O desenvolvimento tecnológico e o surgimento da internet multiplicaram as possibilidades de comunicação, causando repercussões em (quase) todas as esferas da sociedade e, junto dela, do direito. A internet, que surgiu com o objetivo de ser uma ferramenta de pesquisa e comunicação entre universidades americanas, se tornou um meio dinâmico e de proporções globais para a disseminação de informações, transformando a nossa sociedade na chamada “sociedade da informação”.
Neste cenário, como não poderia ser diferente, a propriedade intelectual ganhou ainda mais notoriedade. Com o desenvolvimento da internet, as marcas, que até então existiam apenas no meio offline, assumiram novas formas e alcançaram proporções jamais vistas. Enquanto a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) não foi capaz de acompanhar as novas expressões da marca, o direito, ainda que de forma geral atrasado, tentou alcançar essas diferentes formas de expressão por meio da criação de normas infralegais e outros institutos (como a repressão à concorrência desleal) para garantir a proteção das marcas.
Isso se explica, em parte, porque a Lei de Propriedade Industrial é de 1996 e reflete os anseios de uma sociedade em que a internet ainda era muito incipiente. E como desde então a lei não sofreu qualquer alteração, cabe aos estudiosos e operadores do direito interpretarem a proteção que recai sobre as marcas, de forma a preencher as lacunas decorrentes da não adequação destas normas ao mundo digital.
Nesse sentido, tendo em vista as novas formas assumidas pelas marcas na era digital, a sua proteção deve ser ampliada. Neste artigo, trataremos de duas importantes figuras que constituem verdadeiras extensões da marca na internet. São elas: nomes de domínio e hashtags.
Antes de analisarmos estas novas expressões da marca, é necessário, primeiro, conceituar claramente o que é a marca.
1. O que é marca?
O conceito de marca do ponto de vista do direito remonta ao ano de 1994, quando o Brasil assinou o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, que definiu marca da seguinte forma: “qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento”.
Ainda, o Acordo dispôs que, quando os sinais não forem capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os países signatários poderão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que a marca tenha adquirido pelo seu uso, assim, os países poderão exigir, como condição para registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis.
Tal conceito foi posteriormente incorporado pela legislação brasileira, que definiu como marca passível de registro “os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”[1]. Ainda, a Lei considera marca de produto ou serviço “aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa”[2].
O que isso significa? Significa que uma marca registrável é um sinal – que pode ser composto por elementos nominativos (nomes, palavras, letras, numerais), elementos gráficos (figuras, grafias específicas) ou pela combinação entre os elementos – usado para identificar um produto ou serviço e diferenciá-lo de outros do mesmo segmento.
Nesse sentido, apontamos os princípios fundamentais que regem o direito de marcas: territorialidade, especialidade e sistema atributivo. Vejamos.
Princípio da territorialidade. O registro da marca garante a seu titular o direito de usá-la com exclusividade, em todo o território nacional, para identificar determinado produto ou serviço. Assim, a menos que a marca também seja registrada em outros países, o titular não terá a proteção sobre tal marca no exterior, o que significa que poderá existir, em outros países, marca igual ou semelhante no mesmo segmento de atividade, identificando um mesmo produto ou serviço. Dessa forma, é importante que uma empresa registre a sua marca em todos os países em que desenvolva ou pretenda desenvolver suas atividades.
Em 1 de outubro de 2019, por meio do Decreto n. 10.033, foi promulgada a adesão do Brasil ao Protocolo de Madri, um tratado internacional administrado pela Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI), que permite o depósito de pedidos de registro de marcas nos 120 países signatários por meio de um sistema único integrado. Desta forma, com a adesão do Brasil, é possível depositar um pedido de registro de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não apenas para o Brasil como também para quaisquer dos países signatários do Protocolo de Madri.
Princípio da especialidade. O registro assegura a proteção da marca para determinado segmento de mercado. Assim, é possível a coexistência de marcas iguais ou semelhantes de titulares diferentes, desde que estas assinalem produtos ou serviços de segmentos distintos e não afins, ou seja, o amparo é restrito ao ramo de atividade desenvolvida pelo titular da marca.
A coexistência de marcas semelhantes identificando produtos ou serviços distintos é permitida porque, neste caso, o consumidor dificilmente faria confusão entre elas, o que representa um risco ínfimo de desvio de clientela.
