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Introdução
Em 17 de novembro de 2017, os fãs de Star Wars correram às lojas para comprar o próximo capítulo da série Battlefront, o jogo Star Wars: Battlefront 2, publicado pela Electronic Arts.
Foto divulgação: EA Games
Mas, logo de cara, os jogadores foram surpreendidos pelo uso curioso que a Eletronic Arts fez das loot boxes. As loot boxes são caixas de prêmios virtuais que geram itens aleatórios para o jogador ao serem abertas. O sistema funciona quase como um pacote de figurinhas: normalmente, você ganha figurinhas comuns, mas existe a chance de ganhar uma que seja rara. Geralmente, as loot boxes podem ser compradas com dinheiro, moeda virtual, créditos acumulados ao longo do tempo jogando, ou alguma combinação anterior.
Foto divulgação: Blizzard
Embora as loot boxes tenham sido usadas em videogames há anos, a maioria desses jogos só utilizava o mecanismo para gerar itens puramente estéticos e que não davam nenhuma vantagem no desempenho do jogo. Star Wars: Battlefront 2, por outro lado, bloqueou praticamente todo o conteúdo, incluindo itens essenciais para o andamento do jogo, e os disponibilizou por meio de loot boxes, fazendo com que, caso quisessem progredir no game, os jogadores teriam que comprar as caixas misteriosas.
Na época, estimou-se que levaria, em média, 4.500 horas de jogo, ou US$2.100 em loot boxes, para que todo o conteúdo de Star Wars: Battlefront 2 fosse desbloqueado por um jogador.[1]
Depois de sofrer intensas críticas, a Electronic Arts fez mudanças no sistema. Porém, o episódio chamou atenção de algumas autoridades para as loot boxes.[2]
A questão é que, já há algum tempo, o uso de loot box tem gerado polêmicas no mundo dos jogos eletrônicos, principalmente pelo fato de supostamente estarem viciando crianças e adolescentes em jogos de azar.
2. Por que existe controvérsia em torno de loot box?
Uma das grandes controvérsias diz respeito à relação que é feita entre as loot boxes e os jogos de azar, pelo fato de que as caixas podem envolver o fator de sorte. Existem aqueles que argumentam que as loot boxes geram um risco de vício, podendo levar a uma compulsão por compras destas nos jogos eletrônicos.
Em 2020, um dos co-fundadores da Epic Games pediu que as loot boxes fossem proibidas nos jogos da desenvolvedora. Tim Sweeney, o CEO da empresa produtora de Fortnite, discursou no Dice Summit em Las Vegas alertando sobre o risco representado pelas loot boxes:
“Temos que nos perguntar, como indústria, o que queremos ser quando crescermos”, disse ele. “Queremos ser como Las Vegas, com máquinas caça-níqueis ou queremos ser amplamente respeitados como criadores de produtos em que os clientes podem confiar? Acho que veremos cada vez mais empresas de jogos se afastarem das loot boxes”.
Com a crescente pressão da população e autoridades, em agosto de 2019, editores e plataformas dos EUA assumiram o compromisso de publicar as probabilidades de obter um determinado item em loot boxes. Isso garante que os jogadores saibam as chances do resultado provável de uma loot box antes da compra.[5]
A questão se torna ainda mais delicada quando crianças e adolescentes são envolvidos, tendo em vista que cada vez mais esse público se expõe mais cedo para jogos eletrônicos, por meio dos tablets e celulares. Pesquisas apontam que 93,1% dos jogos para Android apresentavam loot boxes. No iPhone, 94,9% dos jogos que apresentavam o mecanismo eram considerados adequados para crianças de 12 anos. As classificações etárias eram mais conservadoras para jogos de desktop: apenas 38,8% dos jogos com loot boxes estavam disponíveis para crianças com mais de 12 anos.[6]
Inclusive, vídeos e notícias de crianças gastando centenas de reais no cartão dos pais em itens de jogos aumentaram nos últimos anos:
3. Como é a regulação de Loot Boxes pelo mundo?
A resistência política e jurídica às loot boxes está crescendo, e alguns países são especialmente restritivos quanto ao seu uso em jogos eletrônicos. A seguir, alguns exemplos de regulamentações existentes[3]:
Japão
O Japão foi o primeiro país a tomar medidas regulatórias contra loot boxes. Em 2012, a Agência de Assuntos do Consumidor do Japão declarou “jogos gacha” ilegais. Essa modalidade de jogo é basicamente uma variante de loot box, na qual os indivíduos pagam para obter alguma recompensa aleatória.
China
Em 2016, a China aprovou uma lei que alterou a forma como as loot boxes poderiam funcionar quando usadas no país. De acordo com a lei, jogos com loot boxes têm que revelar não apenas o nome de todas as recompensas possíveis, mas a probabilidade de o jogador receber essas recompensas.
Bélgica
A Bélgica considera loot boxes uma forma ilegal de jogo de azar. A decisão teve amplas implicações. Alguns desenvolvedores, como a Valve, alteraram seus jogos para remover loot boxes, enquanto a Nintendo removeu dois de seus jogos mobile da venda no país: Animal Crossing – Pocket Camp e Fire Emblem Heroes.
