Baptista Luz

19/11/2019 Leitura de 15’’

Os efeitos da nova Medida Provisória do Contribuinte Legal

19/11/2019
  • 15’’

Revisores:

/ Ivana Marcon

/ Pamela Michelena De Marchi Gherini

Arte:

/ Laura Wolff Bandeira Klink

 

O que a inovadora Medida Provisória nº 899/2019 pretende mudar, especialmente, em relação ao instituto da transação tributária?

 

Em outubro, o Presidente da República editou uma norma especialmente interessante àqueles que possuem dívidas tributárias: a Medida Provisória nº 899, de 16 de outubro de 2019 (“MP nº 899/2019” ou “MP do Contribuinte Legal”), altamente inovadora por ser a primeira norma que busca regulamentar o instituto da transação tributária, previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional (“CTN”). No presente artigo, abordaremos as principais modificações promovidas pela norma.

Por se tratar de uma Medida Provisória (“MP”), ainda é necessário aguardar sua tramitação no Congresso Nacional para sabermos se será convertida em lei (com ou sem alterações ao seu texto por parte do Congresso). Se a MP não for convertida em lei, terá produzido efeitos apenas durante o período que permaneceu vigente.

Por essa razão, entendemos oportuno informar o que está valendo desde 16 de outubro de 2019. Assim que houver decisão definitiva do Congresso Nacional, elaboraremos uma segunda versão do presente artigo atualizando sobre o assunto.

 

1.    O que é transação tributária? Quais são os principais impactos desta nova legislação?

 

Segundo o artigo 171 do CTN, transação tributária é uma modalidade de extinção de crédito tributário, que depende de (i) existência de lei reguladora; (ii) concessões mútuas das partes envolvidas; e (iii) encerramento do litígio entre fisco e contribuintes[1].

A edição de uma norma regulamentadora desta matéria traz consequências fundamentais para a economia do país. Além de estimular a regularização e a resolução de conflitos fiscais entre a Administração Tributária Federal e os contribuintes com débitos junto à União, estima-se que essas transações possam auxiliar na regularização de 1,9 milhão de devedores, cujos débitos junto à União superam R$1,4 trilhão.

Os tributos sujeitos a transação tributária regulamentada pela MP são apenas aqueles de competência da União, não abarcando os de competência de estados e municípios.

Ainda, estima-se que a conversão da MP em lei pode produzir os seguintes resultados: o encerramento de centenas de milhares de processos administrativos e judiciais, que envolvem mais de R$600 bilhões em discussão no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), e R$40 bilhões no Poder Judiciário, atualmente garantidos por garantia ou caução.[2] Tendo estes números em mente, é importante entendermos bem as estipulações trazidas pela MP do Contribuinte Legal.

 

2.    A MP do Contribuinte Legal: overview de suas previsões.

2.1. Escopo.

 

A MP nº 899/2019 estabelece requisitos e condições segundo os quais a União e os devedores podem celebrar transação resolutiva de litígio. A transação poderá dispor sobre:

i. Concessão de descontos em créditos inscritos em dívida ativa da União que sejam classificados como de difícil recuperação pela autoridade fazendária, desde que não existam indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento;

ii. Os prazos e forma de pagamento, incluindo diferimento e a moratória; e

iii. O oferecimento, a substituição ou a alienação das garantias e das constrições.

 

2.2. Princípios.

 

De acordo com a MP, os seguintes princípios direcionam a transação tributária:

  • Isonomia;
  • Capacidade contributiva;
  • Transparência;
  • Moralidade;
  • Razoável duração dos processos e eficiência; e
  • Publicidade (resguardadas as informações protegidas por sigilo).

 

2.3.   O que pode ser alvo de transação?

 

A MP permite a transação tributária nas seguintes hipóteses:

i. Aos créditos tributários não judicializados, ou seja, aqueles ainda sob a competência e administração da Secretaria Especial da Receita Federal;

ii. À dívida ativa e aos tributos da União, de competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; e

iii. À dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais, de competência da Procuradoria-Geral Federal, e aos créditos cuja cobrança seja competência da Procuradoria-Geral da União.

