O que são e como o Direito Autoral protege os podcasts no Brasil?
Apesar da tecnologia de podcasting não ser tão recente, este é um mercado que cresceu significativamente nos últimos anos de maneira a se reinventar e diversificar. Segundo a Associação Brasileira de Podcasters (“ABPod”):
“Podcasts são programas de áudio ou vídeo, cuja principal característica é um formato de distribuição chamado podcasting. Podcasting é um meio de publicação de arquivos de mídia digital através de feed RSS, o que permite aos seus assinantes o acompanhamento ou download automático do conteúdo à medida que é atualizado.” [1]
Contudo, o termo podcast tem sido utilizado de maneira mais ampla se referindo a diversos programas em áudio conforme explicaremos mais detalhadamente a seguir. Desde sua criação esta tecnologia permitiu uma maior democratização na produção de conteúdo online, uma vez que surgiu antes que produção de conteúdo online ocorresse de forma tão pronunciada pelas redes sociais. Os primeiros podcasts vieram como uma forma de se contrapor à mídia tradicional dando voz a pessoas comuns[2].
O objetivo deste artigo é explicar de maneira breve como funcionam os podcasts, e tecer breves comentários sobre a proteção garantida via direitos autorais. Para isso, falaremos sobre como esta tecnologia surgiu e como passou a ser empregada principalmente no Brasil. Depois, analisaremos rapidamente dados coletados pela ABPod na pesquisa que realizaram em 2018 (“PodPesquisa”), um instrumento fundamental para compreensão do crescimento e penetração da mídia podcast no Brasil. Por fim, abordaremos as principais proteções conferidas pela Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (“Lei de Direitos Autorais”) aos podcasts e seus criadores (“podcasters”).
Surgimento do podcast e sua chegada ao Brasil
Segundo Ana Carmen Foschini e Roberto Romano Taddei em seu texto “Coleção Conquiste a Rede – Podcast” eles entendem podcast como:
“(…) um meio veloz de distribuir sons pela internet, um neologismo que funde duas palavras: iPod, o tocador de arquivos digitais de áudio da Apple, e broadcast, que significa transmissão em inglês.
O podcast tem vários programas, ou episódios, como se fosse um seriado. Os arquivos ficam hospedados em um endereço na internet e, por download, chegam ao computador pessoal ou tocador. Você pode baixar o arquivo no computador, no iPod, no celular ou em um PDA (computador de mão). Para ouvir quando quiser.”[3]
Contudo, além disso, existe o componente RSS feed [4], que conforme a ABPod é simplificadamente:
“(…) uma maneira de um programa chamado agregador de conteúdo saber que um blog foi atualizado sem que a pessoa precise visitar o site. (…) Antes, esse sistema funcionava para arquivos de texto, mas, em 2003, Dave Winer criou uma forma de fazer o RSS funcionar também para arquivos de áudio, para que o jornalista Christopher Lyndon pudesse disponibilizar uma série de entrevistas na internet.
Só que isso ainda não era podcast. Ao menos, não como nós entendemos hoje em dia. Só no ano seguinte, em 2004, que ocorreu o “pulo do gato” que passou a diferenciar de vez esse sistema do RSS “normal”: Adam Curry criou, a partir de um script de Kevin Marks, uma forma de transferir esse arquivo de áudio disponibilizado via RSS para o agregador iTunes (que na época era a única forma de “alimentar” de conteúdo os iPods, populares tocadores de mídia da Apple – o iPhone ainda não havia sido lançado). Esse sistema, chamado de RSStoiPod (um nome não muito criativo, mas que mostra de forma bem clara sua função) foi disponibilizado para que outros programadores o utilizassem livremente, o que fez com que vários outros agregadores passassem a também trazer esse download automatizado de arquivos de áudio.” [5]
Assim, o podcast se tornou uma mídia bastante semelhante a programas de rádio em que pessoas produzem conteúdos em áudio ou vídeo de diversos tipos permitindo um grande alcance pela criação da tecnologia RSS feed. É bem verdade que algumas pessoas questionam se é necessário que a distribuição do conteúdo seja via RSS feed para que seja considerado um podcast, sendo mais importante o formato da mídia e não o meio de distribuição. De uma forma ou de outra, nosso objetivo principal é falar sobre direito autoral.
