Baptista Luz

11/04/2019 Leitura de 12’’

Regulação em foco: o que é uma startup?

11/04/2019

Muito se fala sobre startups, mas o que esse termo significa? Qual a importância de (in)definir o termo em regulações e o que outros países têm feito?

Desafiamos você a encontrar uma definição de startup satisfatória. Diversos atuantes do mercado apresentam suas versões[1], mas essa discussão está longe de ser uma mera questão de opinião.

Enquanto que por um lado existem divergências sobre o que é uma startup, muitos concordam que elas precisam de incentivo para se desenvolver[2]. Caso um Governo opte por ocupar essa figura de incentivador, então ele precisa decidir quem entra e quem fica de fora dessas políticas de integração.

Esse não é um recorte fácil de fazer, afinal um setor acaba sendo promovido em detrimento de outros quando falamos em incentivos. Assim, pensando na questão das startups, surgem algumas questões:

  • o incentivo pretendido é generalizado para pequenas empresas ou existe um nicho específico?
  • a definição é apropriada para o perfil das empresas do país?
  • é preciso desenvolver uma definição de startup ou é melhor utilizar requisitos que acolham diferentes tipos de empresas?

 O Brasil não possui uma definição para startups, mas possui incentivos voltados para pequenas e médias empresas. O SIMPLES Nacional, que torna mais prático o pagamento de alguns tributos para empresas para essas empresas é um grande exemplo[3].

O presente post buscará observar como leis e/ou programas federais de outros países desenvolveram esse recorte de incentivo. Afinal, é preciso definir o que é uma startup?

Alemanha

O país não possui uma lei específica para startups, mas oferece programas de benefícios para Investidores Anjos e pequenas e médias empresas do ramo de inovação.

A definição indireta de startup, portanto, aparece nas instruções para participação dos programas de benefício. O principal deles, INVEST – Venture Capital Grant[4], aceita apenas empresas com

  • menos de sete anos de existência;
  • menos de 50 colaboradores;
  • que não estão listadas na Bolsa de Valores;
  • não têm receita bruta acima de 10 milhões de euros;
  • exige que a empresa tenha uma filial em território alemão e;
  • atue em um dos ramos de inovação listados pelo Governo.

 

Argentina

Nosso vizinho é um dos poucos países que possuí legislação federal sobre o tema. A Lei de Apoio ao Capital Empreendedor, como indica o nome, tem por objetivo incentivar a expansão da atividade empreendedora argentina.

Apesar de o termo “startup” não ser utilizado em nenhum dos 68 artigos, a lei define o que entende por “empreendimento”: qualquer atividade, com ou sem fins lucrativos, desenvolvido na República Argentina por uma pessoa jurídica nova ou cuja data de constituição não exceda sete anos.

Dentro da categoria de empreendimento, há o “empreendimento dinâmico”, que consiste em atividade produtiva com fins lucrativos, cujos empreendedores originais conservem o controle político da pessoa jurídica.

A definição de startup, nesse caso, é indireta. No entanto, dado o contexto que levou à aprovação da lei, os limites e requisitos indicados são claramente compreendidos[5].

 

Austrália

A legislação australiana não conceitua startup, o que não significa que o governo do país não esteja atento ao crescente ecossistema empreendedor no país.

A Austrália tem parceiras internacionais e programas nacionais e regionais de incentivo às áreas de tecnologia e R&D[6]. É o caso, por exemplo, do Entrepreneurs’ Programme, iniciativa federal que visa estimular a competitividade e produtividade dos negócios locais, e do Innovation New South Wales, desenvolvido em nível estadual para o fomento da criação e consolidação de empreendimentos na “capital australiana das startups”.

 

Bélgica

O governo belga ainda não firmou uma definição de startup, mas vem, desde 2015, construindo incentivos fiscais e econômicos para essa modalidade de empreendimento.

Dentre as políticas belgas, ganha destaque o Tax shelter for investments in start-up[7], que prevê uma redução fiscal de 45% no valor investido por pessoas físicas em startups. No final de 2016[8], esse benefício foi estendido para startups financiadas por crowdfunding, desde que realizado em plataformas reconhecidas pelo governo belga.

