Baptista Luz

13/10/2020 Leitura de 23’’

As novas tendências trabalhistas no Brasil: home office e teletrabalho.

13/10/2020
  • 23’’

Passado o choque inicial gerado pelo novo Coronavírus, diversas empresas adaptaram seus negócios a uma nova realidade. Entre as novas tendências das relações de trabalho, encontra-se o modelo de home office e o modelo de teletrabalho. Entenda melhor como eles funcionam e quais são as diferenças entre eles.

 

1.     Introdução

Nos últimos meses, a pandemia gerada pelo novo Coronavírus centralizou todos os debates envolvendo questões econômicas e sociais. Desde março, quando foi declarada a pandemia pela Organização Mundial da Saúde[1], o Direito foi visto como uma importante ferramenta de mitigação dos efeitos pandêmicos do cenário atual: seja através de disposições sobre o auxílio emergencial[2], normas sobre o regime de contratação de colaboradores durante a pandemia, ou sobre regras quanto a retomada das atividades empresárias, entre diversos outros assuntos. Neste contexto, podemos dizer que o Direito Trabalhista é um dos principais instrumentos de (re)organização das atividades econômicas em meio a tais mudanças.

Em nossos demais artigos[3], analisamos quais foram as medidas trabalhistas concedidas pelo governo brasileiro para navegarmos durante esta crise. Agora, chegou o momento de analisarmos “o novo normal”: afinal, como serão as relações trabalhistas em um cenário pós-pandêmico?

Uma solução natural para esse questionamento foi a intensificação de regimes de home office entre os colaboradores que podem exercer suas atividades dentro de suas casas. Ou seja, trata-se de um regime plausível para aqueles que, com um computador, acesso à internet e fácil comunicação com os outros membros de sua equipe, conseguem trabalhar fora das dependências da empresa. Apesar de ter sido uma solução cada vez mais implementada em razão da pandemia, muitas empresas já aderiram ao modelo de home office permanente[4], tendo em vista que este regime pode facilmente caracterizar teletrabalho, enquanto outras procuram implementar um modelo híbrido de trabalho, intercalando o regime presencial com o home office durante alguns dias na semana.

Percebendo a nova onda de inovação que se inicia na área do direito do trabalho no Brasil, a equipe de Direito Trabalhista e a equipe de Pesquisa e Desenvolvimento do Baptista Luz Advogados buscam esclarecer quais são estas novas tendências e como se dá sua regulação jurídica – assim, iniciamos nossa série “As novas tendências das relações de trabalho”.

No artigo de hoje, apresentaremos um panorama sobre o funcionamento de home office e teletrabalho no Brasil. Especificamente, abordaremos como esses sistemas podem ser aliados neste momento de ajustes de funcionamentos nas mais diversas empresas, mas são cercados também de pontos de atenção, que não podem passar despercebidos.

Fique atento: em nosso próximo artigo da série “As novas tendências das relações de trabalho”, falaremos sobre controles de ponto alternativos.

Esperamos que gostem!

 

2.     As novas tendências das relações de trabalho: home office e teletrabalho.

Em um primeiro momento, as estatísticas sobre os efeitos do novo Coronavírus no ambiente de trabalho eram chocantes. Segundo pesquisas da Organização Internacional do Trabalho,  estimava-se que a pandemia poderia reduzir as horas trabalhadas em nível global em até 7%, durante o segundo trimestre de 2020 – o que equivaleria ao número de horas trabalhadas de cerca de 195 milhões de empregos[5].

Dados como este apontam que, a princípio, o cenário econômico mundial não comportava espaço para otimismo. Contudo, a surpreendente capacidade de adaptação de algumas empresas durante a pandemia se sobressaiu: a Amazon, por exemplo, atingiu máxima histórica e se beneficiou da forte demanda em meio ao isolamento social, e durante o mês de abril elevou seu valor de mercado para US$ 1,14 trilhão[6]. Contudo, não precisamos ir muito longe para perceber que muitas pequenas e médias empresas também tiveram um aumento de produtividade significativo, explicado pela eficiência na adaptação de seus negócios no combate ao Coronavírus[7].

Afinal, como explicar este fenômeno?

 

O sistema presencial dá lugar ao formato online: implementação de modelos de home office ou teletrabalho.

