Em julho de 2020, nos debruçamos sobre os aspectos dos contratos de locação em shoppings centers diante da pandemia do coronavírus, naquela época ainda considerada recente. Um ano após o início da vida “pós-Covid-19”, voltamos nossas atenções novamente ao tema, com o objetivo de, no presente artigo, realizar uma comparação da temática entre os anos de 2020 e 2021. Assim, abordaremos (i) o posicionamento dos tribunais em relação à redução e suspensão do aluguel dos lojistas em tempos de pandemia e (ii) a situação atual dos shoppings centers.
(i) A revisão de contratos de locação em Shoppings Centers: uma reanálise Jurisprudencial
1) Resultados Anteriores
Em 2020, em razão das restrições de circulação e fechamento dos estabelecimentos comerciais, muitas lojas de shopping ficaram durante semanas de portas fechadas, o que abalou o faturamento dos empresários e acarretou o encerramento de vários negócios. Nesse cenário, com relação às liminares pleiteadas pelos lojistas para redução dos aluguéis de Shopping Center, na pesquisa jurisprudencial realizada em 2020 havíamos concluído que os tribunais estavam deferindo, em sua maioria, fazendo uso da teoria da imprevisão, consubstanciada no artigo 317 do Código Civil, para determinar a redução do aluguel[1] e justificado por basicamente: (i) redução do faturamento da loja, desde que comprovada, (ii) diminuição da circulação de pessoas e (iii) existência de decretos municipais que autorizavam o funcionamento exclusivo dos serviços essenciais, dentre os quais não se inclui o comércio.
2) Resultados Atuais
Com o objetivo de atualizar a posição dos tribunais brasileiros diante das ações que buscavam a diminuição ou a suspensão dos aluguéis comerciais em shoppings centers, em vista da pandemia do coronavírus, a pesquisa jurisprudencial foi refeita no período de julho de 2020 até início de abril de 2021, no qual foram analisados casos de 2º grau, oriundos de Câmaras e Turmas Recursais de 2º grau, junto ao TJDFT, TJMG, TJRJ, TJSP, TJSC e TJRS.
No total, encontrou-se 89 casos conforme tabela mais detalhada presente ao final deste artigo.
Nesse sentido, merece destaque a diferença significativa entre os resultados encontrados no primeiro período da pesquisa (de março à metade de julho de 2020) e o segundo período a que se refere a presente atualização (de metade de julho de 2020 a março de 2021). Conforme relatado na pesquisa anterior, naquele momento, no tocante aos casos de lojas de shopping, encontrou-se apenas julgados em que os estabelecimentos estavam fechados, dados os decretos municipais de autorização de funcionamento exclusivo dos serviços essenciais.
Na presente pesquisa, no entanto, já foi possível localizar, especialmente em julgados do TJSP, casos em que consignado pela Câmara que não se justificaria o pedido de redução dos aluguéis em razão da reabertura dos shoppings centers. Ainda, o entendimento foi no sentido de que o autorizador da revisão do aluguel não é a perda de renda do locatário, mas a impossibilidade de ele fazer o uso do imóvel para o fim que se destina. Com o retorno gradual dos serviços não essenciais em diversas cidades brasileiras ao decorrer de 2020, não se justificaria mais, portanto, por essa ótica, a revisão dos aluguéis.
Ainda, relativamente aos casos de indeferimento, destaca-se que ainda aparecem casos em que, por mais que o lojista tenha demonstrado que sofrera queda em seu faturamento por causa da crise econômica vivenciada em função do coronavírus, esta não era suficiente para desobrigar o locatário do pagamento do locativo. É muito utilizado o argumento de que a crise econômica é generalizada e também atinge o locador.[2]
Em um desses julgados é utilizado também o argumento de que o lojista não realizava vendas apenas na sua loja física, como também na modalidade online, sendo uma empresa atuante no mercado de vendas pela internet, com o aumento significativo do seu e-commerce.[3] Assim, entendeu o Desembargador pela impossibilidade de avaliar isoladamente a situação de uma loja em shopping center da autora, sem atentar para toda a sua cadeia de atuação.
Em relação aos casos em que as medidas foram deferidas pelos julgadores, observa-se que os fundamentos jurídicos adotados para o deferimento da liminar continuam sendo a teoria da imprevisão e a exigência de que os lojistas comprovem, de maneira clara, o preenchimento dos requisitos para concessão da medida, tais sejam a probabilidade do direito e o risco de dano irreparável, constantes no art. 300 do Código de Processo Civil. Na maior parte dos casos em que houve deferimento, a outorga de descontos permaneceu na variação entre 30% e 50% do valor dos aluguéis mensais devidos, já verificada anteriormente.
