promovam um fluxo de informação mais fluido e que promovam momentos de troca de conhecimento e networking com mais intensidade.
A pandemia do Covid-19 impactou profundamente este cenário. Em 90% dos players do mercado de coworking a queda no faturamento passou dos 15% no primeiro semestre de 2020, contrastando com o crescimento anual anterior de 25%. A GoWork, segundo seu fundador Fernando Boturra, chegou a diminuir quase 30% a ocupação de seus postos de trabalho. Foi necessário repensar tanto o espaço físico dos escritórios compartilhados quanto seus modelos de negócio, mas hoje o setor já se recupera entregando soluções que empresas de todos os portes podem desfrutar. Digitalização do espaço de trabalho, flexibilização dos contratos de aluguel, facilidade de expansão e retração da infraestrutura para colaboradores, proximidade dos endereços de trabalho para os empregados, entre outras mudanças, tem atraído principalmente empresas de maior porte.
Muitas empresas que antes eram avessas a um modelo de trabalho híbrido foram convencidas de seus benefícios durante a pandemia”, declarou Lucas Mendes, diretor geral da WeWork no Brasil. Os dados globais da organização indicam que o segmento enterprise (companhias com mais de 500 funcionários) representou mais de 50% da receita da WeWork no segundo e terceiro trimestres de 2020. As empresas foram 54% do total de membros no terceiro trimestre de 2020, o que representa um aumento de 48% em relação ao trimestre anterior e 43% em relação a 2019.
Estes espaços compartilhados não são novidade, visto que espaços de trabalho são compartilhados de diferentes formas, entre diferentes empresas, com ou sem gestão de uma terceira parte para os serviços condominiais. Os coworkings segmentados – aqueles criados para atender nichos específicos – também tem crescido na última década, a exemplo da Livance (coworking voltado para médicos), que cresceu 115% em 2020. Mas não é apenas na gestão de condomínios comerciais que o olhar dos executivos e investidores está atento; o mercado de moradia compartilhada tem movimentado fundos de venture capital em aportes como o que a Yuca, proptech fundada em São Paulo em 2019, recebeu em meados de junho deste ano.
Historicamente, as moradias compartilhadas conhecidas como co-living surgiram como uma abordagem comunitária na Dinamarca: acomodações privadas e compartilhavam espaços de convivência. Este modelo também ocorreu no Brasil se pensarmos nas moradias estabelecidas na década de 50 no centro das grandes cidades, como São Paulo. O conceito se desenvolveu ao longo dos anos e hoje é conhecido, principalmente, por conta das moradias estudantis.
Entretanto, um mercado também cooptado pela divisão dos ambientes para a criatividade são as startups. Não para moradia, entretanto, para co-woking, servindo-se do mesmo sistema: divisão dos espaços comuns para diminuir os custos e partilhar da criatividade e convivência. Ou seja, esta prática de utilizar o espaço se tornará mais comum no Brasil. Na prática, as novas moradias coliving trazem tecnologias e ainda mais facilidades que estimulam jovens, adultos e até mesmo idosos a aderir ao movimento colaborativo[9].
O futuro do Direito Imobiliário: imóveis compartilhados?
As relações de trabalho pós-modernas e o modelo de produção adotado se estendem para as nossas relações interpessoais. Houve uma expansão das ideias projetadas do espaço público para o espaço privado: novos ambientes compartilhados com possibilidade de agregar pessoas por afinidades. O co-living atende as necessidades dessa nova geração que até então não recebia a devida atenção do mercado imobiliário brasileiro. As casas, apartamentos, condomínios ainda eram feitos pensados em uma lógica de núcleo familiar do século XIX que não mais se faz – ou parecia fazer-se – condizente com o momento. O co-living é o resultante da confluência de diversos fatores econômicos e sociais que aconteceram recentemente no mundo, e, entre eles, está a crise na habitação[3]. O amadurecimento da economia compartilhada (principalmente de seu modelo de negócio) foi outro fator que contribuiu para o seu surgimento. A criação desses novos ambientes representa a evolução das relações entre sujeito-sujeito e sujeito-ambiente. Ou seja, com as constantes mudanças sociais, o lugar onde vivemos e trabalhamos deve se adaptar a fim de acompanhar as necessidades criadas – por nós e pela demanda produtiva do mercado.
O contexto econômico e social muda e com ele o próprio setor imobiliário, que sofreu o impacto da pandemia para além dos espaços compartilhados. Entretanto, esse segmento específico soube se reinventar e se reestruturar para atender os seus clientes, mas ainda sim cumprir com os protocolos de segurança e restrições impostas pelo Estado. Os coworkings viram um aumento pela procura de escritórios virtuais nosquais são celebrados contratos em que o cliente tem endereço fiscal, sem precisar montar um escritório. Ele aluga o espaço físico só quando necessário. Essa estratégia foi responsável por recuperação e manutenção das locações.
O processo observado no co-living não foi diferente, o impacto trazido pela Covid promoveu mudanças considerativas na organização e estratégia desses espaços. Para compreender os efeitos trazidos pela pandemia é importante ressaltar que esses imóveis em sua maioria se destinam a pessoas entre 18 e 30 anos, que estão se inserindo no mercado de trabalho ou ingressando na faculdade. As soluções encontradas foram direcionadas a esse público, em um primeiro momento, reduzindo as mensalidades e criando condições especiais no contrato. Posteriormente, a adaptação aos novos percalços estava em ampliar a possibilidade de moradores, ou seja, aumentar a faixa etária dos interessados nessas novas organizações do espaço.