 

Antes, vivíamos em uma sociedade centralizada em produtos, com um foco menor na prestação de serviços. Isto dificultava a concepção de uma vida em que seria possível trabalhar dentro do conforto da sua própria residência, na medida em que a população necessariamente tinha de se deslocar para fábricas para realização de seus trabalhos.

A inversão desta realidade se deve ao fato de a economia global estar cada vez mais centralizada em serviços e este fenômeno naturalizou a prática de trabalhos remotos, o que foi ainda mais reforçado e intensificado diante da necessidade de restrição de locomoção imposta pela pandemia do novo Coronavírus[8].

O trabalho remoto, que pode ser estabelecido através dos regimes de teletrabalho ou de  home office no Brasil, parece ser uma tendência que veio para ficar.

Segundo um estudo promovido pela Consultoria McKinsey, a pandemia do novo Coronavírus fez com que diversas empresas se preocupassem com o risco de permanecerem na inércia e, para evitar este cenário de falta de mobilização organizacional e descontinuidade dos serviços e produtos ofertados, diversas empresas passaram a implementar soluções rápidas e práticas para viabilizar a prestação de seus serviços de forma a não arriscar a saúde de seus colaboradores. Grande parte dessas medidas foram implementadas na pandemia, mas podem ser utilizadas e também aperfeiçoadas a longo prazo[9].

É importante ressaltarmos que teletrabalho é um conceito que, apesar de ter pontos de semelhança com home office, se diferencia deste também. No item 3 deste artigo, abordaremos qual o enquadramento jurídico previsto para estas modalidades.

 

Benefícios do home office e do teletrabalho: análise de custo v. produtividade.

 

É importante entendermos o que justifica esta nova tendência. Para além da necessidade imposta pela pandemia, muitos defendem que o modelo de home office e de teletrabalho podem ser mais produtivos e menos custosos, pois nestes regimes os colaboradores poderiam economizar tempo de desclocamento entre suas casas e os escritórios em que trabalham, além de gerar uma grande economia para as empresas, que poderiam ter bases físicas menores e menos gastos com alugueis de salas corporativas. Não à toa, empresas como o Twitter e organizações como a XP Investimentos já anunciaram o home office permamente (regime de trabalho que, tecnicamente, se enquadraria no regime jurídico de teletrabalho). A XP Investimentos inclusive lançou a camapanha “XP de Qualquer Lugar”, ao anunciar que todos os colaboradores estão permanentemente autorizados a trabalhar de casa, e que os escritórios da empresa, apesar de continuarem ativos e disponíveis, serão transformados em locais de atendimento ou trabalho em grupo[10].

Podemos citar também outros exemplos práticos de empresas que autorizaram o regime trabalho home office (ou, até, o regime de teletrabalho) aos seus colaboradores pelo menos até o final de 2020, como a Nubank[11]. Gigantes do mercado tecnológico como o Google concederam também aos seus funcionários até US$ 1 mil para funcionários montarem home office com móveis e equipamentos adequados, como cadeiras ergonômicas e novos roteadores[12]. Além disso, a Forbes fez um levantamento sobre 29 empresas que já se adequaram e são ideais para trabalhos remotos, e constam entre elas a Dell, American Express, Sodexo, e CVs Health[13].

Outro exemplo interessante está no próprio sistema de justiça brasileiro e foi pensado antes mesmo dos tempos pandêmicos que enfrentamos hoje: desde 2016, prevalece o entendimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre regulamentação do home office no Poder Judiciário – assim, um setor que antes era tão dependente do aspecto presencial aproxima-se da realidade de servidores públicos trabalhando de suas respectivas casas. Esta prática é regulamentada pela Resolução 227/2015, e, de acordo com o conselheiro Rubens Curado, Presidente da Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas no CNJ, o objetivo desta medida é acabar com a ideia de que a produção do servidor público deve ser medida pela quantidade de horas que ele passa no local de trabalho. Em suas palavras: “Não nos interessa mais o paletó pendurado na cadeira”[14].

O suposto aumento de produtividade atrelado a prática de home office e teletrabalho foi evidenciado também por estudo conduzido no ano de 2015 pelo economista Nicholas Bloom, professor da Universidade de Stanford[15]. Em linhas gerais, Bloom e sua equipe de pesquisadores partiram da seguinte pergunta: o trabalho remoto realmente funciona?