Podcast no Brasil: Resultados da PodPesquisa 2018[6]
A ABPod realizou uma pesquisa em 2018 com o objetivo de compreender o crescimento e penetração dos podcasts no Brasil. Esta foi a quarta edição da PodPesquisa que em 2018 recebeu mais de 22 mil respostas, sendo até o momento a maior pesquisa sobre o tema no país. Em termos de método, foram levantadas informações de 3 grupos diferentes: ouvintes de podcast, produtores de podcast e não ouvintes de podcast, visando entender as similaridades e diferenças entre eles. A pesquisa foi quantitativa, coletada online.
Os resultados mostram que a característica do ouvinte de podcast é majoritariamente masculina[7], jovem, alto grau de escolaridade, e habitante de estados do sul e sudeste. Além disso, 39,7% dos entrevistados que responderam à questão: “Há quanto tempo você ouve podcast?” optaram pela opção “Mais de 5 anos” mostrando que a grande maioria dos ouvintes segue a mídia há bastante tempo.
Os produtores de podcast também se enquadram neste mesmo perfil, masculino, jovem, alto grau de escolaridade, e habitante de estados do sul e sudeste com mais de 50% deles também consumindo podcasts há mais de 5 anos. A produção também é majoritariamente caseira com 73,5% dos podcasters entrevistados dizendo que gravam “em casa ou qualquer lugar, utilizando poucos equipamentos”.[8]
A proteção conferida pela Lei de Direitos Autorais aos podcasters
Assim como músicas, quadros, fotografias, filmes e outras criações do espírito (conforme define a lei) é possível dizer que podcasts também sejam compreendidos como obras e por isso gozem de proteção jurídica conforme a Lei de Direitos Autorais. Determinar o que é ou não obra é algo relativamente complexo pois no final das contas é o que determina se algo receberá ou não proteção jurídica. É como tentar delimitar o que é ou não arte, trata-se de um tópico controverso.
Conforme as palavras de Denis Borges Barbosa, importante pensador do direito autoral brasileiro:
“Observe-se, ademais, que o que recebe proteção não é o objeto em si (livros, escultura, etc.), nem a ideia ou a solução de um problema técnico, mas a expressão do autor. Portanto, o tema da obra, as informações nela contidas, o meio físico no qual esta fixada, os dados científicos, etc., todos estes elementos estão excluídos da incidência do Direito.” [9]
Assim, para que algo esteja sobre a proteção do direito autoral brasileiro é preciso que seja classificado como uma obra intelectual, que conforme o artigo 7° da Lei, “são criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. Havendo o componente de intencionalidade de criar conteúdo criativo para divulgação entendemos que podcasts, como regra geral, podem ser entendidos como criações do espírito e por isso merecem proteção de obra intelectual.
Os incisos do artigo 7° trazem uma lista exemplificativa do que está protegido pela lei, e dentre estes dois são importantes para o ramo de podcasts:
“Art. 7° (…)
II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;
(…)
VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;”
No nosso entendimento, podcasts feitos em formato de áudio poderiam se enquadrar conforme o inciso II principalmente em razão da abertura dada por pelo trecho “outras obras da mesma natureza”. Por isso, mesmo que o podcast não seja um sermão, por exemplo, a criação do conteúdo apresentado no podcast tem natureza semelhante. Além disso, se utilizarmos o significado mais amplo de alocução, que é “qualquer ato de comunicação oral em que um falante se dirige a outro”[10] é visível que o podcast se enquadraria neste perfil.
Conforme já mencionamos, existem podcasts também em formato de vídeo e pensando nisso poderiam ser protegidos como obras conforme o inciso VI por serem obras audiovisuais sonorizadas. O podcast em vídeo seria então uma obra audiovisual[11] e o podcast em áudio seria uma obra em fonograma[12].