De acordo com Alberto Ajzental, coordenador do curso de desenvolvimento de negócios imobiliários da FGV, a tendência de investir em empreendimentos e áreas de uso comum deve se manter mesmo após a pandemia.[5] Paulo Bichucher, cofundador e COO da Yuca, startup que opera mais de 250 quartos em apartamentos compartilhados, afirma que no primeiro trimestre de 2020 o ocorrido foi um “susto curto” , afirmando que a procura voltou a subir durante o meio do ano, tendo um alta carga de quartos ocupados. A verdade é que, esses novos espaços ainda são de preferência dos jovens que ao comparado com apartamento veem vantagens nas áreas comuns. Alberto Ajzental afirma ainda que a piora da economia terá mais impacto do que o medo do vírus, fazendo crescer a procura por alternativas mais baratas de moradia. “Continuaremos numa linha de imóveis compactos, com áreas compartilhadas, mais econômicos por causa do espaço reduzido.” Consonante a esse entendimento, foi estimado que o mercado global de espaços de co-working deveria cair de “US$ 9,27 bilhões em 2019 e US$ 8,24 bilhões em 2020, a uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de -12,9%. O declínio deve-se principalmente à desaceleração econômica entre os países devido ao surto de COVID-19 e às medidas para contê-lo”.[6]
Economia compartilhada e novos investimentos: qual a tendência?
De acordo com a especialista Iza Dezon, os novos avanços das dinâmicas de trabalho realizadas pela pandemia estimulam a economia compartilhada a se reinventar e se adaptar ainda mais as novas necessidades dos seus consumidores. Outra adaptação é o investimento em procedimentos de higienização (também observada nas estratégias de negócios do co-working), tanto nas áreas comuns quanto nas áreas individuais, além de uma regulação na quantidade de visitas e acompanhamento psicológico de residentes. De acordo com Violeta Noya, presidente da Share Student Living, foi perceptível o ótimo engajamento dos residentes para o uso dos espaços compartilhados e que eles não fossem cessados.
Os investimentos e alterações de atualizações desses locais, apesar de terem aparecidos por fatores externos, não visam apenas efeitos imediatos. A pandemia gerou adaptações também em projetos futuros, com áreas de delivery, distanciamento entre mesas e cadeiras nos espaços de co-working e cápsulas à prova de som para videoconferências. O objetivo é pensar como esses espaços irão funcionar durante a pandemia, mas também como o segmento pode reutilizar os recursos em um momento após.
Os segmentos do Co-working começam a prosperar quando outros setores avançam o seu desenvolvimento, sendo esse último a criação das startups. Em outubro de 2019 a economia global de startups valia US$ 3 trilhões, que significa um aumento de 20% em relação aos anos anteriores e esse crescimento não se estagnou. Esse movimento de expansão se reverbera nas áreas correlatas, como por exemplo, a criação de espaço acessíveis as novas exigências propiciadas pela tecnologia e inovação. Como afirmado, a essência desses novos ambientes (co-working e co-living), são pensados e desenvolvidos para uma maior interação e criação entre as pessoas. Em 2020, com a chegada da Pandemia Mundial do COVID-19, percebemos uma queda relevante nesse mercado, resultando em problemas instalados no segmento do mercado imobiliário. Nesse sentido, as estatísticas se alteram: vemos uma queda no mercado de espaços compartilhados e um aumento significativo no home office (modalidade adota pelas empresas durante a pandemia para manter o trabalho de forma remota) Exemplo disso, é uma pesquisa feita pela Business 2 Community, em abril de 2020, que evidencia o aumento do número de norte-americanos que começaram a trabalhar de forma remota: um aumento de 44% nos últimos 5 anos. Essa porcentagem aumentou após a situação pandêmica. No Brasil, esses números não são diferentes. A modalidade Home office foi adotada por 46% das empresas durante a pandemia, segundo a pesquisa Gestão de Pessoas na Crise da COVID-19[7] . O estudo elaborado pela Fundação Instituto de Administração (FIA) coletou, em abril de 2020, dados de 139 pequenas, médias e grandes empresas que atuam em todo o Brasil.
A pandemia alterou substancialmente nossas relações interpessoais: a preocupação com a segurança sanitária é evidente e as aglomerações, bem como reuniões coletivas, estão no holofote dos debates urbanos. Não só nos âmbitos privados (empresarial) mas também pelas medidas restritivas promulgadas pelos Estados, podemos observar uma mudança nos regramentos de convívio. Entretanto, a cadeia produtiva não pode se estagnar, de forma que abandonar totalmente os ambientes coletivos desembocaria em crises na saúde mental, nas políticas de convivência e, eventualmente, na economia do País. A existência desses espaços é necessária para dar estímulo às criações e produções. A saída parece ser encontrar mecanismos que possam conciliar a manutenção desses espaços de relacionamento e as atividades benéficas que eles oferecem, com o cumprimento dos protocolos de segurança exigidos.