O que são os influenciadores virtuais? Em que medida incide sobre a atividade destes influenciadores a regulação já aplicável ao marketing de influência realizado por influenciadores “reais”? Continuando a série “Transformando o Direito”, falaremos sobre os benefícios e pontos de atenção que surgem com essa prática.
1. Introdução
O marketing de influência já tem seu papel bastante consolidado dentro das práticas publicitárias e os influenciadores digitais[1] têm ocupado um espaço relevante nas estratégias de divulgação de marcas[2]. Nesse segmento, uma prática não tão recente[3], mas que vem ganhando cada vez mais espaço dentro do marketing de influência nos últimos meses, são os influenciadores virtuais.
Também chamados de computer generated models, os influenciadores virtuais geralmente são personagens 3D que, assim como os demais influenciadores digitais, produzem, via seus criadores, conteúdos em redes sociais (principalmente no Instagram[4]) como se fossem pessoas. Eles são criados a partir de tecnologias de inteligência artificial, com a ajuda de dispositivos com grande capacidade de processamento, o que resulta em sua alta qualidade gráfica[5] e permite que seu aspecto físico seja muito próximo ao de um ser humano[6][7].
Alguns deles já têm se destacado e, consequentemente, chamado a atenção das marcas. Uma pesquisa realizada em 2019 pela Hyper Auditor[8] mostrou que influenciadores virtuais “médios” conseguem produzir um engajamento com seus seguidores três vezes maior do que influenciadores digitais “reais”. Lil Miquela, por exemplo, é a influenciadora virtual com maior número de seguidores no momento, possuindo atualmente 2,3 milhões de seguidores no Instagram[9] e já participou, junto com a modelo Bella Hadid, de campanha publicitária que rendeu grandes repercussões[10].
Um dos exemplos mais populares dessa estratégia no Brasil é a Lu, da empresa Magazine Luiza. A personagem, que embora tenha inicialmente sido criada como um desenho 2D, hoje possui uma versão 3D, bastante articulada, que se apresenta como a “especialista digital” da companhia, como explica em seu próprio canal no YouTube[11]. A Lu também possui um blog próprio e perfis no Facebook, Twitter e Instagram, onde interage com o público e fala sobre as novidades da marca e as novas tendências em tecnologia.
Seguindo essa tendência, as marcas também têm realizado suas próprias iniciativas, criando seus próprios influenciadores virtuais. Há casos em que tais influenciadores atuam como seus embaixadores, aparecendo nas redes sociais da marca[12] ou em seus perfis individuais de rede social[13]. Outras empresas têm utilizado modelos virtuais como manequins para a exposição de seus produtos nos sites e perfis de redes sociais das marcas[14].
Apesar de suas particularidades, todos esses casos trazem discussões relevantes do ponto de vista jurídico. Ainda há dúvidas sobre o quanto influenciadores virtuais se disseminarão no mercado, mas, de qualquer forma, pretendemos discutir nesse breve artigo aspectos jurídicos que impactam a prática de publicidade através de influenciadores virtuais sob a perspectiva da legislação brasileira vigente e aplicável.
2. Os benefícios dos Influenciadores Virtuais para as Marcas
Os influenciadores virtuais oferecem, à primeira vista, algumas vantagens para as marcas. Do ponto de vista negocial, especialmente no caso de personagens virtuais criados pela própria marca, a produção do conteúdo publicitário pode ser mais ágil e até menos custosa, uma vez dominadas as tecnologias aplicáveis, o que pode ser positivo operacionalmente. Em outras palavras, não há necessidade de negociar condições com terceiros, firmar contratos com o influenciador, acompanhar o cumprimento de prazos e etc. Basta definir a estratégia e operacionalizá-la internamente utilizando o influenciador virtual, com recursos da própria empresa, em um ambiente controlado.
