Em meio à pandemia do coronavírus e seus desdobramentos, um caso nos Estados Unidos envolvendo propriedade intelectual chamou bastante atenção. Foi um momento de ressurgimento de uma espécie maligna de monstros que volta a assolar a humanidade – ou, pelo menos, o mundo da propriedade intelectual: são os patent trolls.
O que é Patent Troll?
Patent troll é o nome dado a empresas ou pessoas que compram ou realizam o depósito de patentes genéricas e propositalmente dúbias e, a partir disso, enviam inúmeras notificações extrajudiciais a diversas empresas, acusando-as de infração de patentes e até mesmo ingressam com ações judiciais contra estas empresas – geralmente com o objetivo de conseguir um acordo extrajudicial, já que o valor requerido pelos patent trollsé inferior ao custo de defesa em uma ação judicial de infração de patentes, nos Estados Unidos.
Dessa forma, os patent trolls não agem de boa-fé e impactam diversas empresas e, com elas, a economia e a sociedade como um todo, uma vez que não produzem nem pretendem produzir produtos objeto das patentes, mas apenas obtêm seus direitos para reivindicá-los contra terceiros que efetivamente fornecem bens ou serviços. E, assim, os patent trollsfazem seu negócio e ganham muito dinheiro. E, por incrível que pareça, tem gente aproveitando o momento com isso…
Patent Trolls em tempos de Coronavírus
Ainda que sejam mais comuns no mercado de software, um patent trollcausou grande repercussão e espanto ao processar uma das empresas que estão fazendo os testes do Coronavírus, alegando que estes violam suas patentes e exigindo que o tribunal impeçaa empresa de realizar os testes.
A responsável por isso é a Labrador Diagnostics LLC, empresa não operacional, criada pela Fortress Investment Group, que por sua vez tem o Softbank como um de seus investidores. O curioso é que a patente em questão foi, na verdade, comprada do espólio da Theranos, empresa de Elizabeth Holmes e que ficou conhecida por ter sido considerada uma das maiores fraudes da história do Vale do Silício, tema do best-sellerBad Blood, e que deve virar filme de Hollywood nos próximos anos.
A questão é tão absurda que Labrador Diagnostics LLC exige que o tribunal proíba a BioFire de continuar produzindo os testes, tão importantes para o controle do coronavírus.
Existem Patent Trolls no Brasil?
Aqui, felizmente, esta prática não acontece. Os patent trollssão um reflexo de fatores que estão presentes no cenário estadunidense, porém ausentes no Brasil.
Ao contrário dos Estados Unidos, os custos de um litígio no Brasil são menores, em especial por conta do direito a júri popular previsto na Constituição dos EUA. Ainda, no Brasil existe um volume baixo de patentes, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, que possui uma economia altamente movida por inovações e um órgão de patentes que possibilita e, inclusive, facilita a concessão de patentes genéricas e abstratas. No Brasil, a análise para a concessão de patentes, além de mais morosa, é notadamente mais rigorosa, assim como os requisitos legais para a obtenção da patente.
Outro aspecto que não favorece a proliferação desses monstros por aqui refere-se às diferenças no regime legal atribuídos a software. Diferente do que ocorre nos EUA, em que decisões judiciais reconhecem a patenteabilidade de software – e que somam a maior parte dos patent trolls por lá –, no Brasil existe pacificação em torno da ideia de que software em si, não é patenteável, mas sim protegido por direito autoral.
Enquanto o regime de patentes, ao conferir exclusividade para a utilidade técnica produzida pela execução do programa, cria reserva de mercado sobre aquela aplicação, obstruindo a produção intelectual de formas alternativas de programação, o regime de direito autoral para software é muito mais aberto, pois permite maior concorrência e evolução nos modelos de negócio.
Vale destacar que no Brasil é possível registrar de programas de computador, por meio do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (“INPI”). Apesar da proteção de direito autoral independer de registro, ele serve para garantir maior segurança jurídica ao seu detentor, caso haja demanda judicial, ou até extrajudicial, para comprovar a autoria ou titularidade do programa.
Além do registro, é muito importante que o titular do software resguarde a sua titularidade por meio de contratos, NDAs, termos de cessão e outros documentos, de tal forma que sejam previstas e bem delimitadas as cláusulas de propriedade intelectual, para a proteção do detentor dos direitos sobre o software.
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Veja também:
- COVID-19: privacidade e proteção de dados no ambiente de trabalho
- Covid-19 e os Contratos com a Administração Pública
- Deliberações societárias a distância em tempos de Coronavírus
Fontes
MAGALHÃES, Ari. O que é um “patente troll?”. 26 jul 2019. Disponível emhttps://www.oconsultorempatentes.com/post-unico/patent-troll Acesso em 26 mar 2020.
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WESTMAN, Nicole. A SoftBank-owned company used Theranos patents to sue over COVID-19 tests. 18 mar 2020. Disponível em https://www.theverge.com/2020/3/18/21185006/softbank-theranos-coronavirus-covid-lawsuit-patent-testing Acesso em 26 mar 2020.
Contribuição do Centro de Competência em Software Livre da Universidade de São Paulo CCSL/USPem conjunto com Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro – CTS-FGVacerca do documento: “Procedimentos para o exame de pedidos de patentes envolvendo invenções implementadas por programa de computador” submetido à Consulta Pública pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – INPI/MDIC.
SMANIOTTO, Luca Mantovani. Patent trolls: desdobramentos e eventual atuação no cenário brasileiro. Disponível em https://lume.ufrgs.br/handle/10183/199902Acesso em 26 mar 2020.
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