O novo Código de Processo Civil abriu novas portas para a utilização do negócio jurídico processual. Entenda o seu funcionamento e os seus limites!
O negócio jurídico, em resumo, se trata de um ato, que visa produzir efeitos no mundo jurídico, originado de uma declaração de vontade que dever ser compatível com a lei que se adequa ao caso[1].
Dessa maneira, a vertente processual do negócio jurídico trata daquilo que pode ser acordado pelas partes em uma relação processual. Anteriormente, apenas alguns assuntos específicos previstos em lei podiam ser negociados entre as partes, no entanto o Código de Processo Civil de 2015 (“CPC”) trouxe uma maior gama de possibilidades de negociação.
No presente artigo apresentaremos uma breve introdução ao instituto do negócio jurídico processual, entenderemos as suas limitações, finalmente, algumas estratégias que podem ser empregadas pelas partes na celebração de contratos.
O potencial do negócio jurídico processual
Quem busca a Justiça no Brasil atualmente enfrenta uma série de problemas como burocracia, estrutura inadequada, carência de juízes e servidores, excesso de judicialização e, especialmente, morosidade[2]. O Judiciário não está preparado para atender à demanda de processos, que cresce a cada ano, resultando em uma demora excessiva para a resolução dos litígios[3]. O aumento da procura por meios alternativos de solução de conflitos, como a arbitragem e a mediação[4], está diretamente relacionado a esses problemas, uma vez que esses procedimentos podem ser completamente adaptados às necessidades específicas das partes e permitem a produção de uma sentença ou acordo em um tempo muito menor. Entretanto, esses procedimentos têm um custo que muitas vezes é elevado demais para justificar a sua adoção em disputas de menor valor.
Ao permitirem que as partes adaptem alguns aspectos do processo judicial aos seus interesses, outras formas de negócios jurídicos processuais podem contribuir com a mitigação de alguns dos problemas do Poder Judiciário sem que seja necessário recorrer a meios privados de resolução de conflitos, poupando custos. Imagine os benefícios de dispensar ou encurtar procedimentos desnecessários, reduzir prazos excessivamente longos, escolher peritos confiáveis para ambas as partes, alterar regras da produção de provas, entre outras possibilidades. Entretanto, é importe ressaltar que a autonomia das partes no processo não é absoluta: há requisitos e limites que devem ser respeitados quando da celebração do negócio jurídico processual, conforme veremos a seguir.
O negócio jurídico processual e os seus limites
O Código de Processo Civil de 1973 já trazia situações específicas em que se autorizava expressamente que as partes do processo realizassem um negócio jurídico, segundo parâmetros predeterminados[5], como o caso da eleição do foro (artigo 111 do CPC de 1973). O CPC de 2015 inovou com seu artigo 190, introduzindo no ordenamento uma “cláusula geral de negócios jurídicos processuais”:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Com o advento do artigo 190 do CPC de 2015, tornou-se possível a realização de negócios processuais que não têm previsão expressa na legislação, os chamados negócios processuais atípicos. Há, contudo, limites para a sua realização, alguns deles determinados pelo próprio artigo 190 e outros que já estão sendo delineados pelo entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Primeiramente, o negócio jurídico processual atípico só pode ser usado em processos que envolvam direito que admitam autocomposição. De maneira bastante genérica, podemos dizer que esses direitos são aqueles em que há maior prevalência dos interesses privados das partes. Dessa forma, por exemplo, não admitem autocomposição processos que envolvam direitos e garantias constitucionais, princípios fundamentais, questões de direito ambiental, penal. Além disso, as partes precisam ser plenamente capazes[6] para firmar um negócio jurídico processual.
Observados os requisitos presentes no artigo 190, passamos agora pelos elementos que podem justificar a invalidação do instrumento pelo juiz.