4. Regulação da loot box no Brasil
Conforme já mencionado no nosso material “Doing Business in Brazil: Games industry”, embora não exista legislação específica no Brasil sobre loot boxes, podemos considerar alguns regulamentos que podem ser aplicáveis:
- Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC): a compra online de loot boxes pode ser caracterizada como uma relação de consumo, porque há conexão entre consumidor, fornecedor e produto. Além disso, a possível gratuidade dos jogos eletrônicos não isenta a aplicação do Código;
- Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do adolescente- ECA): a aplicação desta lei ao setor é clara, na medida em que o público dos jogos eletrônicos é composto por um número significativo de adolescentes e crianças, que podem ser considerados “consumidores hiper vulneráveis” devido ao estágio de maturidade em relação às ferramentas psicológicas, sociais e emocionais quando comparados a um adulto;
- Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e o Decreto nº 7.962/2013 (Lei do Comércio Eletrônico): considerando a própria definição de jogos eletrônicos, é inevitável que sejam aplicadas as regras relacionadas à internet e ao comércio eletrônico, com ênfase no entendimento de alguns legisladores de que o consumidor pode ser mais suscetível às fraudes no ambiente eletrônico;
- Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais): por fim, uma das discussões centrais envolvendo loot boxes é a possibilidade de serem enquadradas como jogos de azar, e esse tema também é objeto de debate no Brasil. Apesar do Projeto de Lei nº 186/2014 visar regulamentar a exploração de jogos de azar no território brasileiro, atualmente a prática ainda é proibida, de acordo com o Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais) seção 50.
Recentemente, o Ministério Público emitiu parecer favorável[4] à ação movida pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) para proibir o comércio loot boxes no país para crianças e adolescentes. O principal argumento utilizado pela ANCED é que as caixas são uma forma de jogo de azar, o que é ilegal no Brasil.
As empresas mencionadas no processo incluíram Activision, Electronic Arts, Valve, Riot Games, Nintendo, Konami, Ubisoft, Tencent, Microsoft, Apple, Google, Garena e Sony.
É importante ressaltar que as empresas não serão obrigadas a remover jogos com loot boxes imediatamente, pois o processo ainda está em andamento e pendente de julgamento.
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A economia da loot box
Apesar das polêmicas, a economia das loot boxes é uma das mais rentáveis no universo dos jogos. As caixas misteriosas permitem que jogos free to play (grátis) sejam desenvolvidos sem que uma monetização seja feita por meio de anúncios e propagandas.
É mais comum ver loot boxes em jogos para celular do que jogos versão desktop, justamente pelo fato de que games mobile são free to play, em sua maioria. Em uma pesquisa realizada pelo Research Snapshot, analisou-se que um total de 58% dos principais jogos da loja Google Play continham loot boxes. Para iPhone e Steam, as porcentagens são de 59% e 36%, respetivamente.[7]
De acordo com uma pesquisa conduzida por gamesindustry.biz, espera-se que os jogos arrecadem mais de US$ 20 bilhões em receita até 2025 somente com o uso de loot box.
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Solução
Como visto, embora as loot boxes representem importante parcela de receita para os desenvolvedores de jogos, o modelo atual tem levantado polêmicas quando aplicado ao público de crianças e adolescentes. Apesar de, no Brasil, ser questionável a comparação entre a venda de loot boxes e prática de jogos de azar, algumas desenvolvedoras já têm se antecipado na implementação de práticas para viabilizar o uso das caixas mágicas, de modo a tornar a prática mais transparente:
- Loot Box desbloqueável com moeda virtual: uma alternativa seria permitir que loot boxes possam ser adquiridas utilizando créditos do próprio jogo, possibilitando que todos os jogadores tenham acesso aos itens sem a necessidade de depósito de dinheiro. Um exemplo de jogo que já faz isso é o Overwatch, da empresa Blizzard;
- Somente itens estéticos: as loot boxes sorteariam apenas itens estéticos para os jogadores, eliminando o risco de que os gamers ganhem vantagens em seu desempenho por comprarem as caixas mágicas;
- Redução de efeitos espaciais: reduzir os estímulos visuais e sonoros no momento da abertura da caixa, com o intuito de reduzir suposto vício do jogador na compra das loot boxes;
- Informações essenciais: jogos que possuam sistema de loot box e microtransações envolvendo dinheiro podem conter alertas informando o público destas práticas.
Tendo em vista que a natureza jurídica das loot boxes e seus impactos em crianças e adolescentes ainda é objeto de estudos e análise, considera-se precipitado apoiar o banimento total do mecanismo, uma vez que a prática ainda representa um importante gerador econômico para as desenvolvedoras de games. Ao que parece, a publicação de boas práticas ou, até mesmo, uma regulamentação específica sobre o tema, determinando parâmetros mínimos de transparência, tem se mostrado interessantes alternativas.
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