Portanto, se é possível entender podcast como obra intelectual conforme a lei, o passo seguinte é entender as principais implicações legais relacionadas.
Conforme o artigo 22 da Lei de Direito Autoral, “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou” [13] (grifos nossos). Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis e estão listados nos incisos do artigo 24 da lei. Alguns dos direitos morais relevantes para podcasters são os seguintes, o que não quer dizer que os direitos presentes nos outros incisos não sejam aplicáveis aos podcasts:
“I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
(…)
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;”
O direito expresso no inciso I do artigo 24 é basicamente o de ser reconhecido como criador do podcast a qualquer momento podendo reivindicar a autoria caso alguém se apresente como autor, por exemplo. O direito do inciso II fala do direito do podcaster exigir que quando o podcast for utilizado que o seu nome seja mencionado em conjunto.
O direito do inciso IV pode ser invocado em diversos casos, um exemplo possível é o de alguém realizar uma edição do podcast de maneira a descontextualizar o que foi dito pelo podcaster dando um sentido diverso do que foi inicialmente pretendido. Caso isso ocorra, o podcaster pode exigir que o podcast adulterado seja retirado do ar.
Já os direitos patrimoniais são um pouco mais extensos e em sua maioria presentes entre os artigos 28 ao 45 da Lei de Direitos Autorais. Seria impossível em um texto como este analisar cada um dos direitos patrimoniais conferidos pela lei, por isso, faremos breves comentários sobre apenas alguns dispositivos.
É importante mencionar por exemplo, que conforme o artigo 29, algumas utilizações da obra exigem autorização prévia e expressa do autor (neste caso, do podcaster), dentre elas:
“I – a reprodução parcial ou integral;
II – a edição;
III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV – a tradução para qualquer idioma;
V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
(…)”
Portanto, se houver a intenção de um podcaster de traduzir um podcast que não é seu para uma outra língua é necessária a autorização do podcaster autor do original. No mesmo sentido, não se pode fazer transformações, adaptações, arranjos em um podcast sem a autorização do autor do original.
Outro exemplo relevante para este contexto é o de inclusão de trechos de outras obras (sejam elas músicas, trechos de clipes, fotografias etc) que não são de sua autoria no seu podcast. A depender do objetivo da inclusão desta obra de terceiro no podcast pode ser necessário pedir autorização. No passado, eram comuns os podcasts que se assemelhavam a programas de rádio tocando músicas e fazendo comentários a estas. Fazer isso sem a devida autorização e sem pagar as taxas para reprodução do conteúdo fere o direito autoral dos autores das obras reproduzidas e pode originar processos judiciais.
Por outro lado, conforme o inciso III do artigo 46 da lei, não constitui ofensa a direito autoral: “a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra”. Portanto, se for utilizado um trecho específico de uma música por um podcaster que produz conteúdo sobre arranjos musicais e aquele trecho foi utilizado como exemplo para fazer um comentário para fins de estudo, não seria necessária a autorização, diferente de reproduzir o conteúdo na íntegra em um podcast que simula um programa de rádio.
No que se refere ao prazo dos direitos patrimoniais, estes perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor[14], sendo que o prazo para obras audiovisuais e fotográficas é de setenta anos, a contar de 1° de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação[15]. Esse fato parece irrelevante, contudo, trata-se do tempo que o autor e seus sucessores poderão disfrutar dos valores que tal obra gerar antes que caia em domínio público[16].
Assim, podemos observar que o ato de criar um podcast resulta em diversos direitos para o autor e obrigações para aqueles que utilizam o conteúdo. Existem ainda muitos outros aspectos sobre direito autoral de podcast que não foram abordados neste artigo. O entendimento adequado deste assunto por aqueles que trabalham no meio é uma forma de prevenir conflitos que eventualmente possam resultar em indenizações por uso indevido de obras intelectuais. Se o podcaster estiver na dúvida se o formato de seu programa é adequado perante o Direito Autoral brasileiro talvez seja interessante buscar uma opinião jurídica para evitar problemas futuros.
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