Sistema atributivo de direitos. O Brasil adota o sistema atributivo de direitos para o registro da marca. Isso significa que a titularidade da marca, e o consequente direito do titular de utilizá-la com exclusividade no Brasil para identificar determinado produto ou serviço, só se dá por meio do efetivo registro no INPI. Os pedidos de registro de marcas são examinados e concedidos pelo INPI se observarem os requisitos de registrabilidade. Como regra geral, o primeiro que fizer o pedido de registro de determinada marca terá prioridade ao registro.
Esses três princípios regem o modelo tradicional de proteção das marcas. Tendo entendido no que consiste uma marca e as principais características de sua proteção, abordaremos outras formas de proteção que podem ser entendidas como verdadeira extensão da sua proteção.
2. Nomes de domínio
Nome de domínio significa o nome que identifica um website ou grupo de sites na internet. Para o direito digital, por sua vez, o domínio na internet não é apenas um endereço eletrônico, mas a união entre a localização de uma empresa na internet e o valor de sua marca. Este último inclui, em grande parte, o awareness, termo muito usado no marketing digital para identificar a consciência de marca do seu público-alvo.
Nesse sentido, deter o nome de sua marca na internet é deter valor e capacidade de ser alcançado por seu público-alvo. Por isso, os nomes de domínio são tão relevantes e podem ser considerados importantes extensões das marcas.
Ao contrário do que ocorre com marcas, quanto aos nomes de domínio não há que se falar em divisão por segmento de atividade, uma vez que um endereço eletrônico é único. Da mesma forma, não há que se falar em limitações territoriais, visto que a internet não possui fronteiras. Isso faz com que haja muitas discussões jurídicas envolvendo os nomes de domínios e que a disputa por eles seja ainda mais acirrada.
Não há regulamentação para os nomes de domínio na Lei da Propriedade Industrial, que, como já dissemos, é anterior ao desenvolvimento da internet. No entanto, pode-se dizer que eles têm proteção constitucional, uma vez que se trata de um sinal dotado de capacidade distintiva e a Constituição Federal do Brasil assegura, em seu art. 5º, XXIX, a proteção, dentre outros, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos. Assim, por serem protegidos constitucionalmente, ganham ainda mais relevância.
No Brasil, os nomes de domínio com extensão “.br”, como “.com.br”, “gov.br” e “net.br” são administrados e mantidos pelo Registro.br, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), que, por sua vez, está vinculado ao Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br). Os pedidos de registro são analisados com base na ordem do pedido, em sistema semelhante ao das marcas.
Vale destacar que a duração do registro de nome de domínio é de apenas 1 ano, enquanto do registro de marca é de 10 anos, podendo ser renovado mediante pagamento de taxa específica. Isso se deve ao fato de que o Registro.br não é considerado um instituto similar ao INPI.
Os nomes de domínio surgiram para tornar mais simples encontrar os endereços localizados na internet (se não fossem eles, os endereços seriam compostos por uma grande sequência de números), mas ganharam a posição de sinais identificadores de empresas, serviços e produtos no ambiente da internet, assumindo, portanto, uma dupla função: instrumentos de localização e de identificação de conteúdo na internet.
Este cenário, em que os nomes de domínio alcançaram um posto de suma importância, atraiu muitos aproveitadores e oportunistas, que passaram a registrar como domínios nomes de marcas conhecidas, com o objetivo de negociar futuramente tais domínios com os legítimos titulares das marcas e interessados em protegê-las também no ambiente virtual. Ainda, há quem registre domínio com o nome da marca famosa, porém, propositalmente, com pequenos erros de digitação. Ambas as formas são ilegais, por constituírem práticas extorsivas.
O mau uso desses registros passou a ser solucionado à luz da Lei de Propriedade Industrial, de forma que, em caso de conflitos, e em observância ao princípio do sistema atributivo de direitos, o registro é concedido de forma prioritária ao titular da marca correspondente registrada no INPI. O Registro.br conta com uma plataforma própria para solucionar disputas envolvendo titulares de nomes de domínio (registrados sob a terminação “.br”) e eventuais terceiros que contestem a legitimidade desses registros. Isso é inclusive uma forma de preencher as lacunas existentes na legislação, pois, como visto, ela é anterior ao desenvolvimento da internet.
