Baptista Luz

19/10/2021 Leitura de 6’’

Mobilidade urbana e patinetes elétricos: um debate sobre a implementação do serviço na cidade de São Paulo.

19/10/2021
  • 6’’
  • / Escrito por:

    Julia AlmeidaMauro Przewozinski

Estamos em uma sequência de textos (da série cidades inteligentes) que debatem mobilidade urbana. Eles pretendem esmiuçar algumas experiências urbanas de transporte e, neste momento, trataremos da experiência de compartilhamento de patinetes elétricos. A ideia é um balanço geral desse projeto que, nesse levantamento, parece ser insuficiente: a promessa era dividir a carga de transporte de algumas linhas, no entanto, neste quesito, a solução não atendeu as expectativas[1]

O compartilhamento de patinetes elétricos, febre mundial dos países acima da linha da pobreza, chegou ao Brasil em meados de agosto de 2018.  Em São Paulo, os patinetes surgiram a partir de disputa entre empresas que queriam oferecer o serviço ao município, fazendo com que uma corrida pelos pontos de coleta e devolução dos aparelhos ocorrem no mesmo período. Chegaram ao mercado as empresas Ride, Scoo, Yellow e Lime. A junção das empresas Ride e Yellow deram origem à Grin.  

Os usuários logo perceberam que o oferecimento deste serviço não estava integrado à rede urbana de transporte, causando confusão: conflitos de uso da via pública, segurança, estacionamento e responsabilidades que não tinham destino certo. Por exemplo: quem deveria pagar pelo uso das ciclovias? E a manutenção dos aparelhos? Sinalização? Estas questões foram, inclusive, debatidas junto com a prefeitura, nas secretarias de transporte e do verde e meio ambiente. 

Assim, em outubro de 2018, as empresas iniciaram a operação dos patinetes ao mesmo passo que dialogavam com o ente público a regulação desse serviço. Durante a negociação, duas frentes foram levantadas como critério para começar a desenhar como regrar esse serviço: algumas empresas sugeriam que todas apresentassem seus planos de operação na cidade de São Paulo ou fora dela, outras, questionaram que a experiência internacional das outras empresas tinha realidade diferente da paulistana, devendo valer apenas aqueles que atendessem as exigências da prefeitura da capital. 

Avançando no serviço, estas companhias ocuparam a cidade defendendo, por um lado, a micromobilidade sustentável e, por outro, o preceito constitucional da livre iniciativa. Entendiam, também, que a sua atividade vigiaria, em plena eficácia, outro conceito constitucional: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. 

Por outro lado, o ente público argumentou que os custos para o uso de vias públicas para o lucro privado não poderia ser uma situação sem contrapartida: ou seja, a empresa deveria recolher alguma taxa que seria devolvida a população, principalmente focando em manutenção das vias, seguranças, educação no trânsito, ampliar a linha de ciclofaixas, etc.  

Observando as constatações das empresas, o poder público municipal, visando a regulamentação do sistema de compartilhamento de patinetes elétrico na cidade, exigiu que apresentassem individualmente seus planos atendendo as seguintes diretrizes: 

  1. Descrição do equipamento e mecanismos de controle;
  2. Consideração da necessidade de um processo gradativo de introdução do modelo com as seguintes etapas:
    • Teste (áreas particulares, período necessário, modelo de operação, relatório de resultados);
    • Piloto (região específica da oferta com quantidade limitada de equipamentos disponibilizados, período necessário, modelo de operação, relatório de resultados)
    • Operação efetiva (área de atuação pretendida na Cidade, modelo de operação, relatório de resultados)
  3. Regras de uso aos usuários
  4. Mecanismos de fiscalização (comportamento do usuário na posse e utilização do equipamento, principalmente em área pública);
  5. Número de equipamentos necessários e áreas de interesse para as operações (incluindo retirada e devolução);
  6. Tempo necessário para que cada empresa recolha o equipamento das vias (locais de devolução devidos e indevidos)
  7. Estrutura de comunicação para atendimento ao usuário e público em geral

Em 14 de maio de 2019 foi publicado o Decreto Municipal nº 58.750 que regulamentou de forma provisória o serviço de compartilhamento e do uso dos equipamentos de mobilidade individual auto propelidos, patinetes, ciclos e similares elétricos ou não, acionados por plataformas digitais. Talvez mais importante que estes pontos seja, neste mesmo documento, a normatização quanto a instalação dos pontos de coleta e devolução dos aparelhos com pedido prévio ao município, bem como análise da velocidade que os equipamentos podem atingir e uma taxa a cada corrida realizada. 

De 2019 até 2021, parece que a febre do uso e a esperança em um novo formato de deslocamento se esvaiu. Isso porque os principais pontos ainda se concentram nas avenidas principais da cidade, onde já existe muitas opções para os usuários. O que não torna o aparelho inútil, pelo contrário, chama a novas maneiras de aproveitar o espaço urbano sem utilizar combustível fóssil. Em momentos de preocupação e debate sobre mudanças climáticas explorar alternativas limpas é fundamental.  

 Entretanto, percebe-se que os estudos urbanos precisam avançar, bem como o diálogo com a prefeitura, para alinhar custos, ganho ecológico e interesse mercadológico. A experiência dos patinetes não está morta, mas funcionando em capacidade reduzida: os novos pontos na cidade não atendem o desafio de uma mobilidade do porte da cidade de São Paulo. Idealmente rapidez e mais acesso seriam chaves, mas como dito, hoje se concentram em apenas alguns pontos de coleta dos aparelhos. 

Vale ressaltar que, atualmente, o custo do compartilhamento do patinete é proibitivo – economicamente ter o próprio patinete é mais atrativo (o que impede, inclusive, deste ser um meio de transporte viável em grande escala). Dentre os custos temos a variação cambial, a importação dos equipamentos e, principalmente, eles terem sido originalmente desenvolvidos para o uso pessoal e não para compartilhamento: o vandalismo e displicência reduziram muito a vida útil e durabilidade do equipamento. Falta uma política de conscientização. 

 A realidade é que o modelo de negócios se tornou não lucrativo e, assim, a oferta diminuiu e se concentrou em determinados espaços da cidade. Porém, acreditamos que a devida regulação poderia pacificar o uso e tornar o mercado viável. Uma proposta seria a Prefeitura oferecer o modal, por concessão, utilizando bilhete único em rotas universitárias (ex. paulista, liberdade, centro). Assim, o negócio se viabiliza, já que não estará pulverizado e em disputa por market share por empresas. Por conseguinte, a empresa vencedora da licitação poderá ter um modelo lucrativo. 

 

 [1] Os autores deste texto trabalharam na Prefeitura de São Paulo no momento da implementação desse serviço.

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