A referida pesquisa foi conduzida de maneira empírica, e teve como objeto a empresa chinesa de call-center chamada Ctrip e uma amostragem de 16.000 seus colaboradores, que foram separados durante nove meses de maneira aleatória em dois grupos: (i) o primeiro, composto por colaboradores que trabalhavam por quatro dias úteis em suas residências, comparecendo apenas uma vez da semana ao escritório; (ii) e o segundo, composto por colaboradores que continuaram seu deslocamento até o escritório para realizarem sua jornada de trabalho durante os cinco dias úteis semanais.

Segundo apontamentos da conclusão deste estudo, houve um aumento de 13% da produtividade entre aqueles colaboradores pertencentes ao grupo 01, ou seja, que realizavam home office. Outros resultados interessantes demonstram que, ainda no primeiro grupo, percebeu-se um aumento de cerca de 9% de colaboradores que trabalharam mais minutos de seu período de turno (graças a realização de menos pausas e dias de licença por alguma doença), e houve também cerca de 4% de desempenho superior por minuto entre os colaboradores do primeiro grupo.

Além disso, a pesquisa de Bloom aponta que os trabalhadores que realizaram home office também relataram índices substancialmente mais altos de satisfação no trabalho e de atitude psicológica, e seus índices de desgaste no trabalho caíram em mais de 50%. Ademais, quando o experimento foi encerrado e foi permitido aos trabalhadores escolher entre trabalhar em casa ou no escritório, os efeitos de seleção quase dobraram os ganhos de desempenho.

Vale dizer, contudo, que embora os resultados apresentados sugiram um futuro promissor para o home office, deve-se observar que vários fatores distintos na Ctrip contribuíram para o sucesso da experiência e da implementação desta prática.

Primeiro, o trabalho de um colaborador do call center é particularmente adequado para o teletrabalho. Ele não requer nem trabalho em equipe nem tempo presencial. A quantidade e a qualidade do desempenho podem ser facilmente quantificadas e avaliadas, e a ligação entre esforço e desempenho é direta. Estas condições se aplicam a uma série de serviços, tais como vendas, suporte de TI e assistência de secretariado, mas estão longe de ser universais.

Em segundo lugar, a empresa pode monitorar de perto o desempenho e a oferta de mão-de-obra dos colaboradores graças a seu extenso banco de dados centralizado. Os líderes e gerentes de equipe poderiam gerar um relatório do banco de dados sobre o desempenho dos membros da equipe diariamente e detectar facilmente problemas no desempenho individual dos colaboradores.

Em terceiro lugar, este experimento não exigia uma reorganização significativa no local de trabalho. Os líderes de equipe continuaram a supervisionar suas equipes com uma mistura de trabalhadores de casa e do escritório, sem nenhuma reorganização importante de membros da equipe.

Embora estas características favorecessem, sem dúvida, o sucesso da implementação do trabalho em casa na Ctrip, o estudo acredita que vale a pena explorar a prática de home office em outros setores (o que de fato vêm acontecendo, 5 anos após a condução do estudo, em virtude da pandemia do novo Coronavírus).

 

Pontos de atenção ao implementar o sistema de home office ou teletrabalho em sua empresa.

 

Conforme observamos, inúmeros estudos e percepções corroboram a tese de que o  home office ou teletrabalho de fato funcionam, especialmente em tempos de necessidade como o que vivemos atualmente, em virtude do novo Coronavírus.

Porém, é preciso ter alguns pontos de atenção em mente durante a implementação deste sistema, como forma de assegurar que todos os colaboradores tenham realmente boas condições de implementá-lo em suas próprias residências. Mais do que nunca, vivemos em uma época de crescente demanda – e essa demanda se reflete também na esfera emocional, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Por isso, é preciso estar atento a alguns sinais.

O primeiro deles, mais óbvio, foi levantado no estudo desenvolvido por Bloom e reflete o fato de que nem todas as profissões comportam um regime de trabalho remoto. Motoristas, agentes envolvidos em transportadoras e outras etapas da produção de alguns bens e serviços, além tantos outros exemplos, podem depender da condução de  atividades  externas para realização de seus trabalhos. Para eles, o home office ou teletrabalho não são uma opção, porém empresas precisam mais do que nunca adequar as suas atividades a protocolos de segurança que preservem ao máximo a saúde de seus colaboradores[16]. Espera-se que este compromisso, que nasceu com a pandemia do novo Coronavírus, seja uma tendência que veio para ficar, em linha com as diretrizes concedidas pela Organização Internacional do Trabalho.