Tendo em vista que o mercado de influenciadores está em processo de profissionalização, a necessidade de negociar as entregas e eventuais ajustes no conteúdo publicitário produzido pelo influenciador digital pode gerar atrasos nas campanhas e, eventualmente, desgastar a relação entre anunciante e influenciador. Assim, nessa esfera negocial, os influenciadores virtuais podem representar um ganho para as marcas, trazendo maior segurança de que o conteúdo a ser veiculado atenderá as expectativas da marca, com menor incidência de imprevistos.
Da perspectiva operacional, há a possibilidade de o processo de produção ser simplificado com a utilização de influenciadores virtuais, pois pode ser realizado sem a necessidade de mobilização de um grande pessoal e de concentração de tais pessoas em um estúdio ou cenário, por exemplo. Apesar de parte dos conteúdos provenientes do marketing de influência ser produzido diretamente pelos influenciadores digitais e sem a necessidade de tal mobilização, esse aspecto pode ser favorável em tempos de pandemia e isolamento social[15].
Além disso, a utilização de influenciadores virtuais em estratégias publicitárias, de certo modo, oferece maior segurança à marca no aspecto “comportamental”, pois estes influenciadores apenas se manifestam nas suas respectivas redes sociais e não têm uma vida real fora delas, tendo uma atuação previsível e até controlada. De outro lado, perde-se a espontaneidade e criatividade dos influenciadores digitais[16].
3. As regras jurídicas aplicáveis aos Influenciadores Virtuais
De qualquer forma, é importante que reste claro que influenciadores virtuais podem fazer parte de campanhas publicitárias, mas tais campanhas devem estar de acordo com as regras jurídicas aplicáveis. Uma dessas regras é a identificação publicitária, expressamente prevista no Código de Defesa do Consumidor, no caput do art. 36[17], bem como na Seção 6 do Código de Autorregulação Publicitária do Conar[18]. Tal regra se traduz na concepção de que toda publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor a identifique como tal de forma fácil e imediata.
Com a especialização desse mercado e a cobrança por parte do público e do Conar, influenciadores digitais profissionais têm se conscientizado sobre a importância desse compromisso de transparência e adotado medidas para fornecer à sua audiência uma melhor identificação publicitária em suas publicações, por meio do uso de hashtags e da identificação de posts patrocinados, por exemplo.
O ponto que se coloca é que campanhas com influenciadores virtuais deverão seguir essa e todas as regras aplicáveis à atividade publicitária[19]. Ainda que os influenciadores sejam virtuais, os anunciantes continuam tendo obrigações perante os consumidores, devendo cumprir com princípios como transparência, boa-fé objetiva e confiança, de acordo com o previsto no Código de Defesa do Consumidor e outras normas que possam se aplicáveis. Campanhas publicitárias com influenciadores virtuais que divulguem carros, por exemplo, não podem se furtar de cumprir com as obrigações regulatórias aplicáveis a esse tipo de comunicação.
Ressalta-se também que, para a utilização de influenciadores virtuais, os direitos dos titulares dos criadores de tais influenciadoresprecisam ser observados, incluindo-se direitos de propriedade intelectual. Assim, uma marca só poderá explorar a figura de um influenciador virtual se tiver a autorização dos titulares de seus direitos. Se realizada sem autorização prévia dos seus titulares, a mera reprodução da figura do influenciador virtual vestindo as roupas de uma marca, interagindo com outro influenciador, ou mesmo em um meme, por exemplo, pode configurar uma infração aos direitos autorais dos titulares.
Da mesma forma, é importante que, caso o influenciador virtual seja desenvolvido pelo próprio anunciante, seja internamente ou via contratação de terceiros, sejam firmados todos os instrumentos contratuais necessários para que o anunciante possa usar tal criação para os fins publicitários que deseja. Isso inclui, por exemplo, contratos com designer gráficos, programadores, entre outros.
4. Conclusão
Os influenciadores virtuais podem representar uma janela de oportunidades relevante para o mercado publicitário. Contudo, o desenvolvimento desse setor deve se dar de forma responsável. Caso contrário, eventual falta de transparência ou inobservâncias das normas aplicáveis poderá, para além de violar direitos do consumidor e/ou de terceiros, causar um backlash por conta da falta de observância das normas aplicáveis a esse tipo de atividade.