Introdução
Quatro meses se passaram e ainda estamos em quarentena, mas no Brasil – e em muitos lugares do mundo – vimos as empresas se preparando para a retomada gradual de suas atividades e o esforço na promoção de um ambiente seguro para seus empregados, clientes, colaborares e parceiros.
Com base no papel social das empresas, a preocupação com o ambiente de trabalho sadio é de extrema importância, mas, diante do cenário de pandemia, muitos desafios, sobretudo de ordem econômica, vêm sendo enfrentados por todos.
Algumas flexibilizações no âmbito trabalhista foram de grande valia durante a pandemia, como a possibilidade de antecipação e concessão de férias com prazo reduzido, banco de horas extraordinário, FGTS diferido, teletrabalho emergencial, redução proporcional da jornada e salário, suspensão de contratos, dentre outros assuntos tratados em artigos específicos já publicados em nossas redes sociais.
Contudo, vale destacar que, embora algumas dessas flexibilizações não possam mais ser utilizadas[1], todas as negociações formalizadas na vigência das normas específicas para o enfrentamento da pandemia do Novo Coronavírus seguirão plenamente válidas.
O fato é que aprendemos muito – em todos os sentidos – neste período de pandemia, de modo que o objetivo desse material é simplificar a interpretação e aplicação do direito do trabalho que sofreu com tantas alterações e inovações legislativas.
Destacamos, apenas, que todas as informações aqui trazidas devem ser avaliadas de acordo com a dinâmica e peculiaridade de cada empresa e dentro do contexto de enfrentamento da pandemia, de modo que devem ser discutidas caso a caso.
Suspensão do Contrato de Trabalho
Embora a negociação coletiva seja valorizada pela legislação vigente [2], a Lei 14.020/2020, publicada em 07/07/2020, consolidou a possibilidade de suspensão de contrato(s) de trabalho do(s) empregado(s) por meio de acordo individual escrito, desde que haja comunicação prévia de 2 (dois) dias.
Essa suspensão de contrato de trabalho era possível apenas e tão somente por meio de negociação coletiva [3], contudo, em meio a pandemia, a Medida Provisória (“MP”) nº 936/2020, convolada na Lei acima, flexibilizou a legislação como forma de ajudar as empresas e, por consequência, manter a empregabilidade.
Durante a suspenção do contrato de trabalho, o empregado não pode exercer atividade remunerada e passa a receber um Benefício Emergencial [4] do Governo Federal, o qual tem por base o valor do seguro desemprego a que o empregado teria direito se fosse dispensado sem justa causa.
A empresa deixa de pagar o(s) salário(s), mas deve manter os benefícios fornecidos ao(s) empregado(s), exceto aqueles que se relacionam a condição da prestação dos serviços, como vale transporte, adicionais de insalubridade, periculosidade ou noturno.
O prazo máximo de suspensão do contrato de trabalho é de 120 (cento e vinte) [5] dias, os quais podem ser usufruídos pelo empregado de forma fracionada, em períodos sucessivos ou intercalados, devendo-se respeitar o período mínimo de 10 (dez) dias.
Para as empresas com receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), é obrigatório o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% (trinta por cento) do valor do salário do empregado com o contrato de trabalho suspenso. Esse valor não possui natureza salarial, logo não serve como base de cálculo para contribuições previdenciárias e fiscais, nem tampouco deve sofrer reflexos trabalhistas.
A suspensão do contrato de trabalho está condicionada a observância dos seguintes critérios:
Após a formalização do contrato escrito, o qual admite-se, inclusive, a assinatura eletrônica [6] das partes [7], o empregador deve reportar as informações no site do Ministério da Economia [8] no prazo máximo de 10 (dez) dias.
Redução de jornada de trabalho e do salário
Assim como na suspensão do contrato de trabalho, a legislação para enfrentamento a pandemia do Novo Coronavírus abriu a possibilidade de redução proporcional da jornada de trabalho e de salário por meio de acordo individual.