 

Espanha  

O Ministério da Economia espanhol encerrou, em 25 de janeiro de 2019, uma consulta pública[9] para a construção coletiva do anteprojeto da “Ley de fomento del ecosistema de Startups”.

No documento oficial divulgado pelo governo[10], no qual é apresentada a justificativa e urgência da aprovação de uma lei para a regulação das startups no país, o conceito de startup é definida como “empresas de recente criação, normalmente fundadas por empreendedores de base tecnológica, inovadoras e com uma elevada capacidade de rápido crescimento”.

Além da definição, o documento apresenta algumas questões que a lei pretende pacificar, como identificação das deficiências do ecossistema e produção de instrumentos que possam contorná-las, impulsionando de forma concreta o crescimento do setor.

 

Estados Unidos

As leis e programas norte-americanos voltados ao incentivo de startups são descentralizados. Ou seja, cada Estado pode ter sua própria proposta para o desenvolvimento da área.

No entanto, dois estados se destacam pelas medidas céleres e bem articuladas que os tornam atrativos para empreendedores e investidores: Florida e Delaware.

  • Florida

O procedimento de constituição de empresas, no estado da Florida, é todo realizado online.

A Division of Corporations, vinculada à Secretaria de Estado, fornece o passo a passo e todos os formulários necessários para o registro da sociedade, facilitando o processo e tornando a Florida um local atrativo para empreendedores[11].

Além do preenchimento dos formulários necessários e da possibilidade de assinatura online, todos os pagamentos também são feitos via internet.

  •  Delaware

Apesar de ser o segundo menor estado dos Estados Unidos, Delaware é a escolha de empreendedores de todo o mundo para a constituição de suas empresas. Lá, estão registradas, por exemplo, mais de 50% das companhias publicamente negociadas nos EUA[12].

Essa preferência não surge por acaso: esse estado oferece diferentes mecanismos que facilitam a constituição e administração de empresas, além de apresentar taxas bastante inferiores à média norte-americana, mesmo se comparado à Califórnia[13].

A Delaware General Corporation Law, ou seja, a lei societária do Estado de Delaware é conhecida por ser flexível, tendo por objetivo promover aos investidores e às companhias o máximo de autonomia possível. Considerada como uma “lei aberta”, ela oferece mecanismos para que as empresas conduzam livremente seus negócios, podendo adaptar suas estruturas à lei sem se submeter a muitas exigências[14].

Além da lei societária, Delaware conta, também, com a Corte de Chancelaria e com a Suprema Corte do estado, que julgam os casos relativos a conflitos societários, proferindo pareceres bem fundamentados que dão origem a um denso compilado jurisprudencial. Os tribunais e a atuação da Secretaria de Estado de Delaware garantem segurança jurídica e celeridade nos processos administrativos e judiciais, sempre previsíveis[15].

Como visto, não há em nenhum desses estados uma definição fixa do conceito de startup, mas diversos programas e políticas de incentivo que auxiliam no desenvolvimento de diferentes empreendimentos.

 

Portugal

Em 2016, o país lançou a Estratégia Nacional para o Empreendedorismo Startup Portugal[16] com diversas medidas para incentivar o ecossistema e atrair investidores.

Em julho de 2018, foi anunciado o Programa StartUP Portugal[17], um pacote de políticas que concretizam os objetivos da estratégia nacional. É possível depreender quais empresas se encaixam nesse nicho de startups a partir das instruções para participação de programas de incentivo para empresas inovadoras e relacionadas à tecnologia[18][19].

Dentre outras políticas, Portugal desenvolveu o Programa Semente[20] de incentivos fiscais para investidores em startups. Esse benefício só pode ser concedido aos investidores de pequenas e médias empresas que

  • não tenham mais do que 20 trabalhadores;
  • não detenham bens e direitos sobre bens imóveis cujo valor global exceda 200 mil euros;
  • não estejam cotadas em mercado regulamentado ou não regulamentado de bolsa de valores;
  • que tenham a sua situação fiscal e contributiva regularizada e;
  • sejam certificadas pela Rede Nacional de Incubadoras.

