2024 é o ano das Olimpíadas e das Paralimpíadas em Paris. Esse evento atrai atenção de muitas pessoas ao redor do mundo e, seja por sua visibilidade ou por ser um assunto do momento, muitas marcas buscam se associar ao seu destaque. Fazem isso através de comunicações publicitárias, mencionando o evento de maneira direta ou indireta, prática conhecida como marketing de emboscada.
Veja a seguir o conceito e a base legal do marketing de emboscada, além de regras específicas relacionadas às Olimpíadas e às Paralimpíadas de Paris.
/ regras gerais
O marketing de emboscada pode ser definido como uma estratégia em que “uma marca ‘pega carona’ na visibilidade e/ou prestígio de outras marcas, situações ou eventos, sem que haja uma relação jurídica que autorize tal referência”[¹].
Além de condenada pela autorregulamentação de ética publicitária (art. 31, Código de Autorregulamentação Publicitária do Conar), essa prática é proibida no ordenamento jurídico brasileiro. Inclusive, pode configurar crime:
- de publicidade enganosa, por poder levar o consumidor a erro, se entender que há uma relação entre a marca e o evento, trazendo uma credibilidade indevida para a marca que pratica o marketing de emboscada (art. 37, § 1°, Código do Consumidor). Fazer ou promover a publicidade enganosa é um crime sob a ótica das relações de consumo (art. 67, Código do Consumidor);
- de concorrência desleal (art. 195, V, Lei de Propriedade Industrial), pelo uso indevido do nome comercial ou insígnia alheios; e
- contra a Propriedade Intelectual das Organizações Esportivas, quando envolve, sem autorização, a:
a) associação a sinais visivelmente distintivos, emblemas, marcas, logomarcas, mascotes, lemas, hinos e qualquer outro símbolo de titularidade de organização esportiva (art. 170, Lei Geral do Esporte); ou
b) divulgação de marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação com sinais visivelmente distintivos, emblemas, marcas, logomarcas, mascotes, lemas, hinos e qualquer outro símbolo de titularidade de organização esportiva (art. 171, Lei Geral do Esporte).
Durante os jogos, além do panorama legal brasileiro, as regras estabelecidas pelos Comitê Olímpico Internacional (COI), Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Comitê Paralímpico Internacional (CPI) e Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), também precisam ser observadas.
Estas regras envolvem o uso de propriedades olímpicas, paralímpicas e o uso do nome e da imagem de atletas por seus patrocinadores individuais durante os períodos dos jogos.
/ regras do Comitê Olímpico
Com relação às Olimpíadas, há regras específicas e complementares às previstas acima. O COI[²] reivindica através da Carta Olímpica, a sua propriedade sobre:
- símbolos olímpicos, incluindo expressões como “Jogos Olímpicos” e “Jogos da Olimpíada”, emblemas etc.; e
- designações olímpicas: “qualquer representação visual ou auditiva de qualquer associação, conexão ou outro vínculo com os Jogos Olímpicos, o Movimento Olímpico, ou qualquer um de seus constituintes”[³].
O fato de designações olímpicas também fazerem parte das propriedades olímpicas torna juridicamente arriscada qualquer referência a este evento, mesmo que de forma genérica ou indireta.
O mesmo conceito se aplica às propriedades paralímpicas. No mais, o uso desautorizado destas propriedades pode gerar questionamentos pelo comitê titular dos direitos sobre elas, incluindo ajuizamento de ação requerendo a interrupção do uso e indenização.
Além disso, também há restrições em relação ao uso do nome e da imagem dos atletas participantes do evento. A Carta Olímpica estabelece na Regra 40 que:
“Competidores, oficiais de equipe e outros membros da equipe que participam dos Jogos Olímpicos podem permitir que sua pessoa, nome, imagem ou desempenho esportivo sejam utilizados para fins publicitários durante os Jogos Olímpicos, de acordo com os princípios determinados pelo Conselho Executivo do COI.”[⁴]
O racional por trás desta proteção, segundo o próprio COI, é não desincentivar o patrocínio oficial do evento, o que permite delegações dos mais diversos países de participarem[⁵].
