Baptista Luz

27/03/2020 Leitura de 13’’

Medidas nos Mercados Financeiro e de Capitais para a redução dos efeitos do Coronavírus

27/03/2020

Em razão da pandemia de Coronavírus, o Mercado Financeiro e de Capitais vem reagindo de diversas maneiras. Nesse momento de estresse, algumas consequências no setor serão inevitáveis até que o mercado retome a sua normalidade.

Pode-se destacar alterações em diversas operações, como nas vendas de equities e nas análises das demais ofertas públicas. Da mesma maneira, a necessidade de implantação de planos de contingência pelos intermediários do mercado e a divulgação de fatos relevantes pelas companhias de capital aberto são medidas que se fazem necessárias, por ora.

A esse respeito, os órgãos reguladores do setor vêm tomando grandes medidas, como as edições de diversas instruções para os entes regulados, vide a Deliberação 846 e o Ofício Circular CVM/SRE 02/2020, ambos divulgados neste mês de março, em resposta à crise gerada pelo coronavírus, com o objetivo de reduzir os impactos no setor.

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) tomaram diversas medidas, dentro as quais pode-se destacar:

 

Orientações sobre ofertas públicas em andamento

A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) da CVM deu início ao atendimento automático de solicitações de modificações de ofertas já abertas, conforme Ofício-Circular nº 2/2020-CVM/SRE divulgado em 13 de março, com base no art. 25 da Instrução CVM 400, o qual trata sobre a “alteração substancial, posterior e imprevisível nas circunstâncias de fato existentes quando da apresentação do pedido de registro de distribuição, ou que o fundamentem, acarretando aumento relevante dos riscos assumidos pelo ofertante e inerentes à própria oferta, a CVM poderá acolher pleito de modificação ou revogação da oferta.”

Assim sendo, serão considerados automaticamente aprovados pela SRE com a concessão de prorrogação do prazo da distribuição por 90 dias adicionais, com base no §2º do citado art. 25, podendo tais modificações serem imediatamente implementadas mediante envio da documentação modificada à SRE e divulgação de comunicado ao mercado.

Os ofertantes deverão facultar aos investidores que já tenham aderido à oferta a possibilidade de desistência, em prazo de 5 dias contados do recebimento da comunicação sobre a modificação. Destaca-se que essas novas condições são válidas apenas para os pleitos protocolados no prazo de 30 dias corridos a partir da edição do ofício.

 

Orientações para intermediários do mercado

No atual cenário, há uma grande preocupação sobre o aumento exponencial no volume de operações no mercado, o que pode sobrecarregar a atual estrutura tecnológica dos intermediários atuantes no mercado de capitais.

Em razão dessa situação, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, no dia 13 de fevereiro, o Ofício Circular n.º 2/2020-CVM/SMI, com o objetivo de amenizar o estresse no mercado financeiro.

Segundo a CVM, algumas demandas podem surgir ou aumentar, de modo que, o intermediário deve estar preparado para atendê-las, como a realização de operações por telefone ou o aumento no número de intermediários trabalhando remotamente, por razões de saúde pública.

O Ofício teve como objetivo informar a todos os intermediários do mercado sobre a necessidade de criação e implantação de um plano de contingência, para que a atual estrutura do nosso sistema possa suprir todas as necessidades que surgirem neste período de estresse do mercado.

 

Elaboração de plano de contingência

A CVM traz orientações para todos os intermediários, e pede para que estejam preparados para um cenário ainda desconhecido. Para esse momento, é ressaltado que a medida correta a ser tomada não é o improviso, mas sim a estruturação de um plano de contingência adequado para a situação. Este plano deve conter alternativas para que seja possível continuar a prestação adequada dos serviços.

A Circular não determina como cada intermediário deve estruturar o seu plano de contingência, apenas destaca que o essencial é manter clara e segura a interação com seus clientes, bem como capacitar suas equipes de trabalho para garantir a qualidade dos serviços prestados. Recorda-se que as Instruções Normativas da CVM n.º 612/2019 e 505/2011 já contemplam uma série de procedimentos que devem nortear os procedimentos a serem tomados.

Uma primeira opção apontada pela CVM é manter o atendimento telefônico pelos operadores de mesa, mesmo que atuando em local diverso da sede da organização, o qual deverá ser acoplado a um mecanismo de comprovação e formalização das ordens.

Já para o atendimento por correio eletrônico, o intermediário deve, previamente à adoção do plano de contingência, comunicar toda a sua base de clientes sobre essa situação de estresse, esclarecendo que as operações pela mesa de operações, a partir de determinada data, passarão a ser realizadas por sistemas de correio eletrônico ou de mensagens eletrônicas.