Isso significa que o registro de marca pode garantir prioridade no registro de nome de domínio, porém o inverso não se aplica, isto é, o registro de um nome de domínio não garante direito de precedência no registro de marca, o que ressalta o princípio do sistema atributivo de direitos e ainda mais a diferença da importância entre o instituto legal (INPI) e o infralegal (Registro.br).
Por fim, também ressaltando a importância dos nomes de domínio para a potencialização do valor de marca de uma empresa, vale destacar que recentemente a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN) possibilitou a criação de novas terminações para nomes de domínios (generic top-level domains names), a serem geridas diretamente por grandes empresas, atribuindo como terminação as suas próprias marcas. Podemos citar, por exemplo, “.polo”. “.apple”, “.google”.
Além disso, a ICANN também autorizou a criação de novas terminações para nomes de domínio para identificar segmentos de mercado, como produto e serviço. Podemos citar, por exemplo, “.car”, “.booking”, “.shopping”.
3. Hashtags
Uma hashtag consiste em uma palavra, expressão ou frase precedida pelo sinal “#”, usada em websites e em redes sociais para identificar publicações sobre um assunto específico. As hashtags podem ser incluídas antes, após ou no meio da mensagem a ser publicada, além de poderem ser, inclusive, a própria mensagem.
A hashtag se torna um hiperlink que, ao ser clicado, direciona o navegador para uma página contendo todas as publicações com aquela mesma hashtag. Assim, o usuário consegue indexar sua publicação e também encontrar publicações que possuam a mesma hashtag.
O uso de hashtags é uma poderosa estratégia de marketing das empresas, uma vez que utilizam, muitas vezes, para promover campanhas e criar engajamento por meio de uma mensagem atrativa aos consumidores. Isso pode gerar milhares de compartilhamentos pelos usuários das redes sociais, consequentemente aumentando a visibilidade e consciência sobre determinada marca.
Há, por outro lado, hashtags que podem produzir efeitos diversos daquele pretendido, pois eventualmente podem ser utilizadas pelos usuários na divulgação de experiências negativas vivenciadas por eles com relação àquela marca.
Não há, até o momento, qualquer instituto que regule as hashtags, não sendo possível tornar-se titular de determinada hashtag, muito menos possuir qualquer direito de exclusividade em utilizá-la.
O que há, por outro lado, é a tentativa de algumas empresas em declarar que possuem o direito de exclusividade sobre a hashtag, por possuírem o registro de marca correspondente no INPI. Nesses casos é necessário avaliar se as hashtags estão sendo empregadas efetivamente como marca ou se estariam mais próximas dos slogans, isto é, das expressões de propaganda. As expressões de propaganda, por sua vez, também não podem ser registradas como marca no Brasil. Assim, no caso de uma eventual regulação sobre as hashtags, essa análise seria necessária para evitar um conflito com a legislação em vigor no que se refere à proteção sobre as marcas.
É possível resolver eventuais conflitos dessa natureza (hashtags utilizando sinais de propaganda de uma empresa) pelo instituto da repressão à concorrência desleal, de tal forma que, ainda que a hashtag seja uma expressão de propaganda, será possível reprimir seu uso se for comprovado que representa um potencial desvio de clientela.
No caso do uso de hashtag composta por uma marca registrada, a empresa titular da marca poderia exigir do terceiro a retirada da hashtagmais facilmente do que no caso anterior.
De qualquer forma, tendo em vista que as hashtags são utilizadas em grande parte para promover campanhas e o seu objetivo é alcançar o maior número de usuários possível, eventual regulação sobre as hashtags poderia desencorajar o compartilhamento pelos usuários, causando justamente o efeito inverso do desejado pelas empresas.
4. Conclusão
A partir destas considerações, percebe-se o quanto a marca é importante para uma empresa, sobretudo na era digital, em que a sua visibilidade é exponencialmente potencializada. Assim, é essencial que as empresas (i) garantam o devido registro de sua marca no INPI; (ii) se certifiquem de que seu nome de domínio esteja devidamente registrado e protegido no ambiente digital; e (iii) monitorem o ambiente virtual para verificar eventuais violações de sua marca ou de seus sinais de propaganda por terceiros.
/ Revisora
Juliana Penna
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