Além disso, uma novidade importante nestes jogos foi o ‘Projeto Piloto’. Este projeto surgiu a partir de um acordo entre o COI e a Federação Mundial da Indústria de Artigos Esportivos (WFSGI). A partir dele, certas marcas de artigos esportivos que cumprem os requisitos para integrar tal projeto, poderão promover seus atletas antes, durante e após os jogos, através de uma flexibilização da Regra 40, devendo observar condições específicas estabelecidas no acordo firmado com a WFSGI[⁶].
/ Olimpíadas, Paralimpíadas e a Regra 40
A Regra 40 é uma determinação da Carta Olímpica que estabelece algumas diretrizes que devem ser observadas em ações publicitárias pelos patrocinadores individuais de atletas que não sejam patrocinadores oficiais dos jogos.
Os princípios-chave da Regra 40 foram delineados no documento Oportunidades Comerciais para Participantes Durante os Jogos Olímpicos Paris 2024[⁷], e algumas especificações são estabelecidas em âmbito nacional pelo COB no Manual Regra 40 de 2023.
Para Olimpíadas, os princípios-chave da Regra 40 foram delineados no documento Oportunidades Comerciais para Participantes Durante os Jogos Olímpicos Paris 20247, e algumas especificações são estabelecidas em âmbito nacional pelo COB no Manual Regra 40 de 2023.
Para atletas olímpicos, disposições da Regra 40 valem para o período dos jogos, ou seja, desde 17 de julho de 2024 até 15 de agosto de 2024[⁸]. Para atletas paralímpicos, valem de 19 de julho a 10 de setembro de 2024[⁹].
Esta regra atualmente permite que os patrocinadores individuais de atletas que não sejam patrocinadores oficiais dos jogos utilizem o nome e a imagem de seus patrocinados para fins publicitários durante o período dos jogos. Contudo, há condições específicas deste uso:
- uso da imagem do(a) atleta deve ser autorizado por ele(a);
- deve observar as políticas do COI e do comitê olímpico local, como o COB e o CPB. Por exemplo: são proibidos patrocínios em conexão com tabaco, drogas proibidas e outras categorias, como jogos de azar e negócios pornográficos ou imorais;
- a publicidade não pode usar nenhuma propriedade olímpica, e
- deve caracterizar-se como uma publicidade genérica.
O COI define como publicidade genérica qualquer publicidade de uma empresa ou marca[¹⁰]:
- onde a única conexão entre, por um lado, Paris 2024, o COI, o comitê organizador dos jogos Paris 2024 e/ou um comitê olímpico nacional (CON) e/ou a equipe olímpica nacional de um CON e, por outro lado, a atividade de marketing relevante, é o fato de que a publicidade usa a imagem de um participante dos jogos. O COB determina ainda que nenhuma referência a uma modalidade olímpica é permitida,
- que esteja no mercado há 180 dias antes do início dos jogos, segundo o COB, e
- que é executada de forma consistente e não é materialmente intensificada durante o período dos jogos.
Além destes pontos, a Regra 40 traz outras orientações, como, por exemplo, como e quando marcas podem fazer publicações de apoio e parabenização a seus atletas patrocinados individualmente, bem como de que maneira atletas patrocinados individualmente podem fazer publicações de agradecimento a seus patrocinadores.
/ o que ocorre se a Regra 40 for descumprida?
Em caso de descumprimento da Regra 40, pelo atleta, tanto o atleta quanto os comitês olímpico/paralímpico nacionais poderão ser penalizados. As sanções podem incluir exclusão da competição, perda de medalha, cobrança de multas, banimento do esporte olímpico, entre outras[¹¹].
A marca, por sua vez, poderá sofrer as sanções legais cabíveis, em razão do descumprimento das leis aplicáveis.
Vale lembrar, inclusive, que o descumprimento pode também trazer consequências reputacionais para marca, atleta e/ou comitê olímpico/paralímpico nacional.