Baptista Luz

29/05/2020 Leitura de 11’’

Operações de M&A em Isolamento Social: desafios e soluções digitais

29/05/2020

1. Introdução

 

Não há sequer uma faceta da vida e dos negócios, praticamente em qualquer lugar do mundo, que não tenha sido afetada pela pandemia da COVID-19. As grandes operações de investimento e de concentração empresarial, que chamaremos genericamente de operações de M&A, não fogem dessa regra.

Neste artigo, trataremos dos desafios enfrentados na realização de operações de M&A em meio a medidas de isolamento social necessárias para reduzir a transmissão do vírus SARS-CoV-2.

Começaremos pelos meios de assinatura de documentos e passaremos aos desafios enfrentados na implementação de tais operações, considerando a multiplicidade de documentos e autoridades registrarias envolvidas.

2. Como formalizar todos os contratos e outros documentos privados envolvidos em uma operação de M&A em tempos de isolamento social?

Partimos do pressuposto de que o melhor jeito de formalizar tais documentos é em meio eletrônico, uma vez que circular vias impressas entre as partes signatárias, além de custoso e demorado, pode contribuir para a disseminação do vírus.

Mas, como veremos abaixo, nem toda assinatura eletrônica garante a segurança necessária para uma operação de M&A.

2.1.O que é assinatura eletrônica, assinatura digital e qual é a diferença entre as duas?[1]

 

Podemos dizer que assinatura eletrônica é um gênero e assinatura digital uma espécie. São eletrônicas as assinaturas que usam meios computacionais para sua confirmação, incluindo até a autenticação eletrônica por meio de acesso a uma rede social.

Para documentos de operações de M&A, recomenda-se a utilização da chamada “assinatura digital”, uma vez que esta espécie de assinatura eletrônica é presumida como verdadeira pela MP 2.200-2/2001.

Essa assinatura é realizada por meio de certificados digitais reconhecidos pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI (autoridade certificadora raiz da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil[2]).

O certificado digital é um documento eletrônico (uma espécie de identidade virtual)[3] emitido por uma autoridade certificadora credenciada na ICP-Brasil pelo ITI. Atualmente, são conhecidos como “e-CPF” (para pessoas físicas) e “e-CNPJ” (para pessoas jurídicas)[4].O documento sobre o qual se realiza assinatura por meio de certificado digital é chamado de “conteúdo digital”.

Através do portal do ITI (https://verificador.iti.gov.br/), qualquer usuário poderá validar as assinaturas contidas em um conteúdo digital, verificando sua conformidade com as regras da ICP-Brasil.

 

2.2. Utilização de plataformas de gestão de assinaturas

 

Plataformas de gestão de assinaturas são ferramentas muito úteis para coordenação de assinaturas envolvendo diferentes signatários. Ainda que estas plataformas sejam dispensáveis (é possível utilizar o Adobe Reader para reunir assinaturas manualmente, por exemplo), elas tornam esta tarefa muito mais eficiente, especialmente em operações de M&A.

Por meio dessas plataformas: (i) o documento fica disponível para assinatura por todas as partes ao mesmo tempo, (ii) o sistema de efetivação da assinatura digital é simplificado para o signatário e (iii) é possível acompanhar em tempo real o processo de assinaturas. Após todos os signatários assinarem, a plataforma gera um documento final.

Para a escolha da plataforma de gestão de assinaturas, é importante assegurar a integração com meios de assinatura por certificado digital[5].

Além disso, recomendamos que outras características da plataforma sejam avaliadas antes de sua escolha, sendo importante notar: (i) a forma que a plataforma incorpora as assinaturas digitais no documento; (ii) se ela é intuitiva para os signatários e para o responsável pelo upload dos documentos; (iii) se há ou não a necessidade de instalação de extensões para o correto funcionamento das assinaturas; e (iv) como se dá o contato com o suporte técnico para correção de eventuais instabilidades.

É comum signatários não terem familiaridade com a assinatura digital, muito menos por meio de uma plataforma de gerenciamento de assinaturas. Nesse sentido, quanto mais simples para os signatários, melhor.

 

2.3. Configuração da assinatura de documentos e contratos em plataformas de gerenciamento de assinaturas

 

Escolhida a plataforma, recomendamos que sejam realizados testes prévios acerca do funcionamento da plataforma, upload dos arquivos, definição do padrão e da política de assinaturas a serem utilizados, bem como das ferramentas de gestão dos documentos e assinaturas.

No momento de upload dos documentos, é muito importante se atentar à política e ao padrão de assinaturas que serão aplicados, uma vez que são essas configurações que, de maneira geral, garantirão os níveis de segurança jurídica exigidos no contexto de operações de M&A.

A Política de Assinatura é o conjunto de regras responsável por formalizar a criação e verificação de uma assinatura digital, além de definir as bases através das quais a assinatura digital poderá ser considerada válida.

O Padrão (ou Perfil) de Assinatura, por sua vez, é o formato escolhido para representação de uma assinatura digital e inclui as informações necessárias para a sua validação por longo prazo.