O segundo ponto decorre  da possibilidade de que os colaboradores que estejam em regime de teletrabalho sintam falta de interações sociais, em especial com seus colegas de trabalho. Nesse sentido, vale pensar que, apesar de as ferramentas virtuais e tecnológicas serem uma grande inovação e permitirem fácil acesso à comunicação entre colegas, elas talvez não tenham a mesma carga motivacional ou não possam substituir inteiramente uma interação presencial, por exemplo, no que concerne o andamento de novos projetos ou processos de criação de novas ideias[17].

Outro ponto que dificulta o home office ou teletrabalho relaciona-se ao momento pandêmico que vivenciamos agora: no caso de colaboradores que tenham filhos em idade escolar, o trabalho remoto pode ser considerado um desafio intenso em meio ao balanceamento entre a vida pessoal e profissional que, agora, estão unidas em um lugar só. Nesse sentido, a jornalista Olga Khazan alerta para alguns riscos do home office nos Estados Unidos[18]:

“Embora os funcionários não estejam sempre ensinando seus filhos em casa enquanto escrevem memorandos de seu trabalho, por exemplo, os empregadores podem se acostumar com o fato de que seus funcionários estão sempre ligados e sempre disponíveis. As pessoas utilizam agora os fins de semana para “ficarem em dia” com o trabalho – mas elas podem esquecer de parar quando as crianças voltarem à escola e o trabalho “regular” for retomado.

Os dias em que se deslogar no final do dia de trabalho significava, efetivamente, parar de trabalhar e se concentrar em outras coisas até de manhã, que já estavam em declínio, podem ter ido embora de vez.

Na França, este estilo de vida constantemente conectado é chamado de “info-obesidade”, e é considerado tão grave que o país proibiu o envio de e-mails fora do horário de trabalho. Com os trabalhadores americanos frequentemente em casa e constantemente on-line, pode haver uma movimentação para que algo semelhante aconteça aqui [nos Estados Unidos]”.

Transpor a realidade de trabalho constante norte-americana relatada por Khazan para a realidade brasileira é um exercício fácil. Isto demonstra que um dos efeitos de um sistema de home office ou teletrabalho pouco estruturado e inadequado, de disponibilidade 24/7 para o trabalho online, dificulta o equilíbrio entre uma vida pessoal e profissional balanceada – eliminando, assim, possíveis formas de aliviarmos o estresse diário[19].

 

As novas tendências das relações de trabalho

 

Até aqui, percebemos que o home office ou teletrabalho já eram uma tendência crescente, intensificada pela pandemia do novo Coronavírus. Analisamos também os benefícios e pontos de atenção desta prática. Agora, é importante refletirmos sobre como implementar um sistema de home office bem estruturado e que mitigue os riscos elencados anteriormente, como depressão, burn out, e tantos outros. Em outras palavras: como podemos estabelecer relações de trabalho saudáveis, que funcione tanto no âmbito presencial quanto virtual?

Segundo estudo feito pela Consultoria McKinsey, mais do que nunca, empresas precisam implementar modelos colaborativos e interssetoriais, que sejam atualizados rapidamente: por isso, o modelo online, aos olhos da consultoria, pode ser um forte aliado. Neste cenário, o estudo demonstra que empresas devem, em primeiro lugar, fazer uma capacitação de seus colaboradores: a produtividade poderá aumentar se os colaboradores tiverem conhecimento acerca das ferramentas digitais fornecidas pela empresa[20].

Além da capacitação de colaboradores, a Mckinsey conduziu entrevistas com empreendedores do mundo inteiro para entender quais seriam as novas tendências das relações de trabalho em um mundo pós-pandêmico. Ao questionar sobre como empresas estariam se preparando para não apenas desenvolver suas atividades mais rapidamente, como também de uma forma melhor para clientes, colaboradores e a sociedade em geral, eles se depararam com empresas preocupadas, principalmente, em três frentes. Nesse sentido, um segundo ponto de atenção que organizações devem ter para estruturar o bom desempenho de seus colaboradores, e que devem ditar as novas relações de trabalho, dizem respeito a determinação de quem é a empresa, como operam, e como podem crescer.