Por hora, com a edição dessa Circular, a instrução é a de que TODOS os intermediários do mercado adotem, no mínimo, as instruções fornecidas pela CVM em seu plano de contingência, dentro outras medidas que forem necessárias para manter a normalidade nesse cenário que estamos enfrentando.

 

Renegociação de dívidas

O CMN aprovou, em 16 de março, duas medidas principais para ajudar a economia brasileira neste momento adverso.

A primeira medida, instaurada pela Resolução n.º 4.782 do CMN, segundo o BCB, “facilita a renegociação de operações de créditos de empresas e de famílias que possuem boa capacidade financeira e mantêm operações de crédito regulares e adimplentes em curso, permitindo ajustes de seus fluxos de caixa, o que contribuirá para a redução dos efeitos temporários decorrentes do COVID-19. A medida dispensa os bancos de aumentarem o provisionamento no caso de repactuação de operações de crédito que sejam realizadas nos próximos 6 meses”. É estimado que aproximadamente R$ 3,2 trilhões de créditos sejam qualificáveis a se beneficiar dessa medida, cuja renegociação dependerá do interesse e conveniência das partes envolvidas.

A segunda medida, editada na Resolução n.º 4.783 do CMN, expande a capacidade de utilização de capital dos bancos a fim de que estes tenham melhores condições para realizar as eventuais renegociaçõesem linha com a medida anterior, e com o intuito de manter o fluxo natural de concessão de crédito. No contexto prático, esta medida amplia a folga de capital (diferença entre o capital efetivo e o capital mínimo requerido), conferindo mais espaço e segurança aos bancos para manterem seus planos de concessões de crédito ou até ampliá-los.

Conforme apontado pelo BCB em nota “considerando que os colchões de capital devem ser usados durante momentos adversos, esta medida reduz o Adicional de Conservação de Capital Principal (ACPConservação) de 2,5% para 1,25% pelo prazo de um ano, ampliando a folga de capital do Sistema Financeiro Nacional (SFN) em R$ 56 bilhões, o que permitiria aumentar a capacidade de concessão de crédito em torno de R$ 637 bilhões. Após este período (1 ano), o ACPConservação será gradualmente reestabelecido até 31 de março de 2022 ao patamar de 2,5%.”

Assim sendo, a consequência direta destas medidas é uma melhora das condições de liquidez do SFN em torno de R$ 135 bilhões, conforme afirmado pelo BCB, o que irá contribuir, nesse momento, para suavizar os efeitos do COVID-19 sobre a economia brasileira.

Por fim, e com o mesmo intuito, o CMN aprovou no dia 26 de março a Resolução n.º 4.791que, ao alterar a Resolução n.º 4.782, permite que reestruturações de operações de crédito realizadas até 30 de setembro de 2020, em geral, sejam dispensadas da caracterização como ativo problemático, para fins do disposto no § 1º do art. 24 da Resolução nº 4.557/2017 e no § 1º do art. 27 da Resolução nº 4.606/2017.

Essa nova norma permite, ainda, que essas reestruturações possibilitem a imediata reversão dessa caracterização pela instituição concedente do crédito, se efetuada exclusivamente com base na hipótese dela ter considerado que a contraparte não tem mais capacidade financeira para honrar a obrigação nas condições pactuadas.

 

Impacto nos fundos de investimento

A Superintendência de Relações com Investidores Institucionais da CVM editou o Ofício-Circular CVM/SIN 06/20, em 26 de março, orientando sobre a condução do funcionamento e as operações realizadas pelos fundos de investimento. O Ofício, entre outras matérias, trata principalmente sobre o desenquadramento de carteiras, a realização de assembleias gerais e o provisionamento de direitos creditórios em FIDC.

Desenquadramentos de carteira

Sobre o desenquadramento de carteiras, a CVM destaca que a Instrução nº 555 já contêm previsão sobre a possibilidade do gestor não estar sujeito às penalidades aplicáveis a desenquadramento de carteira que sejam decorrentes de fatos exógenos e alheios à sua vontade, que causem alterações imprevisíveis e significativas, assim como é a situação atual gerada pela pandemia de COVID-19.

Pela interpretação da área técnica da CVM “não haveria justa causa para adoção de medidas sancionadoras por parte da Autarquia, no que tange ao período em que perdurar os elementos de caracterização de desenquadramento passivoe a efetiva inviabilidade de reenquadramento devendo ser levado em conta tanto pelo administrador quanto pelo gestor do fundo a extensão e duração dos “fatos exógenos” que levaram ao desenquadramento, e a partir de quando eles já não impõem mais alterações imprevisíveis e significativas nas condições gerais de mercado que levam à manutenção da situação de desenquadramento do fundo, conforme previstas na norma.”