Destacamos que diferentes políticas de assinatura oferecem diferentes níveis de segurança[6] e o padrão de assinatura pode variar de acordo com o tipo e formato do documento a ser assinado[7]. Nesse sentido, é necessário garantir que tanto a política quanto o padrão de assinaturas escolhidos sejam adequados aos documentos e operação em questão.

2.4. Questões contratuais

 

Como as assinaturas digitais já são presumidas como verdadeiras, não há a necessidade de incluir cláusula específica sobre a aceitação desse formato pelas partes signatárias.

Por outro lado, é interessante que, no documento a ser assinado, seja incluída declaração das partes envolvidas, atestando seu conhecimento e concordância com a plataforma de gestão de assinaturas a ser utilizada.

Destacamos que grande parte das plataformas não permite que uma mesma pessoa física, independentemente de quantas partes ela esteja representando, assine o documento digitalmente mais de uma vez.

Nesses casos, a recomendação é que seja incluída uma cláusula prevendo que o registro único da assinatura digital de um signatário será considerado válido para todas as partes por ele representadas. É aconselhável que haja ainda, de maneira clara – em formato de tabela, por exemplo – a indicação de cada parte, seguida de seu signatário correspondente.

Por fim, se alguma parte pessoa física ou jurídica do contrato for representada por meio de procuração, uma digitalização da procuração deve fazer parte dos documentos do contrato em questão.

2.4.1. Assinatura de testemunhas

Importante! Embora haja julgados dispensando a assinatura de testemunhas em documentos assinados por certificado digital[8], ainda não há unidade de entendimento jurisprudencial sobre o assunto (e, ainda que houvesse, este entendimento sempre pode mudar). Assim, recomendamos que, por segurança, as testemunhas também assinem o documento (por meio de certificados digitais) e sejam listadas como signatárias do instrumento, devendo ser observadas as mesmas recomendações do item acima.

Além disso, aconselhamos que o conteúdo digital não seja impresso e assinado à mão por testemunhas, porque a versão impressa não substitui o conteúdo digital em forma eletrônica, no qual estão incorporados vários protocolos de segurança e de inviolabilidade.

3. Fechamento: Como formalizar documentos sujeitos a registro público em tempos de isolamento social?

Em operações de M&A é muito comum que a assinatura do contrato de investimento e/ou de venda e compra aconteça em um determinado momento (o que é usualmente conhecido pelo seu termo em inglês, “signing”), e a efetivação da operação prevista em tal contrato aconteça em data posterior, o que chamamos de fechamento (ou “closing”).

O fechamento da operação pode envolver, além de outros documentos a serem assinados entre as partes, atos sujeitos a registro público, tais como atos societários, procurações, instrumentos de constituição de garantias, instrumentos de financiamento e escrituras públicas, transferência ou oneração de um imóvel, entre outros.

Para tanto, destacamos a necessidade de alinhamento com tais órgãos com antecedência e detalhamento, para que todos os atos possam ser praticados na mesma data e as partes envolvidas não enfrentem maiores dificuldades, tendo em vista a suspensão, alteração ou redução das atividades de determinados órgãos em decorrência da pandemia, como veremos a seguir.

 

3.1. Juntas Comerciais

 

A tendência atualmente é que as Juntas Comerciais, responsáveis pelo registro público de atos societários de sociedades empresariais, tenham seus sistemas automatizados, de modo que as assinaturas e protocolos de atos societários sejam realizados por meio eletrônico, de forma integrada.

Muitas delas já funcionam dessa forma e, por isso, não tiveram seus serviços impactados de forma tão significativa em razão da pandemia da COVID-19. Por outro lado, há Juntas Comerciais que ainda não implementaram a automatização de seus sistemas, mas mesmo assim tiveram suas atividades parcialmente suspendidas, como foi o caso da Junta Comercial do Estado de São Paulo.

Com a suspensão das atividades presenciais e a existência de Juntas Comerciais que ainda não implementaram a automatização de seus sistemas, o protocolo e arquivamento de atos societários deverão observar as regras aplicáveis à Junta Comercial de cada estado.

Em 25/03/2020, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) emitiu um Ofício Circular[9]para orientar as Juntas Comerciais e seus usuários quanto à prestação dos serviços de registro público durante esse momento, com interpretação de algumas instruções normativas já emitidas, referentes à possibilidade de digitalização de documentos físicos para instrução de pedidos de arquivamento eletrônico[10] e à autenticação de cópias de documentos por advogados e contadores[11]. Dentre tais orientações, destacamos as seguintes:

  • Caso a Junta Comercial em questão possua pedido de arquivamento eletrônico e todas as partes signatárias possuam certificado digital, a assinatura e protocolo dos atos societários ocorrerão normalmente através do sistema da Junta Comercial correspondente; e
  • Caso a Junta Comercial em questão possua o pedido de arquivamento eletrônico, mas uma ou mais partes signatárias não possuam certificado digital, a assinatura pode ocorrer: (i) em via física, diretamente pelas partes, sendo os atos societários em questão posteriormente digitalizados e autenticados pelo advogado ou o contador através de seu certificado digital, ou (ii) eletronicamente, por advogado, contador ou terceiro, desde que tal pessoa, além de certificado digital, tenha também poderes para a assinar tais documentos em nome das partes signatárias que não possuem certificado digital.