Ainda que essa reflexão seja mais profunda, concluiu-se que estas indagações refletiram diretamente na forma encontrada pelas organizações em manterem seus colaboradores motivados e com propósito mesmo que fosse dentro de suas casas, em regime de home office ou teletrabalho.[21]

Assim, para que as atividades sejam bem desenvolvidas pelos colaboradores, especialmente em um mundo pós-pandêmico, é preciso deixar claro:

  • Quem a empresa é. Segundo a Mckinsey, as motivações mais fortes eram impulsionadas através de um claro senso de identidade corporativa e um desejo de simplesmente estar lá para os clientes e uns para os outros.

 

  • Como a empresa opera. Para que este item fique claro para seus colaboradores, especialmente em um regime de home office ou de teletrabalho, é preciso incentivar sistemas que ampliem e acelerem os pequenos experimentos que antes estavam freqüentemente confinados a equipes digitais e analíticas da empresa.

 

  • Como a empresa pretende crescer. A tendência das novas relações de trabalho englobam um sistema colaborativo, e não mais tão focado em competição ou hierarquização. Por isso, ainda mais em um sistema de home office, é importante demonstrar aos colaboradores como a empresa pretende crescer – e como o colaborador pode fazer parte e até mesmo criar soluções para que este crescimento aconteça. Para que isto seja alcançado, a McKinsey aponta as seguintes metas:
    • 1) Adote uma mentalidade de ecossistema. Todas as empresas contam com o apoio de uma extensa rede de pessoas externas, fornecedores e parceiros – todos trabalhando juntos para criar valor. As empresas de maior sucesso levam isto a um nível totalmente diferente, no qual as parcerias são mais como extensões de si mesmas. Elas assumem riscos maiores juntas, pensam em oportunidades de criação de valor juntas, e estabelecem laços de confiança muito mais profundos.
    • Adote plataformas tecnológicas ricas em dados. A capacidade de reunir, organizar, interpretar e agir sobre dados e análises será o diferencial competitivo determinante. As empresas que a abraçarem essa modalidade terão uma vantagem – e isso pode ser facilitado através de sistemas universais digitais, desenvolvidos e utilizados pelos colaboradores mesmo em sistemas de home office e/ou teletrabalho.

 

  • Aprenda como aprender. O mundo do trabalho após a pandemia será diferente, as empresas serão diferentes, e muitos de seus colaboradores serão diferentes. As organizações que equipam seus colaboradores com a meta de aprender a aprender, adaptar-se e mudar rapidamente serão mais capazes de prosperar e ter sucesso .

 

3.     Como o home office é enquadrado no sistema jurídico brasileiro?

Aos olhos do legislador brasileiro, o modelo de home office mencionado neste artigo pode ser traduzido através do conceito de teletrabalho. Contudo, há de se fazer uma prévia e necessária distinção entre home office e teletrabalho.

Segundo Alice Monteiro de Barros, teletrabalho é a modalidade especial de trabalho à distância, subvertendo a relação de trabalho clássica, sendo responsável por novos tipos de atividade descentralizada, que reúne informação e comunicação, podendo ser executado por pessoas com média ou alta qualificação, as quais se utilizam da informática ou da telecomunicação no exercício das atividades[22].

Além disso, a própria Organização Internacional do Trabalho também define teletrabalho como sendo “a forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação”.

Como vimos, o teletrabalho é uma tendência crescente em nossa sociedade – apesar de ter sido intensificada em virtude do novo Coronavírus, diversas empresas já empregavam um modelo híbrido entre o trabalho presencial e em home office para seus colaboradores, sob a justificativa de promoção de uma melhor qualidade de vida. Ademais, vale ressaltar que o teletrabalho cresce diariamente em especial nos setores onde o uso da tecnologia da informação é essencial, como no setor de vendas, atendimentos, instituições de ensino, serviços jurídicos, finanças e diversos outros, incluindo a prestação de serviços jurídicos e o próprio Poder Judiciário. Dessa forma, o teletrabalho está sujeito a contínuas transformações[23].

No campo do Direito, ressalta-se que uma das primeiras leis a enquadrar o Teletrabalho no sistema jurídico brasileiro foi a Lei nº 12.551, de 15 de dezembro de 2011, que alterou a redação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), para equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à subordinação exercida por meios pessoais e diretos. Nos termos desta Lei:

Art.  6º não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrado único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”

O Teletrabalho também foi inserido no sistema jurídico brasileiro por meio da Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que introduziu um novo Capítulo na CLT.

