-
Introdução
Nos últimos anos, o mercado de games apresentou um crescimento acelerado no Brasil, que foi ainda mais acentuado por consequências trazidas pela quarentena em virtude da pandemia da Covid-19. Pesquisas realizadas pela Visa Consulting & Analytics, apontam que houve um crescimento de cerca de 140% no faturamento de 2020 do mercado no país. Atualmente, o país ocupa a 12ª posição no ranking mundial de receita pelo consumo de games, conforme estudo apresentado pela Newzoo no BIG Festival 2021 (Brazil’s Independent Games Festival). Para 2021, a Newzoo prevê que a receita deverá atingir a marca de 2,3 bilhões de dólares.
Os games estão entre as principais formas de diversão e entretenimento dos brasileiros. Segundo a Pesquisa Games Brasil (PGB) 2021, 72% da população afirma jogar. Quanto ao perfil dos gamers, a pesquisa indica que a maior parte do público é adulto – tem, predominantemente, entre 20 e 29 anos (41,1%) – e se identifica como gênero feminino (51,5%). Além disso, a maioria costuma utilizar dinheiro para adquirir itens nos jogos e bens virtuais.
Os números são promissores e fazem com que o setor atraia cada vez mais investimentos. Com o aumento e barateamento da qualidade e capacidade dos smartphones e consoles, além da maior oferta de games acessíveis em nível mobile, a tendência é que a população brasileira jogue e consuma ainda mais.
O último censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, publicado em 2018, já indicava a existência de 375 empresas de jogos no país, uma expansão de 182% em relação a 2014. A crescente expansão do setor, não só no Brasil, mas internacionalmente, torna fundamental que as empresas interessadas em expandir seus negócios de jogos no país – seja abrindo empresas ou investindo – possuam conhecimentos mínimos para planejar seus negócios e avançar com confiança no mercado brasileiro. Este artigo fornece acesso a alguns conceitos-chave e pontos sensíveis, analisados por nossos advogados especializados, com atenção especial para a indústria de games brasileira e questões de propriedade intelectual.
new RDStationForms(‘formulario-transacoes-de-tecnologia-6bb7ab4378d86279968a’, ‘UA-91686746-1’).createForm();
-
Aspectos relacionados à Propriedade Intelectual de games
-
Software
Quando se avalia os aspectos de propriedade intelectual de um game, o primeiro ponto de atenção legal é definir a quem pertencerá a titularidade e os direitos patrimoniais ligados ao programa – direito de uso, venda e distribuição, entre outros – e garantir que a empresa ou pessoa possua formalmente esses direitos.
Conforme o art. 4º Lei n. 9.609/98 (“Lei do Software”), esses direitos pertencerão ao empregador ou contratante, quando o software for desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário.
Contudo, considerando o trabalho substancial envolvido nessa etapa, é recomendável formalizar, por meio de termo ou contrato, a cessão de direitos sobre aquele trabalho com todos os envolvidos na produção – seja o idealizador, designer, programador ou outro. Isso pois, além da transparência sobre o assunto para todas as partes envolvidas, evitam-se disputas administrativa e judiciais, tornando inclusive aquele jogo mais atrativo para investimentos.
Em paralelo à cessão de direitos com as partes envolvidas, é também possível realizar o registro do game como programa de computador no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”). Como os softwares são protegidos por direito autoral, tal registro não é obrigatório e a lei entende que o programa já está protegido desde sua divulgação.
Apesar da não obrigatoriedade de registro para que a proteção intelectual exista, este serve como uma comprovação do estado em que o game se encontrava no momento do lançamento e cria fortes indícios de sua titularidade, evitando (ou ao menos dificultando) reclamações de terceiros, bem como oferecendo maior segurança jurídica ao titular.
-
Marcas
O registro de uma marca, assim como o do programa de computador, é feito no INPI. Contudo, ao contrário da proteção dada aos direitos autorais, a marca somente receberá proteção total após o seu registro formal, conforme o art. 129 da Lei n. 9.279/96 (“Lei de Propriedade Industrial”).
Nesse contexto, é recomendado realizar o depósito do pedido de registro antes da disponibilização de quaisquer informações sobre o jogo para o público, em especial em relação a seu nome e imagens que serão utilizadas para a venda. Além de garantir a proteção sobre tais nomes e figuras por meio do depósito, é recomendado verificar se não existem outras empresas e pessoas utilizando marca parecida ou idêntica para outros jogos antes do registro, evitando que o nome e a estratégia comercial de divulgação tenham que ser alterados após o lançamento.