Na hipótese de a Junta Comercial em questão ainda não possuir meios eletrônicos de pedido de arquivamento, as assinaturas e protocolo de atos societários deverão observar as orientações aplicáveis à tal Junta Comercial.

Na Junta Comercial do Estado de São Paulo, por exemplo, as assinaturas pelos signatários podem ocorrer em via física, com a entrega à Junta Comercial por meio de ”Delivery” (entrega via Correios) ou “Drive Thru” (entrega via malote).

 

3.2. Cartórios de Notas/RTDs e Cartórios de Registros de Imóveis/RGIs

 

Embora sem suspensão de atividades, os cartórios contam com funcionamento em horário reduzido, de modo que eventuais registros de documentos precisarão ser alinhados com antecedência, para que tudo possa ocorrer sem imprevistos na data de fechamento.

A depender do serviço solicitado e do estado onde se está localizado, pode ser necessário o comparecimento presencial no cartório, ou alinhamento prévio com os profissionais responsáveis para comparecimento em local específico, caso não haja meios digitais para tanto nos cartórios do município de emissão do documento.

No estado de São Paulo, por exemplo, em razão do Provimento CG nº 12/2020, é possível a realização de escrituras públicas, incluídas as atas notariais, por meio eletrônico seguro, com lançamento das suas assinaturas mediante uso de certificado digital emitido por uma autoridade certificadora credenciada na ICP-Brasil.

Nesse caso, a verificação da capacidade e a formalização da vontade das partes pelo tabelião de notas podem ser feitas através de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens.

No entanto, muitos cartórios ainda não possuem esse serviço, de modo que é recomendável a confirmação prévia e consulta caso a caso.

NOTAS E REFERÊNCIAS:

 

Notas

[1] Para entender mais, ver DOC-ICP-15 em https://www.iti.gov.br/legislacao/61-legislacao/504-documentos-principais.

[2] Para conhecer mais os entes da ICP-Brasil, acessar https://www.iti.gov.br/icp-brasil/entes-da-icp-brasil. Note que uma entidade pode ter mais de uma credencial certificadora (Ex.: cumular credencias de AC – Autoridade Certificadora, AR – Autoridade de Registro e ACT – Autoridade Certificadora do Tempo).

[3] Um certificado digital associa a identidade do titular a um par de chaves criptográficas: (i) a chave privada (chave de criação de assinatura), que é conhecida e usada pelo titular, responsável pela codificação e identificação da assinatura; e (ii) a chave pública (chave de verificação de assinatura), que é divulgada pelo titular e usada para verificar a assinatura digital criada com a chave privada correspondente.

 

[4] O certificado digital pode se apresentar de várias formas: armazenado no computador ou no dispositivo móvel (celular, tablet etc.), em mídias criptográficas (token ou cartão inteligente), ou até na nuvem da autoridade certificadora que emitiu o certificado.

 

[5] Isso ocorre por envolver certas complexidades técnicas. A plataforma precisa ser capaz de (i) reunir assinaturas por certificados digitais emitidos por várias autoridades certificadoras diferentes, incluindo as chaves de validação lógica entre tais assinaturas digitais e o documento assinado, e (iii) comprovar cada uma das assinaturas no tempo (ano, mês, dia, hora, minuto e segundo) de forma padronizada. É possível que uma plataforma seja associada a uma autoridade certificadora do tempo.

[6] Para entender mais, ver DOC-ICP-15.01 e DOC-ICP-15.03 em https://www.iti.gov.br/legislacao/61-legislacao/504-documentos-principais. Atualmente existem 5 políticas diferentes: Assinatura digital com Referência Básica (AD-RB); Assinatura digital com Referência de Tempo (AD-RT); Assinatura digital com Referências para Validação (AD-RV); Assinatura digital com Referências Completas (AD-RC) e Assinatura digital com Referências para Arquivamento (AD-RA).

[7] Para entender mais, ver DOC-ICP-15 em https://www.iti.gov.br/legislacao/61-legislacao/504-documentos-principais. Para arquivos em formato PDF, o Padrão Brasileiro de Assinaturas Digitais – PBAD exige o uso dos padrões de assinatura CadES (CMS Advanced Electronic Signatures) ou PadES (PDF Advanced Electronic Signatures). Cada padrão tem suas particularidades de interação com as políticas de assinaturas.

[8] STJ. Recurso Especial nº 1.495.920 – DF (2014/0295300-9). Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgamento em 15/05/2018.

[9] Ofício Circular SEI nº 1014/2020/ME. Para ver na íntegra: https://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/OFICIOS_CIRCULARES/2020/Ofcio_Circular_SEI_1014_2020_ME.pdf

[10] Instrução Normativa DREI nº 52, de 2018. Para ver na íntegra: https://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/IN_DREI_52_Alterada_pela_IN_75.pdf

[11] Instrução Normativa DREI nº 60, de 2019. Para ver na íntegra: https://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/IN_DREI_60_2019.pdf

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