Nesse contexto, o mais relevante de ser destacado, entre a pesquisa anterior e presente, é o aumento da quantidade de casos em que houve o indeferimento do pedido de desconto de aluguéis. Conforme referido, tal mudança na jurisprudência está, aparentemente, vinculada à reabertura dos shoppings centers, bem como, por vezes, ao entendimento de que a crise é generalizada e não atinge apenas o locatário, mas também o locador, e de que é necessário aguardar a dilação probatória para que a decisão seja mais equânime.
Da análise dos novos julgados, conclui-se, então, que o deferimento de medidas para concessão de desconto no valor do aluguel ou, até mesmo, sua suspensão continua sendo maioria nos tribunais brasileiros. No entanto, há muitas novas decisões em sentido contrário, trazendo os argumentos da necessidade de angularização da demanda antes do deferimento da redução e da gradual retomada do comércio ocorrida no 2º semestre de 2020. Entendemos necessário o acompanhamento das novas decisões no período posterior à realização da pesquisa para se identificar se a tendência manter-se-á ou não, considerando a nova onda da pandemia e as medidas restritivas mais rigorosas implementadas no início de 2021.
(ii) A Situação dos Shoppings Centers Diante da Continuidade da Pandemia
Os shopping centers foram altamente afetados durante a pandemia do coronavírus, assim como todo o setor varejista. O resultado do impacto causado foi percebido, principalmente, na queda de faturamento do setor, cujo lucro foi reduzido em 33,2%. O fechamento do comércio em razão dos decretos estaduais de restrição de circulação de pessoas e de funcionamento exclusivo dos serviços essenciais fez com que o faturamento do setor em 2020 totalizasse R$ 128,8 bilhões, enquanto em 2019 o mesmo setor faturou R$ 192,8 bilhões. Segundo dados da Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), em abril de 2020, mês de maior adesão do isolamento social pelos brasileiros, os shoppings tiveram uma redução de 89% em seus ganhos[4].
A solução encontrada pelos lojistas foi a digitalização de vendas através de e-commerce e operação em marketplace. Conforme análise feita pela Abrasce, a transferência da operação para as plataformas digitais é inevitável. É importante observar que, dentre os varejistas que ainda não estão on-line, 59% informam que pretendem vender em marketplaces no período de 2 anos.
Ainda em relação à adaptação do setor de shoppings centers à realidade pandêmica, é importante destacar a união de trabalho para desenvolver estratégias para a manutenção das lojas e serviços, conforme destaca Maurício Romiti, diretor financeiro e administrativo da Nassau Empreendimentos[5]. Esse desenvolvimento foi essencial para as alternativas encontradas pelo setor para contornar a crise, dentre as quais cita-se as campanhas de vacinação, o cinema drive-in, conceito omnichannel, marketplaces e a campanha nas redes sociais #VaiDarCerto.
É interessante analisar o posicionamento atual dos tribunais em relação à situação dos centros comerciais. Na Apelação Cível n. 1041688-18.2020.8.26.0100, julgada em março de 2021 pelo TJSP, discutiu-se a cobrança de consumo de energia dentro dos shoppings centers[6]. Em sua decisão, o Relator do caso, Carlos Abrão, entendeu que a pandemia se enquadra na hipótese de caso fortuito (evento totalmente imprevisível) ou de força maior (evento previsível, mas inevitável)[7], o que altera a regra de estabilidade dos contratos. Assim, a ocorrência de tais eventos permite que o acordo estabelecido entre as partes seja revisto e possivelmente modificado, conforme preceitua o artigo 317 do Código Civil. Portanto, ressaltando a excepcionalidade da decisão e os princípios
Ainda, conforme abordamos no ponto anterior, outro tema atualmente discutido pelos shoppings é em relação à cobrança do aluguel dos lojistas. A orientação geral atual dos shoppings é de manter a cobrança do aluguel, sendo possível uma renegociação individual, a depender do caso. O cenário no começo da pandemia de 2020 era diferente, as incertezas e inúmeras variáveis promoveram um maior relaxamento nas relações negocias, gerando isenções na cobrança dos aluguéis e descontos gerais. Atualmente, a tendência é observar o desempenho dos lojistas, de seus respectivos segmentos para decidir se é devida uma renegociação do valor.
Outra razão para a permanência dos aluguéis é a continuidade do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). No ano de 2020, foi concedido R$ 37 bilhões em crédito a pequenos negócios. As estimativas para esse ano é que seja feita concessão de R$ 17 bilhões. Como contraponto, os lojistas alegam que, diante das novas restrições, será difícil continuar cumprindo com o pagamento dos aluguéis. O presidente da Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos), Tito Bessa Júnior, afirmou que as empresas tendem a ficar inadimplentes, especialmente aquelas cujas vendas ainda não haviam se recuperado plenamente, como verificado nos setores de roupas, acessórios, cosméticos, entre outros[8].