Segundo o art. 122 da Lei de Propriedade Industrial, podem ser registrados todos os sinais “visualmente perceptíveis”, incluindo nomes, imagens e sinais tridimensionais (como, por exemplo, a garrafa da Coca-Cola). Isso incluí não apenas o nome da empresa que produz um jogo, mas também o nome do jogo e as imagens que serão utilizadas para vende-lo. Além disso, também existe o costume, ainda que tais elementos às vezes não possam ser classificados como marca, de registrar o nome de personagens ou itens do universo dos games, quando estes tornam-se tão famosos que acabam sendo utilizados para exploração de outros produtos derivados.
Concedido o registro, conforme o art. 135 da Lei de Propriedade Industrial, o titular da marca terá direitos exclusivos sobre a utilização daquele nome e/ou logo. Assim, torna-se mais fácil comprovar e impedir eventual reprodução ou imitação realizada por terceiros, solicitar indenização por danos materiais e morais em caso de violação, bem como dar maior liberdade para o seu licenciamento e venda.
-
Direitos Autorais
Os direitos autorais (previstos na Lei n. 9.610/1998) são uma importante proteção para a maioria das empresas de jogos, sendo uma ferramenta adequada para proteger a propriedade do jogo devido à sua facilidade de uso e versatilidade.
A lei de direitos autorais protege obras originais de autoria humana, que estejam contidas em qualquer meio tangível (e.g. um pen-drive) ou intangível (e.g. um arquivo no computador), por tempo limitado, que no Brasil corresponde à vida do autor mais 70 anos após a sua morte. Direitos autorais protegem obras literárias, dramáticas, musicais e artísticas, incluindo poesia, romances, filmes, músicas, software, arquitetura, videogames e até personagens fictícios. Findado o período de proteção intelectual, as obras antes protegidas por direitos autorais entram em domínio público, e se tornam gratuitas para qualquer pessoa usar e explorar, desde que ainda observados os direitos morais dos autores.
No universo de games, os direitos autorais abrangem histórias, personagens, cenários, músicas, gráficos e até mesmo o próprio código-fonte. No entanto, é importante frisar que os direitos autorais protegem a expressão das ideias, não as ideias em si. Isso gera duas consequências: Primeiro, nenhuma ideia de jogo é protegida por direitos autorais até que sejam fixadas em algum meio (como código-fonte, ou em um arquivo de word, por exemplo). Em segundo lugar, ideias semelhantes adotadas em diferentes jogos não necessariamente infringem os direitos autorais de terceiros. Assim, por exemplo, caso seja registrado um jogo de tiro FPS, não haverá violação ao direito de quem registrou caso outra pessoa também faça um registro do mesmo gênero do jogo com elementos diferentes. É dizer: existe uma linha tênue entre a ideia/inspiração e a obra intelectual em si.
Outra característica importante é que os direitos autorais concedem ao titular o direito de impedir que outros explorem a sua obra. Direitos autorais também são fáceis de invocar e independem de registro, existindo desde o momento da criação do jogo. Em contraste, patentes e marcas possuem complexos sistemas de registro, e segredos comerciais exigem que certas etapas sejam seguidas dentro da empresa, com vigilância constante para proteger o direito. Mesmo que o registro não seja necessário para invocar direitos autorais, pode ser recomendado, uma vez que é uma eficiente forma de comprovar autoria e anterioridade em caso de disputas.
Deve-se também ter em mente que várias licenças diferentes podem ser adquiridas para produzir um jogo que utiliza direitos autorais de terceiros. Adquirir o direito de fazer um trabalho derivativo, por exemplo, pode ser um processo complexo. Como exemplo, em 2001, a Electronic Arts (EA) desenvolveu o primeiro jogo “Battle for Middle Earth” com base em uma licença de filmes do diretor Peter Jackson. Sob esta licença, a EA só poderia produzir conteúdo de jogo, ou trabalhos derivativos (adaptações) dos filmes de Jackson.
Foto divulgação: Eletronic Arts
No entanto, em 2005, enquanto criava a sequência de “Battle for Middle Earth” e outros jogos derivados da trilogia “Senhor dos Anéis”, a EA adquiriu uma licença para produzir um jogo baseado nos trabalhos publicados de Tolkien, autor dos livros nos quais os filmes de Jackson se baseavam. Isso abriu uma série de possibilidades para o desenvolvimento de novos conteúdos, como partes da história e personagens que não são mencionados nos filmes.
