Baptista Luz

13/09/2018 Leitura de 8’’

Serviços sociais autônomos podem adquirir participação em empresas?

13/09/2018

A atuação do Estado ou de entidades próximas ao governo como figuras empreendedoras é uma importante forma de incentivo à inovação. No Brasil, o Decreto n. 9.283/18 se apresenta como um importante instrumento para esse tipo de atuação.

Os serviços sociais autônomos são entidades paraestatais que desempenham atividades privadas de interesse público, como ensino profissionalizante e assistência social. Os exemplos mais comuns de entidades dessa categoria são as pertencentes ao chamado “Sistema S”, do qual fazem parte, por exemplo, o Sesc, o Sebrae e o Senac. Elas possuem personalidade jurídica de direito privado e sem fins lucrativos. Por fazerem uso de recursos públicos, estão sujeitas a normas semelhantes às da administração pública, como na equiparação dos seus empregados aos servidores públicos para fins criminais, de improbidade administrativa e submissão à fiscalização do Tribunal de Contas da União (“TCU”), devendo agir com transparência.

As formas de investimento que os serviços sociais autônomos são autorizados a realizar também são limitadas. Por conta disso, há dúvidas se eles poderiam realizar determinadas operações sem previsão legal expressa, como investir nas empresas que apoiam, por exemplo. Algumas dessas dúvidas foram esclarecidas com a publicação do Decreto n. 9.283/18, que regulamenta o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação – um conjunto de normas com o objetivo de estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, visando a capacitação tecnológica para promoção de autonomia tecnológica e desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

O Decreto incluiu os serviços sociais autônomos no rol de entidades autorizadas a realizar investimentos diretos e indiretos em empresas do setor de pesquisa, desenvolvimento e inovação, expandindo o leque de formas de atuação possíveis.

Como o Decreto 9.283/18 alterou a situação dos serviços sociais autônomos

O artigo 78 do Decreto n. 9.283/18 equiparou os serviços sociais autônomos a agências de fomento de natureza privada, autorizando-os a realizar algumas atividades previstas na Lei n. 10.973/04:

“Art. 78. As agências de fomento de natureza privada, incluídos os serviços sociais autônomos, por suas competências próprias, poderão executar as atividades a que se referem o art. 3º, o art. 3º-B, o art. 3º-D e o art. 19 da Lei nº 10.973, de 2004.”

Em razão do que foi estabelecido pelo artigo 78, entendemos que os dispositivos que mencionarem as agências de fomento no Decreto n. 9.283/18 serão, consequentemente, aplicáveis às entidades de serviços sociais autônomos, ampliando as suas possibilidades de investimento em empresas. O artigo menciona que essas atividades podem ser executadas pelas “competências próprias” das entidades, o que indica a importância de que as atividades realizadas estejam de acordo com o estatuto social da entidade, sem qualquer conflito com seu objeto social.

O artigo 19 da Lei n. 10.973/04 é o dispositivo que de fato autoriza a compra direta de participação societária (expressamente, em seu parágrafo 2º, inciso III), além de estipular as formas em que deve ocorrer. O caput estabelece que as entidades aplicáveis “promoverão e incentivarão a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores em empresas brasileiras e em entidades brasileiras de direito privado sem fins lucrativos, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura a serem ajustados em instrumentos específicos e destinados a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para atender às prioridades das políticas industrial e tecnológica nacional.” Outro ponto importante, portanto, é que as empresas ou entidades apoiadas devem ser brasileiras.

Os detalhes específicos da operação estão previstos no artigo 4° do Decreto 9.283/2018. Em seu caput, o artigo 4° autoriza as agências de fomento, assim como outras entidades, a terem participação societária minoritária em empresas “com o propósito de desenvolver produtos ou processos inovadores que estejam de acordo com as diretrizes e as prioridades definidas nas políticas de ciência, tecnologia, inovação e de desenvolvimento industrial”, o que delimita o escopo de empresas que podem ser beneficiadas por este tipo de investimento.