Apesar das novas restrições de circulação e de funcionamento exclusivo dos serviços essenciais observadas no início de 2021, a taxa de inadimplência manteve-se baixa quando comparada com o início do ano passado. A título exemplificativo, apontamos que a BrMalls, cuja taxa de ocupação de seus estabelecimentos gira em torno de 96,4%, possui apenas 5,5% de seus lojistas inadimplentes. Na Aliansce, esses indicadores estão em 95,8% (ocupação) e 5,2% (inadimplência), e na Iguatemi, em 91,0% (ocupação) e 9,3% (inadimplência)[9]. Observa-se que todos os lojistas se mantiveram abaixo de 10% de inadimplência, o que é um bom sinal em meio às mais rígidas restrições feitas pelos governos estaduais.
(iii) Conclusão
Nesse artigo, apresentamos a situação vivenciada atualmente pelos lojistas e pelos shoppings em razão da pandemia em comparação com o que havíamos observado anteriormente em nosso último artigo “Aspectos dos Contratos de Locação em Shopping Centers diante do novo Coronavírus”, de julho de 2020.
Enquanto no último artigo verificamos que os tribunais concediam com frequência aos lojistas medidas como desconto no valor dos aluguéis devidos aos shoppings, verifica-se que, nos dias de hoje, o número de decisões que indeferiram tais medidas já é muito mais significativo do que o encontrado anteriormente, o que demonstra um possível amadurecimento do tema junto aos tribunais brasileiros, que, em mais de 1 ano de pandemia, muito já se debruçaram sobre a discussão. Além disso, observamos que a situação atual dos shoppings é frágil, os quais apresentam redução em seu faturamento e se deparam com um cenário incerto para os próximos meses.
TABELA COMO ANEXO
Tribunal | Nº Liminares Deferidas | Nº Liminares Indeferidas | Nº Apelações Favoráveis | Nº Apelações Desfavoráveis | Total |
TJRJ | 1 | – | – | – | 1 |
TJSP | 31 | 29 | 3 | 2 | 65 |
TJDFT | 3 | 4 | – | 1 | 8 |
TJMG | 2 | – | – | – | 2 |
TJRS | – | – | 1 | – | 1 |
TJSC | 10 | 2 | – | – | 12 |
Total | 47 | 35 | 4 | 3 | 89 |
A tabela acima foi dividida entre (i) as liminares foram deferidas e indeferidas e (ii) as decisões das apelações foram favoráveis ou desfavoráveis à diminuição ou suspensão dos aluguéis comerciais, separando-os de acordo com seu tribunal de origem. Ressalta-se que, assim como na pesquisa anterior, foram considerados no grupo de ‘liminares deferidas’ não apenas os casos deferidos por julgadores de 2º grau, como também aqueles em que (i) as liminares foram concedidas em decisão anterior e o locatário buscou aumentar a extensão ou o conteúdo da liminar, tendo sido seu segundo pedido (referente à extensão) negado e (ii) o locador já havia concedido desconto no aluguel para o locatário, que buscou aumentar tal desconto em juízo, mas teve seu pedido de extensão negado. Já para as apelações, foi considerado o provimento ou não da demanda.
Tratando das tutelas antecipadas, do total de 82 casos, encontrou-se 47 em que as cortes votaram pelo deferimento da liminar e 35 em que as cortes votaram pelo indeferimento da liminar ou, então, entenderam pela revogação da medida concedida pelo juiz de 1º grau. Logo, pode-se dizer que, em aproximadamente 57% dos novos casos, as medidas de desconto e/ou suspensão da cobrança do aluguel foram deferidas, ao passo que, em 43% dos recentes casos, foram indeferidas. Em comparação com a pesquisa anterior, a diferença salta aos olhos: até julho de 2020, em 75% dos casos analisados, a liminar foi deferida, enquanto em apenas 25% dos casos, a medida não foi concedida.
Já quando tratamos das decisões em apelações, anteriormente não analisadas, pois não localizadas à época, a proporção é similar: do total de 7 casos, em 4 foram proferidas decisões favoráveis aos lojistas, com a diminuição do valor dos aluguéis, e em 3 proferidas decisões desfavoráveis. Ou seja, também em aproximadamente 57% dos novos casos houve provimento da demanda, em decisão definitiva, com concessão das medidas de desconto e/ou suspensão da cobrança de aluguéis, e em 43% houve o desprovimento.
Salienta-se que dos 89 casos analisados, a maior parte, qual seja, 74 deles, são referentes a locações em shopping. Desses 74, em 43 foram deferidas as liminares ou as apelações foram favoráveis, enquanto em 31 as liminares foram indeferidas ou as apelações desfavoráveis. Assim, houve provimento em cerca de 58% dos casos, percentual similar ao localizado em todos os casos analisados.