Ao criar conteúdo de jogos, os desenvolvedores devem ter cuidado para não infringir o trabalho de terceiros. Isso pode requerer, em alguns casos, uma boa compreensão da legislação de direitos autorais e das limitações à propriedade intelectual que a própria lei traz em seu artigo 46.
É importante lembrar que vários desenvolvedores utilizam recursos disponíveis pelas licenças do Creative Commons. Para saber mais sobre cada licença, basta acessar nosso artigo.
-
Patente
O sistema Nemesis, introduzido no jogo “Terra-média: Sombras de Mordor” e mais tarde aprimorado na sequência “Sombras da Guerra”, deu um toque inovador e criativo aos inimigos gerados aleatoriamente. Em vez de lutar contra inimigos sem nome e sem personalidade, o jogo “Sombras de Mordor” coloca o jogador contra vários membros diferentes da sociedade Orc, e cada inimigo é único para o seu jogo, possuindo até mesmo uma relação de afinidade entre si.
Foto divulgação: Warner Bros Interactive Entertainment
Com seus próprios nomes e níveis, cada Orc enfrentado se lembrará de seus encontros para adicionar mais profundidade à luta e narrativa. Esse mecanismo rapidamente se tornou uma grande vantagem competitiva e característica marcante da série de Ação-RPG da empresa Monolith, produtora do jogo. Muitos se perguntaram o motivo do mecanismo inovador não ter sido adotado em outros games, o que se deve ao fato de que o sistema foi patenteado. Após vários anos de tentativas, a Warner Bros Interactive Entertainment patenteou com sucesso o sistema Nemesis, o que significa que o aparecimento de um mecanismo semelhante fora dos jogos produzidos pela Warner Bros Games é improvável.
Embora extremamente importante para empresas de tecnologia, patentes não são comumente usadas no contexto de jogos. Ainda assim, a cada ano surgem grandes litígios envolvendo patentes na indústria de games.
Apesar de a indústria de videogames, como a conhecemos hoje, ter pouco mais de trinta anos, sua relação com os direitos de Propriedade Intelectual, particularmente patentes, testemunhou considerável desenvolvimento e mudanças nos últimos anos. Uma patente continua sendo uma das formas mais fortes de proteger um direito intelectual, oferecendo direito exclusivo ao titular de explorar a sua invenção. O titular da patente tem um monopólio quase absoluto por um período de vinte anos, durante o qual ele terá o direito de fazer, usar, licenciar e vender a invenção patenteada.
O pedido de patente deve ser realizado junto ao INPI, e satisfazer um conjunto rigoroso de requisitos para que seja concedido. Para ser elegível para uma patente, uma invenção deve preencher às seguintes condições:
- Novidade – deve ser nova, ou seja, deve demonstrar características que não sejam conhecidas pela sociedade (chamado “estado da técnica”) no seu campo técnico;
- Atividade Inventiva – não pode ser evidente ou envolver algo que possa ser deduzido por uma pessoa com conhecimento “médio” naquele campo técnico;
- Aplicação industrial – deve ter um uso prático ou capacidade de aplicação industrial;
E, assim como no casos das marcas e dos direitos autorais, as patentes concedem o direito de impedir que outros façam uso da invenção sem autorização expressa. Em outras palavras, uma patente confere o direito de prevenir outros pessoas de criar, usar, vender ou importar uma invenção.
Patentes não costumam proteger os jogos em si, uma vez que os critérios de patenteabilidade geralmente não estão presentes. No entanto, há um número crescente de patentes relacionadas a elementos dentro de um jogo, geralmente nas áreas de hardware, mecanismos e distribuição digital.
-
Segredo Empresarial e Informações Confidenciais
Por fim, aponta-se que é fundamental assegurar que nenhuma informação ou dado sobre o jogo, que possa ou não ser protegido pelas outras formas de proteção intelectual já mencionadas, seja divulgado para o público ou concorrentes.
Não havendo meio de registrar tais elementos, faz-se necessário que a empresa (i) assine contrato ou termo individual com os colabores e/ou empresas que terão acesso a informações sobre o programa, e (ii) garanta a segurança de tais dados ou informações.