 

Itália

A Itália vem se empenhando desde 2012 em construir um ecossistema sólido e atrativo para investimentos em startups. Além de várias políticas de benefícios e incentivos para o ramo, existe um decreto lei, chamado de “Italia’s Startup Act [21], que define startup como sociedade limitada não listada publicamente em operação há menos de 5 anos, com sede na Itália, faturamento anual inferior a 5 milhões de euros, que não é resultado da cisão ou fusão de empresas anteriores, que não distribui lucros e que tem em seu ‘mission statement” a relação explícita entre a sociedade e o ramo de inovação.

Além disso, a legislação italiana exige o preenchimento de, pelo menos, um dos três requisitos a seguir para que a sociedade seja considerada uma startup e possa se beneficiar dos incentivos oferecidos:

  • destinar pelo menos 15% de seus recursos para a área de R&D;
  • 1/3 de colaboradores doutores ou doutorandos e/ou 2/3 de colaboradores com título de mestrado; e,
  • ser titular, depositária ou licenciada de uma patente; ou ser proprietária/autora de um software registrado.

 

Índia

O Ministério do Comércio e da Indústria do país apresenta uma notificação que indica quais entidades podem ser consideradas startups[22]. A empresa não pode possuir menos de 7 anos de registro, podendo ser uma “private limited company”, “partnership firm” ou uma “limited liability partnership” dentro das definições cabíveis à legislação Indiana. Importante frisar que startups atuem no ramo de biotecnologia o tempo de enquadramento é estendido para 10 anos.

Além disso, a empresa:

  • não pode apresentar faturamento superior à 250 milhões de rúpias (aproximadamente 14 milhões de reais);
  • deve trabalhar no com inovação, desenvolvimento e aprimoração de produtos/serviços ou apresentar um modelo de negócio escalável com alto potencial de empregabilidade e de criação de riqueza;
  • não pode ser originária de uma cisão ou reestruturação empresarial de empresa já existente.

Vale também pontuar que o país possuí um programa federal de incentivo à startups chamado de Startup India. O programa abrange incentivos, tributários, societários e burocráticos, além de trazer informações sobre programas regionais[23].

 

Israel

Israel é internacionalmente reconhecida como uma “startup nation”[24]. Esse título se deve aos esforços do governo israelense em criar um ecossistema com políticas de incentivos e benefícios concretos a investidores nacionais e estrangeiros[25].

Apesar de não haver uma definição jurídica do conceito de startup, a Lei de Incentivo ao Investimento de Capital[26] beneficia empreendimentos no geral, independente do tipo societário, que recebem incentivos tributários de acordo com sua classificação pelos órgãos governamentais responsáveis. Para tanto, o empreendimento deve preencher alguns requisitos, como ter sido registrado em Israel e ter capacidade de exportação. O último requisito, no entanto, é dispensado a empresas de nano e biotecnologia.

Em 2016, Israel criou a Autoridade Nacional de Inovação[27], agência pública responsável pela coordenação de políticas públicas, parcerias internacionais na área de tecnologia e desenvolvimento e pela infraestrutura requerida pelo ramo[28]. Dentre os mecanismos desenvolvidos para acompanhar a dinâmica sempre acelerada do ecossistema, o órgão apresenta programas de incentivos para startups israelenses e estrangeiras, bem como para os setores de R&D de demais empreendimentos, como o Innovation Labs Program e o Early Stage Companies Incentive Program.

 

Conclusão

Esse post buscou indicar a importância de se fazer um recorte adequado e apropriado para o recebimento de incentivos, independente da utilização do termo startup.

Cada país regula o ecossistema empreendedor de uma maneira diferente, que correspondendo à sua realidade. No entanto, a experiência de outros países demonstra pontos que se destacam por serem comuns, das mais generalistas às mais específicas. É o caso da limitação de anos de existência da sociedade, para que possa receber benefícios, como a Argentina que estipula idade máxima de 7 anos, ou a restrição de receita bruta para participar dos benefícios, que na Itália, por exemplo, é de 5 milhões de euros.

O mercado brasileiro demanda uma regulamentação sobre o tema, contudo, construí-la não se resume à simples definição do termo “startup”. Como podem nos ensinar as experiências internacionais, esse é um processo que envolve diversos atores e exige diálogo e capacidade de articulação para que, ao fim, os benefícios sejam concedidos de maneira estratégica e efetiva.

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