A primeira delas trata dos casos de nulidade. Elas são impedimento de que um determinado ato produza efeitos a partir de um determinado momento. As leis prescrevem formas e práticas que, se não observadas, causam nulidade como no caso de as partes estipularem um ato ilícito, alguma das partes foram coagidas ou agiram com dolo na construção do instrumento, ou que os dispositivos dos negócios jurídicos cerceiem o direito de defesa de uma das partes.
Por fim, existem as disposições que visam proteger as partes mais fragilizadas em uma relação jurídica. Caso o negócio jurídico processual seja inserido de forma abusiva[7] em um contrato de adesão ou uma das partes do contrato seja vulnerável o juiz poderá anular o negócio processual estipulado.
Utilizando o negócio jurídico de forma estratégica
Apesar das restrições, o rol de negócios jurídicos processuais que podem ser realizados é extenso, o que viabiliza o seu uso estratégico para produzir uma série de benefícios para as partes.
Ao celebrar um contrato as partes podem estabelecer uma cláusula que as obriga a realizar uma tentativa de mediação ou conciliação em caso de conflito, antes mesmo de ajuizar uma ação. Esse acordo reforça a intenção de resolver desavenças de forma mais amigável, além de garantir economia das despesas processuais em caso de sucesso na mediação ou conciliação. Por outro lado, também é possível a cláusula de dispensa prévia desses procedimentos.
Outra cláusula possível é a de renúncia mútua das partes ao recurso, em que se comprometem a aceitar a decisão de primeira instância como definitiva, o que pode reduzir consideravelmente a duração do processo.
O artigo 191 traz a possibilidade de as partes, em conjunto com o juiz, fixarem um calendário para a prática dos atos processuais, adaptando prazos e datas de procedimentos específicos à sua conveniência. Um ponto interessante é a dispensa da intimação para os atos processuais futuros, uma vez que as partes já estão de antemão cientes de suas datas, o que contribui para a celeridade do processo.
O artigo 373 do CPC determina que as partes podem convencionar sobre o ônus da prova, distribuindo a responsabilidade de provar determinadas espécies de fatos às partes mais aptas a fazê-lo, facilitando a fase de produção de provas, com potencial redução de custos e tempo despendido.
Quando se faz necessária a prova pericial, o perito indicado pelo juízo frequentemente não possui qualidade técnica equiparável aos melhores nomes do mercado, como aqueles que costumam atuar em arbitragem, por exemplo. Dada a importância da qualidade da perícia como prova, é interessante para as partes indicarem um perito em que ambas confiem, o que é expressamente permitido pelo artigo 471 do CPC.
É possível também convencionar uma ordem para a penhora dos bens das partes[8], isto é, dar prioridade à penhora de determinados bens sobre outros na hipótese de uma execução, de forma a minimizar o impacto nas atividades de cada um. Além disso, se esses bens podem ser previamente avaliados, garantindo maior celeridade ao procedimento.
Os exemplos acima apontados são apenas alguns dos negócios jurídicos processuais possíveis. Há diversas outras hipóteses previstas na legislação, além dos negócios atípicos que podem ser celebrados com base na regra geral do artigo 190 do CPC. As possibilidades são inúmeras, e o potencial estratégico é expressivo, porém esse instituto ainda não é utilizado com muita frequência na prática. Parte disso se dá pela própria resistência das partes em fazer esse tipo de acordo.
Quando se celebra um contrato, é compreensível que os envolvidos esperem apenas bons resultados dele. Assim, pode parecer contra intuitivo estabelecer regras para o caso de conflito entre elas. No mesmo sentido, uma vez instalado o litígio, predomina a noção de que as partes são inimigas, o que dificulta o diálogo. Entretanto, ao quebrar esse preconceito, os envolvidos têm muito a ganhar com o negócio jurídico processual, com a garantia de maior flexibilidade e redução dos custos e duração de um possível processo. Um contrato que prevê esse tipo de cláusula traz mais segurança aos contratantes, além de sinalizar a intenção de um bom relacionamento, em que se pretende valorizar a cooperação para ganho mútuo, até mesmo em situações de conflito.
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