Destaca-se, contudo, que deve ser mantido o valor do salário-hora, bem como a comunicação formal e prévia ao empregado de, no mínimo, 2 (dois) dias.
O prazo máximo de redução da jornada e do salário também é de 120 (cento e vinte) [9] dias, os quais poderão ser sucessivos ou intercalados, devendo-se respeitar o período mínimo de suspensão contratual de 10 (dez) dias.
Para acordos individuais, a proporção de 25% (vinte e cinco por cento) de redução pode ser aplicada irrestritamente, a todos os trabalhadores.
Já para os percentuais de 50% (cinquenta por cento) e 70% (setenta por cento), devem-se observar as seguintes condições de negociação:
Além dos percentuais legais, poderão ser acordados percentuais de redução de jornada e salário diversos mediante negociação coletiva.
Outra novidade trazida pela lei foi a possibilidade de celebração de convenção ou acordo coletivo posteriormente a acordos individuais vigentes. Neste caso, havendo conflito entre os acordos firmados, deve-se observar que haverá:
- prevalência do acordo individual no período anterior ao acordo coletivo;
- aplicação das regras estabelecidas em acordo coletivo, desde que mais favoráveis ao trabalhador;
- prevalência do acordo individual se o acordo coletivo não for favorável ao trabalhador.
O valor do Benefício Emergencial será calculado proporcionalmente ao percentual de redução da jornada e salário.
Estabilidade provisória
A legislação vigente prevê algumas hipóteses de estabilidade no emprego [10], tais com a estabilidade da gestante [11], do dirigente sindical [12], membro da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) [13], empregados acidentados no trabalho [14], serviço militar obrigatório [15], além de outras previstas em normas coletivas.
Sem prejuízo das garantias conferidas em lei ou norma coletiva, as flexibilizações trabalhistas trazidas pela Lei 14.020/2020 carregam consigo uma estabilidade provisória extraordinária, a qual garante ao empregado com contrato de trabalho suspenso e/ou reduzido uma estabilidade pelo período da(s) medida(s) adotada(s) (suspensão e/ou redução) e por igual período após o seu encerramento.
Exemplo: Para o colaborador com 30 (trinta) dias de suspensão do contrato de trabalho, será garantida a estabilidade provisória no emprego por 60 dias (30 dias de suspensão mais 30 dias após o retorno das atividades). Se houver 30 (trinta) dias de suspensão do contrato de trabalho e 60 (sessenta) dias de redução de jornada e salário, o empregado terá estabilidade de 180 (cento e oitenta) dias, ou seja, 90 (noventa dias) dias da medida mais 90 (noventa) dias após a retomada normal das atividades.
Destaca-se que a Lei trouxe a previsão de penalidade / indenização em caso de dispensa imotivada durante o período de garantia provisória no emprego, a qual deverá ser paga, sem prejuízo do pagamento das verbas rescisórias devidas, nas seguintes proporções:
Situações Especiais
- Gestante e adotante
Além da estabilidade no emprego garantida a empregada gestante [16] e adotante [17], a Lei 14.020/2020 autoriza, expressamente, a suspensão do contrato de trabalho e redução proporcional da jornada e do salário para essas profissionais. Contudo, a empresa deve-se atentar ao início do fato gerador do salário maternidade, para imediata interrupção do acordo individual e início do gozo da licença maternidade [18].
Destaca-se que a garantia provisória decorrente da aplicação das medidas de redução ou suspensão ao contrato de trabalho, será aplicada cumulativamente àquela estabelecida em lei ou negociação coletiva e terá início logo após o gozo da licença maternidade.
- Pessoa com deficiência
A legislação [19] já regulamenta a contratação de Pessoa com Deficiência (“PcDs”) e a pandemia veio enrijecer a questão, pois vedou a demissão, sem justo motivo, de colaboradores PcDs [20].
- Empregados aposentados
Possibilidade de empregados aposentados acordarem a redução proporcional da jornada e salário ou a suspensão contratual por meio de acordo individual (desde que enquadrados nas hipóteses que autorizam a negociação individual) e desde que o empregador efetue o pagamento de uma ajuda compensatória mensal, de natureza indenizatória, equivalente ao Benefício Emergencial.