Para realização desta operação, a entidade deverá estabelecer uma política de investimento seguindo os critérios do §1° do artigo 4° em que constarão “os critérios e as instâncias de decisão e de governança”. Os incisos I a VII do §1° do artigo 4° delimitam o conteúdo mínimo que deve constar na política de investimento:

“§ 1º A entidade de que trata o caput estabelecerá a sua política de investimento direto e indireto, da qual constarão os critérios e as instâncias de decisão e de governança, e que conterá, no mínimo:

I – a definição dos critérios e dos processos para o investimento e para a seleção das empresas;
II – os limites orçamentários da carteira de investimentos;
III – os limites de exposição ao risco para investimento;
IV – a premissa de seleção dos investimentos e das empresas-alvo com base:
a) na estratégia de negócio;
b) no desenvolvimento de competências tecnológicas e de novos mercados; e
c) na ampliação da capacidade de inovação;
V – a previsão de prazos e de critérios para o desinvestimento;
VI – o modelo de controle, de governança e de administração do investimento; e
VII – a definição de equipe própria responsável tecnicamente pelas atividades relacionadas com a participação no capital social de empresas.”

No que se refere à forma do investimento, o §3° do mesmo artigo autoriza que os investimentos sejam feitos de forma direta (com ou sem co-investidor privado) ou de forma indireta, via fundos de investimento constituídos com recursos próprios ou de terceiros para tal finalidade. Em ambos os casos, a política de investimento deve ser formulada conforme o §1° do artigo 4° do decreto.

Modalidades de investimento

A compra de participação societária pode ser realizada por uma série de modalidades de investimento que podem ser interessantes para os serviços sociais autônomos. A seguir, exploramos algumas delas.

Aquisição de quotas ou ações

Esta opção possui alguns aspectos que a tornam menos atrativa que as outras. Em primeiro lugar, torna-se parte do quadro societário imediatamente após o investimento. Em muitos casos é melhor ingressar como sócio apenas após a empresa estar em melhores condições, para diminuir riscos inerentes à participação societária. Além disso, o desinvestimento do Sebrae dependeria apenas se conseguisse alienar a sua participação para outro sócio ou para terceiros. Neste aspecto, o mútuo conversível se apresenta mais vantajoso por ter outra opção de desinvestimento.

Mútuos conversíveis em quotas ou ações

Os mútuos conversíveis em participação societária são uma opção mais segura. Essa modalidade consiste um contrato de mútuo, em que o valor aportado pode ser convertido em participação societária no futuro (ao contrário da opção anterior em que a participação ocorre imediatamente), ou então optar pela não conversão, recebendo de volta emprestado, corrigido monetariamente. É possível condicionar a conversão a algum evento futuro, como o fim de um prazo determinado, ou o momento da transformação da sociedade de limitada em anônima (já isso que costuma ocorrer quando a empresa está mais madura).

Opções de compra futura de quotas ou ações

O contrato de compra futura de quotas ou ações garante ao investidor o direito de, no futuro, optar ou não pela compra de participação societária na empresa investida. Esse direito pode ser exercido ao longo de um período predeterminado. Essa modalidade comumente inclui um aporte inicial que o investidor faz na empresa, como prêmio pela aquisição da opção de compra. Contudo, o Imposto de Renda incide sobre a operação a uma alíquota de 15%, o que torna essa modalidade menos atrativa.

Outras modalidades de investimento direito

É possível utilizar outros métodos de aquisição de participação societária. A norma deixou esta hipótese de maneira bastante ampla, provavelmente pensando em conferir maior flexibilidade na estruturação das operações.

Um instrumento que poderia ser útil é o contrato de participação societária criado pela Lei Complementar Nº 155, de 27 de outubro de 2016. Esta garante uma boa segurança patrimonial, uma vez que limita a responsabilidade do sócio investidor. Contudo, após a regulamentação da Receita Federal sobre a tributação da operação, esta modalidade se tornou menos atrativa e subutilizada. Apesar disso, continua sendo uma opção viável.

Conclusão

O Decreto 9.283/18, que regulamenta o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, incluiu os serviços sociais autônomos no grupo de entidades autorizadas a realizar investimentos diretos e indiretos em empresas que são objeto das políticas de incentivo previstas nesse conjunto de normas. Assim, os serviços sociais autônomos tornam-se capazes de adquirir participação societária nas empresas que fazem parte de seus programas de apoio, o que pode mudar a forma como essas entidades estruturam suas atividades. Esse investimento direto pode ser realizado por meio de uma série modalidades contratuais, dentre as quais identificamos o mútuo conversível como uma opção especialmente interessante.

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