A CVM também destaca que vai avaliar cada caso no âmbito da mecânica de reporte, para concluir se as mediadas adotadas pelo gestor e pelo administrador foram, de fato, compatíveis com o exigido pelas circunstâncias e em cumprimento de seu dever de diligência.

Assembleias gerais para fundos de investimento

Sobre a realização de assembleias gerais ordinárias ou extraordinárias dos fundos de investimento, por se tratarem de eventos que podem ir de encontro às determinações do Ministério da Saúde e as recomendações da OMS, a interpretação da área técnica da CVM é a de que “é justificável, à luz do interesse público, o cancelamento ou adiamento de assembleias gerais, convocadas ou não, em casos nos quais não seja possível a realização do conclave de forma remota, virtual ou por meio de consulta formal, observados os prazos dilatados objeto da recente Deliberação CVM n° 848.” Os novos prazos trazidos pela Deliberação nº 848 são explicados no próximo ponto deste manual.

Provisionamento de direitos creditórios em FIDC

Em relação ao provisionamento de direitos creditórios em FIDC previstos da Instrução CVM 489, é dito que os atrasos no pagamento de um crédito ou a necessidade de sua renegociação não impõe a realização de uma provisão sobre esse ativo. A SIN entende que a Instrução 489 exige que se constitua provisão não a cada evento, mas sim em casos nos quais se afigure uma mudança na perspectiva de perda sobre o ativo.

O Ofício, por fim, destaca que “da mesma forma que um atraso no pagamento pode não ensejar a constituição de uma provisão, também é dever do administrador não retardar sua constituição quando os fatos e circunstâncias indicarem uma deterioração significativa na capacidade de recuperação dos créditos em questão.”

Seguindo essa tendência, é esperado que a CVM deva se manifestar ao longo dos próximos dias para trazer alguma orientação especial para o provisionamento em perdas duvidosas dos recebíveis.

 

Suspensão dos prazos dos processos sancionadores e prazos regulatórios

Com a edição da MP 928/20 em 23 de março, houve a suspensão dos prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade declarado pelo Decreto Legislativo nº6 de 2020. Do mesmo modo, não correrão os prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas durante o estado de calamidade pública.

Em complemento, a CVM editou a Deliberação CVM 848 que promove alterações em determinados prazos previstos na regulamentação da autarquia, assim como alterou, temporariamente, as Instruções CVM 476 e 566, alterando o intervalo que se impõe às companhias entre duas ofertas públicas, e suspendendo a necessidade de arquivamento nas juntas comerciais do ato societário que autoriza a emissão de notas promissórias. As principais alteração em prazos são:

  • Prazos processuais de processos sancionadores: suspensão até o término do estado de calamidade pública.
  • Prazos prescricionais para aplicações de sanções administrativas previstas nas Leis nº 8.112/90, nº 9.873/99 e Lei nº 12.846/13: suspensão até o término do estado de calamidade pública.
  • Demonstrações financeiras dos fundos de investimento: prorrogação de 30 dias.
  • Assembleias gerais dos fundos de investimento: prorrogação de 3 meses.
  • Prazos de atualização cadastral de participantes: prorrogação de 3 meses.
  • Relatórios de compliancedos intermediários, custodiantes, escrituradores e depositários centrais: prorrogação de 3 meses.
  • Formulários de referência de administradores de carteira e consultores de valores mobiliários: prorrogação de 3 meses.

 

Avaliação do impacto nas companhias abertas

A CVM, por meio da Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria (SNC), editou o Ofício-Circular SNC/SEP 02/2020 em 10 de março reunindo informações sobre os efeitos do COVID-19 nas demonstrações financeiras das companhias abertas.

É indicado que os Diretores de Relação com Investidores e os auditores independentes considerem, de maneira minuciosa, os impactos que o coronavírus pode gerar em seus negócios. Todos esses riscos e incerteza devem ser reportados nas demonstrações financeiras das companhias.

A SNC ressalta que é uma tarefa difícil a quantificação monetária dos impactos futuros dessa atual crise, mas todas as companhias e auditores devem empenhar os melhores esforços para prover informações que espelhem a realidade econômica ao mercado.

Nesta situação, é necessário que as companhias continuem cumprindo com o seu dever de informação, considerando a divulgação de eventuais impactos decorrentes do coronavírus em suas demonstrações financeiras. As companhias também devem considerar a possibilidade de divulgação de fato relevante com as projeções e estimativas relacionadas aos riscos do COVID-19.

O nosso escritório tem acompanhado o assunto de perto, atento às medidas a serem tomadas pelo governo e órgãos reguladores que eventualmente gerem impacto no mercado financeiro e de capitais em razão do Coronavírus. Estamos à disposição para orientar os nossos clientes, parceiros e colaboradores no que for preciso.

 

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