Neste capítulo, definiu-se o conceito legal de Teletrabalho, quais são os seus requisitos de validade, e o regime de responsabilidade de aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto. Além disso, a Lei nº 13.467/2017 também dispôs sobre a obrigações de prestação de instruções claras e detalhadas, feitas pelo empregador ao empregado, quanto às precauções devidas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

Sobre a definição de Teletrabalho, o artigo nº 75-B da Lei nº 13.467/2017 dispõe que:

Art. 75-B Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.”

Por sua vez, em relação aos requisitos contratuais de Teletrabalho, é importante frisar que para que haja uma relação de emprego de Teletrabalho, essa prestação de serviços deverá constar expressamente no contrato individual de trabalho, que especificará quais serão as atividades desenvolvidas pelo empregado, conforme o artigo 75-C da Lei nº 13.467/2017. Além disso, é prevista também a possibilidade de alteração entre regime presencial e de teletrabalho. Contudo, isso só é possível desde que haja acordo mútuo entre as partes e registro em aditivo contratual. Ainda, observa-se que o empregador poderá aterar o regime de teletrabalho para o presencial, porém deve ser garantido o prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

Vale destacar também que o contrato individual de teletrabalho deverá conter cláusulas relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do serviço remoto, além de cláusulas sobre o reembolso de despesas arcadas pelo empregado, sem que estes gastos integrem a remuneração do empregado, conforme definido pelo artigo 75-D da Lei nº 13.467/2017.

Ao compararmos o regime de teletrabalho com o de home office, percebemos que no primeiro é obrigatório a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que não se constituam como trabalho externo. Isso não se verifica em todas as atividades de home office: ainda podem se conceber a realização de trabalho fora das dependências da empresa sem que, obrigatoriamente,  se recorra a tecnologia. Nesses casos, o trabalho em home office não pode ter o mesmo tratamento legislativo que é concedido ao regime de teletrabalho na CLT. Nesse sentido, Andre Pessoa e Raphael Miziara determinam que[24]:

“Em verdade, o trabalho realizado fora das dependências físicas do empregador é considerado à distância ou extramuros. Se realizado em casa, será chamado de home office. O home office pode ou não se dar em regime de teletrabalho”.

 

4.     Conclusão

Neste artigo, foram analisadas as novas tendências das relações trabalhistas no Brasil, em especial a aplicabilidade e o funcionamento do home office em terras brasileiras. Percebemos que, assim como as demais modalidades, o trabalho remoto possui vantagens e desvantagens, e deve ser implementado de uma maneira equilibrada e priorizando o bem-estar dos colaboradores e a continuidade da empresa.

Vale frisar novamente que a partir de um modelo de home office estruturado, as chances de um bom retorno financeiro para as organizações econômicas são consideravelmente maximizadas. É preciso, contudo, atenção: os requisitos e regras do teletrabalho no Brasil, de modo a evitar exposição trabalhista.

Quer saber mais?

Entre em contato com os autores ou visite a página da área de Trabalhista

NOTAS E REFERÊNCIAS:

 

[1] DUCHARME, Jamie. World Health Organization Declares COVID-19 a “Pandemic”. Here’s what that means. 11 mar 2020. Disponível em https://time.com/5791661/who-coronavirus-pandemic-declaration/

[2] GOVERNO DO BRASIL. Auxílio Emergencial (Coronavírus – COVID 19). Última modificação em 14 set 2020. Disponível em https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-auxilio-emergencial-de-r-600-covid-19

[3] GIRASOLE, Yara; COUTINHO, Nathalia. A retomada das atividades empresariais e as possíveis alternativas trabalhistas trazidas pela Lei nº 14.020/2020. 29 jul 2020. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/institucional/retomada-atividades-empresariais/

GIRASOLE, Yara. O novo Coronavírus como doença ocupacional. 11 maio 2020. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/institucional/doenca-ocupacional-coronavirus/

VECCHIO, Marcella; GIRASOLE, Yara. Coronavírus e seus impactos nas relações de trabalho. 09 abr 2020. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/institucional/corona-virus-trabalhista/

[4] CAMPOS, Stela; BIGARELLI, Barbara. Companhias já aderem ao home office permanente. Disponível em: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2020/06/08/companhias-ja-aderem-ao-home-office-permanente.ghtml

[5] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “COVID-19: impact could cause equivalent of 195 million job losses, says ILO chief,” April 8, 2020. Disponível em:  news.un.org.