 

2.4.   Modalidades de transação.

 

A transação poderá ser feita nas seguintes modalidades:

i. Proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa;

ii. Adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e

iii. Adesão no contencioso tributário de baixo valor.

  

3.          A Transação tributária na cobrança da dívida ativa.

3.1. Quem pode propor a transação tributária quando o crédito tributário já está inscrito em dívida ativa?

 

Nesta hipótese, a transação poderá ser proposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (a “PGFN”), de maneira individual ou por adesão. Nesse sentido, a transação pode ser proposta também pela Procuradoria-Geral Federal e pela Procuradoria-Geral da União. Além disso, uma inovação trazida por esta norma é o fato de que o próprio devedor pode também propor a transação.

Segundo o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, José Levi Mello do Amaral Júnior, esta inovação revela uma tentativa do governo de aproximar sua relação com o contribuinte. Ele afirma que esta relação deve ser mantida por um diálogo construtivo, em favor do interesse e do bem público. Ainda, ele argumenta que a MP traria uma mudança de paradigma entre a Fazenda e o contribuinte: passaria de uma relação de confronto, para uma relação de cooperação.[3]

 

3.2.   A proposta de transação na modalidade de cobrança da dívida ativa.

 

Na proposta de transação tributária devem estar expostos os meios para a extinção dos créditos tributários nela contemplados e o devedor deverá assumir, pelo menos, os seguintes compromissos:

i. Não utilizar a transação de forma abusiva, com a finalidade delimitar, falsear ou prejudicar de qualquer forma a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica;

ii. Não utilizar pessoa natural ou jurídica para ocultar ou dissimular a origem ou destinação de bens, de direitos e de valores, seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública federal;

iii. Não alienar nem onerar bens ou direitos sem a devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente; e

iv. Renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito.

 Ademais, é importante ressaltar que a proposta de transação não suspende a exigibilidade dos créditos por ela abrangidos, nem o andamento de execuções fiscais, no entanto, as partes podem convencionar pela suspensão convencional do processo judicial até a extinção dos créditos.

 

3.3.   O que não pode ser objeto de transação na modalidade de cobrança de dívida ativa?

 

De acordo com a MP, são proibidas transações que envolvam:

i. Redução do montante principal do crédito inscrito em dívida ativa;

ii. Multas agravadas aplicadas nos casos de dolo, fraude, sonegação, simulação, em que se configure crime contra a ordem tributária e as multas de natureza penal; e

iii. Os créditos tributários do Simples Nacional, FGTS e aqueles não inscritos em dívida ativa.

 

3.4.   Prazos de pagamento para os débitos a serem transacionados na modalidade de cobrança da dívida ativa.

 

Além de nos atentarmos às restrições previstas na MP é necessário estarmos de olho também nas limitações temporais previstas na norma. Nesse sentido, esses são os prazos de pagamento estipulados na MP para as propostas de transação:

  • Para pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte: o pagamento poderá ser realizado em até 100 meses e o valor total dos créditos a serem transacionados poderá ter desconto de até 75%;
  • Para os demais contribuintes: o pagamento poderá ser realizado em até 84 meses e o valor total dos créditos a serem transacionados poderá ter desconto de até 50%.

 

3.5.   Hipóteses de rescisão da transação na modalidade de cobrança da dívida ativa e seus efeitos.

 

A MP do Contribuinte Legal prevê as seguintes hipóteses de rescisão da trasação tributária[4]:

  • O descumprimento das condições, das cláusulas ou dos compromissos assumidos;
  • A constatação de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente à celebração da transação;
  • O pedido de falência ou de extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente;
  • A ocorrência de alguma das hipóteses rescisórias adicionalmente previstas no respectivo termo de transação.

Por sua vez, são os seguintes efeitos da rescisão da transação:

  • A cobrança integral das dívidas, deduzidos os valores pagos;
  • Autorização para Fazenda Pública requerer a falência da empresa ou a convolação da recuperação judicial em falência.