Na hipótese de suspensão contratual, além da ajuda compensatória equivalente ao Benefício Emergencial, o empregador que tiver auferido no ano calendário de 2019 receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) deverá efetuar o pagamento da ajuda compensatória mensal no valor de 30% (trinta por cento) do valor do salário do empregado.
- Empregado intermitente
O trabalhador intermitente que tiver o contrato formalizado até a data de publicação da MP 936/2020, em 01/04/2020, terá direito a receber o benefício emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais).
Ainda que o empregado possua mais de um vínculo empregatício neste formato, receberá apenas um benefício, sendo-lhe facultado contribuir para o Regime Geral de Previdência Social no período.
Recontratação de ex-empregados
A Portaria nº 16.655/2020, expedida pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT), publicada em 14/07/2020, flexibilizou a legislação trabalhista ao determinar que não haverá presunção de fraude no caso recontratação de trabalhadores desligados durante a pandemia do Coronavírus.
No entanto, deve-se manter os termos do contrato rescindido [21], exceto previsão em contrário em norma coletiva.
Os efeitos da referida Portaria terão seus efeitos retroagidos à 20/03/2020.
Aviso Prévio
A Lei 14.020/2020 ainda trouxe a possibilidade de empregador e empregado acordarem o cancelamento do aviso prévio [22] em curso para a implementação das medidas de suspensão contratual ou redução da jornada e salário, como medida de manutenção do emprego e da renda do empregado.
Dívidas e Empréstimos
Os empregados que estiverem submetidos a Lei 14.020/2020, podem repactuar as operações de empréstimos consignados, com possibilidade de redução das prestações nas mesmas proporções da redução salarial, garantido o prazo de carência de até 90 (noventa) dias.
Em caso de dispensa dos empregados submetidos à Lei, há, ainda, a possibilidade de novação de dívidas e conversão do empréstimo consignado em empréstimo pessoal, para o qual haverá carência de 120 (cento e vinte dias) [23].
Fato do Príncipe (Factum Principis)
Trata-se paralisação temporária ou definitiva das atividades empresariais motivada por ato de autoridade do poder executivo, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade empresária. Neste caso, a legislação traz a possibilidade de extinção do(s) contrato(s) de trabalho, devendo o pagamento das indenizações rescisórias serem realizadas pelas Governo.
Este tema trouxe muitas controvérsias durante a pandemia, mas a Lei 14.020/2020 resolveu a questão ao afastar a possibilidade de se evocar a extinção dos contratos de trabalho em razão do “Fato do Príncipe”, de modo que em caso de rescisão(ões) contratual(is) durante o período da pandemia, caberá ao empregador realizar o pagamento das verbas rescisórias integralmente, as quais podem ser reduzidas em caso de força maior [24].
Conclusão
Nos últimos meses vivenciamos forçosamente uma transformação nas relações sociais e econômicas, o que culminou em um cenário de adaptação das relações de trabalho. Passamos a trabalhar em casa e a fazer reuniões de forma remota! O mundo mudou, o home office é uma realidade e, em muitos casos, a produtividade dos profissionais aumentou substancialmente.
Contudo, ainda estamos em mundo pandêmico, pois a contaminação ainda não foi controlada, e ainda não há vacina desenvolvida e testada capaz de imunizar a população. Dessa forma, todas as medidas legais, sanitárias e regulatórias devem ser observadas pelas empresas, de modo a evitar exposição trabalhista, fortalecer o seu compromisso social e engajar os colaboradores na retomada das atividades empresariais.
A retomada das atividades empresariais deve ser feita com cautela e certa flexibilidade e compreensão para com os profissionais, os quais podem possuir limitações estruturais e de ordem pessoal nessa retomada.
Dessa forma, um bom planejamento e assessoria técnica são fundamentais para a segurança de todos, inclusive para a continuidade das relações de trabalho e retomada do crescimento econômico.
Todos estamos juntos no combate ao Coronavírus!