[6] INFOMONEY. Amazon cresce com a pandemia. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/negocios/amazon-cresce-com-pandemia-mas-enfrenta-crise-interna-e-preocupacoes-com-seguranca/

[7] INGIZZA, Carolina; SALOMÃO, Karin. Estas empresas mudaram seus modelos de negócios para combater o Coronavírus. Disponível em: https://exame.com/pme/essas-empresas-mudaram-seu-modelo-de-negocio-para-combater-o-coronavirus/

[8] THE ECONOMIST. Working Life has entered a new era: farewell BC (before coronavirus), welcome AD (after domestication). Disponível em: https://www.economist.com/business/2020/05/30/working-life-has-entered-a-new-era

[9] McKINSEY. Reimagining the pos-pandemic organization. Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/reimagining-the-post-pandemic-organization

[10] G1. Com crise e home office permanente, empresas reavaliam escritórios e iniciam devoluções de imóveis. Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/16/com-crise-e-home-office-permanente-empresas-reavaliam-escritorios-e-iniciam-devolucoes-de-imoveis.ghtml

[11] CNN Business. Nubank autoriza trabalho home office a funcionários até o fim de 2020. 18 maio 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/05/18/nubank-autoriza-trabalho-home-office-a-funcionarios-ate-o-fim-de-2020

[12] GAZETA DO POVO. Google dá até US$ 1 mil para funcionários montarem home office. 28 maio 2020. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/gazz-conecta/breves/google-vai-da-ate-mil-dolares-para-funcionarios-montarem-home-office/

[13] FORBES. Home office: 29 empresas perfeitas para trabalho remote. 3 out 2018. Disponível em https://forbes.com.br/carreira/2018/10/home-office-29-empresas-perfeitas-para-funcionarios-remotos/

[14] MENGARDO, BÁRBARA. CNJ propõe regulamentação do home office no Judiciário. 24 jan 2018. Disponível em https://www.jota.info/justica/cnj-propoe-regulamentacao-home-office-no-judiciario-23082015

[15] BLOOM, Nicholas; LIANG, James; ROBERTS, John; YING, Zhichun Jenny. Does Working from home work? Evidence from a Chinese experiment. Disponível em: https://nbloom.people.stanford.edu/sites/g/files/sbiybj4746/f/wfh.pdf

[16] GIRASOLE, Yara Leal; FERREIRA, Nathalia. A retomada das atividades empresariais e as possíveis alternativas trabalhistas trazidas pela Lei nº 14.020/2020. Disponível em: https://baptistaluz.com.br/institucional/retomada-atividades-empresariais/

[17] KHAZAN, Olga. Work from home is here to stay. Disponível em: https://www.theatlantic.com/health/archive/2020/05/work-from-home-pandemic/611098/

[18] KHAZAN, Olga. Work from home is here to stay. Disponível em: https://www.theatlantic.com/health/archive/2020/05/work-from-home-pandemic/611098/

[19] THE ECONOMIST. Working Life has entered a new era: farewell BC (before coronavirus), welcome AD (after domestication). Disponível em: https://www.economist.com/business/2020/05/30/working-life-has-entered-a-new-era

[20] McKINSEY. How to rebuild and reimagine jobs amid the coronavirus crisis. Disponível em: https://www.mckinsey.com/industries/public-and-social-sector/our-insights/how-to-rebuild-and-reimagine-jobs-amid-the-coronavirus-crisis

[21] McKINSEY. Reimagining the pos-pandemic organization. Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/reimagining-the-post-pandemic-organization

[22] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. Ed. São Paulo, LTr, 2016. Página 213.

[23] LUCENA, João Paulo. O teletrabalho e o controle à distância. Rio Grande do Sul: Revista Eletrônica nº 187/2015. TRT da 4ª Região, ANO XI. Página 52.

[24] PESSOA, Andre; MIZIARA, Raphael. Teletrabalho à luz da Medida Provisória nº 927 de 2020. 18 abr 2020. Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/teletrabalho-a-luz-da-medida-provisoria-no-927-de-2020-18042020

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