Por fim, vale mencionar que a modalidade de transação na cobrança de dívida ativa será disciplinada e regulamentada por ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

 

4.          Transação tributária na cobrança de débitos em sede de contencioso tributário.

4.1. Como funciona a transação tributária na modalidade por adesão no contencioso tributário?

 

Outra modalidade de transação tributária prevista na MP do Contribuinte Legal é  a transação por adesão no contencioso tributário, nas seguintes situações: (i) que versem sobre teses relevantes e de disseminada controvérsia jurídica; e (ii) no contencioso tributário de baixo valor.

A MP não traz dispositivo específico sobre a forma e as hipóteses de adesão para transação tributária de débitos objeto de contencioso tributário de pequeno valor, regulamentando somente a transação tributária no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica. Por isso, aguardaremos a conversão da MP em lei para analisar se tal ausência será corrigida pelo Poder Legislativo ou se as previsões da transação tributária por adesão no contencioso tributário se aplicarão a ambas hipóteses.

 

4.2. Quem pode propor transação na Modalidade por Adesão no Contencioso Tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica?

 

Nesta hipótese, a transação somente poderá ser proposta pelo Ministro do Estado da Economia aos contribuintes litigantes de débitos e litígios tributários  que discutam relevante e disseminada controvérsia jurídica.

 

4.3. A proposta de transação na modalidade por adesão no contencioso tributário.

 

Conforme esclarecido acima, o procedimento de transação por adesão no contencioso tributário, objetivando a resolução de litígios tributários ou aduaneiros que versem sobre relevante e disseminada controvérsia jurídica, será estabelecido em ato do Ministro do Estado da Economia a ser divulgado mediante publicação de Edital na imprensa oficial e nos sites da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e da Secretaria da Receita Federal.

Nesta hipótese de proposta de transação tributária, todos os sujeitos passivos que se enquadrem no escopo deste Edital e satisfaçam seus requisitos e os da MP do Contribuinte Legal podem solicitar sua adesão à transação.

Vale ressaltar que a competência para a celebração de transação nesta modalidade é da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, no âmbito do contencioso administrativo, e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nas demais hipóteses legais.

 

4.4. O que não pode ser objeto de transação na modalidade por adesão no contencioso tributário?

 

No âmbito da transação por adesão no contencioso tributário, é proibido na transação por adesão no contencioso tributário:

i. A acumulação das reduções oferecidas pelo edital com quaisquer outras asseguradas na legislação em relação aos créditos abrangidos pela proposta de transação tributária;

ii. A celebração de nova transação relativa à mesma controvérsia jurídica objeto de transação anterior, com o mesmo sujeito passivo;

iii. Sobre matérias em que há previsão legal de dispensa de contestar e recorrer pela PGFN[5], ou quando a jurisprudência for totalmente desfavorável à Fazenda Nacional;

iv. Sobre matérias em que há decisão de reconhecimento de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) em sede de controle difuso, ou sobre tema no qual exista enunciado de súmula vinculante ou que tenha sido definido pelo STF em sentido desfavorável à Fazenda Nacional[6], ou quando a jurisprudência for totalmente favorável à Fazenda Nacional; e

v. Sobre matérias decididas pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, nos moldes do artigo 19, VI, da Lei nº 10.522/2002, no que couber, quando a jurisprudência for em sentido integralmente favorável à Fazenda Nacional.

 

4.5. Prazos para pagamento na transação tributária na modalidade por adesão em contencioso tributário.

 

Os prazos estipulados para a proposta de transação nesta modalidade são:

  • Para pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte: o pagamento estipulado pela transação poderá ser realizado em até 100 meses e o valor total dos créditos a serem transacionados poderá ter desconto de até 75%;
  • Para os demais contribuintes: o pagamento estipulado pela transação poderá ser realizado em até 84 meses e o valor total dos créditos a serem transacionados poderá ter desconto de até 50%.

Contudo, é fundamental ressaltar que nesta modalidade de transação é vedada a restituição de valores pagos ou já compensados.