No que tange à formalização por meio de termo ou contrato, deve-se incluir cláusulas definindo o que constitui uma informação confidencial da empresa, deixando claro que tal informação é de sua propriedade e incluindo compromisso de que a pessoa e/ou terceiro que receber a informação não irá divulgá-la.
Em relação à segurança, trata-se aqui de um aspecto mais técnico e menos jurídico, assegurando que todos os sistemas e equipamentos que são utilizados para desenvolver e armazenar os jogos possuem os níveis mínimos de segurança. Isso inclui não apenas a proteção contra ataques de terceiros, como vírus e crackers, mas também implementação de mecanismos de governança na própria empresa, realizando treinamento com colaboradores, limitando e controlando acesso a materiais sensíveis, etc.
Para sintetizar os tipos de proteção e os respectivos materiais que podem ser protegidos, seguem alguns exemplos:
Direitos autorais | Segredos
comerciais |
Marcas | Patente |
Música | Lista de e-mail de clientes | Nome da empresa | Soluções técnicas de hardware |
Código-fonte (registro de software) | Informações sobre preços | Logotipo da empresa | Elementos inventivos do jogo |
História | Contatos de editores | Título do jogo | Inovações técnicas como software ou design do banco de dados |
Personagens | Contatos de desenvolvedores | Subtítulo do jogo | |
Arte | Ferramentas de desenvolvimento interna | ||
Design do Website | Termos de acordos | ||
-
Como a empresa pode se prevenir de eventuais violações a direitos de terceiros?
Além de garantir a proteção de seus direitos, também é importante entender quando, para a propriedade intelectual, uma “inspiração” no jogo de concorrente será considerada uma violação de direitos de propriedade intelectual de terceiros.
Em relação ao software, deve-se deixar claro para todos os envolvidos em seu desenvolvimento que não poderão ser aproveitados códigos já utilizados em outros games. Inclusive, tal declaração deve ser incluída no mesmo termo em que for formalizada a cessão dos direitos sobre o trabalho entre o colaborador e a empresa. Em tal cláusula, o colaborador assegurará que tudo o que foi desenvolvido para a empresa é original e criado por ele/ela, de modo que, se um dia a empresa for demandada nesse sentido, poderá requerer indenização perante o colaborador.
A exceção para o descrito acima são os casos das licenças públicas (como as da Creative Commons). Nessas modalidades de licenciamento, é permitido que o desenvolver utilize um código pré-estabelecido, devendo indicar apenas qual a licença e o hiperlink para o texto jurídico. Nessas situações, é importante apenas verificar as especificidades da modalidade da licença, a fim de garantir que é possível realizar seu uso para as finalidades desejadas pelo desenvolvedor.
No que tange a marcas, é importante garantir que nenhuma outra empresa ou pessoa utilize os mesmos nomes e símbolos, antes do lançamento do jogo, assim como obtenha registros para marcas idênticas ou similares no mesmo segmento. Tal pesquisa pode ser realizada de forma ativa junto ao INPI, assim como procurando por páginas e redes. No mesmo sentido, caso a empresa venha a desenvolver invenção patenteável, deverá realizar a verificação prévia no INPI e em outras bases de dados sobre patentes para garantir que nenhuma invenção idêntica ou similar já tenha sido registrada. Frisa-se que, no caso de violação de patentes, não é necessário mostrar que existia uma intenção de copiar invenção de terceiro, basta constatar que a solução técnica é a mesma.
No que diz respeito aos direitos autorais, é importante entender que não poderão ser copiados elementos de outros jogos já existentes. Isso inclui, por exemplo, o design gráfico do jogo, o roteiro, seus personagens e trilha sonora.
Vale lembrar que tal proibição não se aplica a uma ideia ou temas comuns, como a narrativa do herói, simulação de torneio de esportes etc. Todavia, é importante verificar se os elementos que estão associados a essa história, tanto graficamente, como em seu roteiro, não estão copiando elementos específicos de outros jogos.
-
Conclusão
O mercado de games, considerando o crescimento exponencial que vem apresentando ao longo dos últimos anos, se mostra como um setor de grande potencial para investimentos.
No entanto, ao investir e abrir empresas nesse setor, é fundamental que sejam observados, além de aspectos tributários, comerciais e trabalhistas, tópicos referentes à propriedade intelectual, como os desenvolvidos ao longo deste artigo. Cabe se atentar para as particularidades aplicáveis ou demandadas especificamente pela área, a fim de que direitos sejam assegurados e os investimentos possam ocorrer de maneira segura.