 

4.6. Hipóteses de rescisão da transação na modalidade de adesão no contencioso tributário.

 

A MP do Contribuinte Legal prevê as seguintes hipóteses de rescisão da transação:

  • Quando contrariar decisão judicial definitiva prolatada antes da celebração da transação;
  • For comprovada a existência de prevaricação, concussão ou corrupção passiva na sua formação;
  • Ocorrer dolo, fraude, simulação, erro essencial quanto à pessoa ou quanto ao objeto do conflito; ou
  • For constatada a inobservância de quaisquer disposições da Medida Provisória n° 899/2019 ou do edital.

Por sua vez, o efeito da rescisão aqui implica no afastamento dos benefícios concedidos e na cobrança integral das dívidas, deduzidos os valores pagos, sem prejuízo de outras consequências previstas no Edital.

 

4.7. Os deveres do sujeito passivo na transação na modalidade por adesão no contencioso tributário.

 

Segundo disposto na MP, são deveres do sujeito passivo que aderir à transação por adesão no contencioso tributário:

  • renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem ações judiciais, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito;
  • requerer a homologação judicial do acordo;
  • desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos.

 

5.          Efeitos e próximos passos.

 

A edição desta MP é um passo muito importante por ser a primeira tentativa de regulamentar o instrumento jurídico de transações tributárias previsto no Código Tributário Nacional. Trata-se de uma possibilidade de tornar o sistema tributário mais eficiente e mais justo.

Finalmente, vale relembrar que a MP é um instituto jurídico com força de lei e produtora de efeitos imediatos, podendo ser editada pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Após sua edição, ela precisa ser apreciada pelo Congresso Nacional para ser convertida em lei.

Quanto à sua duração, nota-se que a validade inicial é de 60 dias, e este prazo de vigência pode ser prorrogado por mais 60 dias caso a matéria ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso. Se a Medida Provisória não for apreciada em até 45 dias, a pauta do Congresso é trancada e a MP entra em regime de urgência, para que os membros do legislativo decidam se acolherão ou rejeitarão a medida.

Isso significa que a MP do Contribuinte Legal está produzindo efeitos desde a sua promulgação, contudo, dependerá da aprovação do Congresso Nacional para ser transformada em lei e assim, produzir efeitos permanentes em nosso sistema jurídico. Mesmo que ela não seja aprovada, tudo que tiver sido feito durante o período que ela vigorou será válido. Por isso, a importância de saber o que foi promulgado, mesmo que a MP venha a ser “derrubada” ou modificada no Congresso.

 

NOTAS E REFERÊNCIAS:

Notas

[1] LOBO, Diana de Barros; OLIVEIRA, Phelippe Pires de. Transação tributária: mito ou realidade. Disponível em: < https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2018/05/08/transacao-tributaria-mito-ou-realidade.ghtml >

[2] BRASIL. Ministério da Economia. Governo edita MP do Contribuinte Legal para estimular regularização de dívidas junto à União. Disponível em: <  www.economia.gov.br/noticias/2019/10/governo-edita-mp-do-contribuinte-legal-para-estimular-regularizacao-de-dividas-junto-a-uniao#wrapper >

[3] BRASIL. Ministério da Economia. Governo edita MP do Contribuinte Legal para estimular regularização de dívidas junto à União. Disponível em: < https://www.economia.gov.br/noticias/2019/10/governo-edita-mp-do-contribuinte-legal-para-estimular-regularizacao-de-dividas-junto-a-uniao > Acesso em 01.11.2019

[4] É importante esclarecer que o devedor será previamente notificado caso seja verificada ocorrência de alguma destas hipóteses de rescisão, podendo, inclusive, impugnar este ato no prazo de 30 dias. Neste mesmo prazo de impugnação, o devedor poderá regularizar o vício que ensejou a notificação de rescisão.

[5] Conforme previsão contida no artigo 19 da Lei nº 10.522/2002.

[6] Conforme previsão contida no artigo 19, V, da Lei nº 10.522/2002.

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