Baptista Luz

09/09/2024 Leitura de 6’’

Publicidade de medicamentos: STJ decide sobre a validade da RDC 96/08 da Anvisa

09/09/2024
  • 6’’
  • / Escrito por:

    Ana Paula Silveira

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial n. 2035645 – DF, proferiu uma decisão que traz um impacto significativo para a prática de publicidade de medicamentos. Em resumo, o STJ entendeu que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não possui competência legal para:

(i) Criar novas limitações à propaganda de medicamentos, uma vez que tais limitações já estão exaustivamente previstas na Lei n. 9.294/96 e no Decreto n. 2.018/1996; e

(ii) Compete à Anvisa apenas fiscalizar, acompanhar e controlar o exercício da publicidade de medicamentos.

Veja abaixo mais detalhes sobre o caso, os principais argumentos jurídicos apresentados pelo STJ e como fica a RDC 96 a partir de agora.

/ O que houve

O STJ analisou, no Recurso Especial n. 2035645 – DF, se, à luz das legislações aplicáveis, a Anvisa extrapolou os limites de seu poder normativo ao editar a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n. 96/2008, que dispõe sobre a propaganda, publicidade, informação e outras práticas relacionadas à divulgação ou promoção comercial de medicamentos.

/ Principais argumentos da decisão do STJ

Diversos argumentos foram trazidos pela corte, e os seguintes podem ser destacados:

1. Competência para legislar sobre o tema:


(i) Constituição Federal:
prevê que restrições à propaganda de medicamentos só podem ser estabelecidas por meio de lei federal.

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 3º Compete à lei federal:

[…]

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

(ii) Lei n. 9.294/1996: estabeleceu, nos termos do art. 220 da Constituição, as restrições à propaganda comercial de medicamentos no art. 7º e prevê no art. 10 que o Poder Executivo regulamentaria essa lei.

(iii) Decreto 2.018/1996: regulamenta a Lei n. 9.294/96, estabelecendo, em seus artigos 10 a 16, limitações sobre a publicidade de medicamentos e terapias de qualquer tipo ou espécie.

2. Esfera de atuação da Anvisa:

(i) Lei n. 9.782/1999
: define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Anvisa e dá outras providências. Ao tratar da competência da Anvisa para regular a propaganda e publicidade, essa lei menciona apenas ações de controle, fiscalização e acompanhamento.

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

[…]

XXVI – controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária.

Assim, de acordo com o entendimento do STJ, considerando o art. 220 da Constituição Federal e as normas federais existentes sobre o tema de publicidade de medicamentos, somente a Lei n. 9.294/96 e o Decreto n. 2.018/1996 poderiam estabelecer restrições à propaganda de medicamentos.

A Anvisa, nesse cenário, não teria competência para impor restrições complementares às já previstas nas normas acima. Contudo, a RDC 96/08, emitida pela Anvisa, estabelece restrições adicionais. Por exemplo, a RDC 96 proíbe atos publicitários com imagens de pessoas utilizando medicamentos, especialmente quando sugerem que o fármaco tem características organolépticas agradáveis, inclusive quanto ao sabor (art. 8º, III e VI). Segundo a decisão, essa proibição não está expressamente prevista nas leis mencionadas.

/ Como fica a RDC 96 a partir de agora?

De acordo com o STJ, é inválida qualquer disposição infralegal que divirja das normas contidas na Lei n. 9.294/1996 sobre a propaganda comercial de medicamentos, especialmente aquelas editadas por agências reguladoras.

Veja abaixo exemplos de disposições da RDC 96 que o STJ entende como contrárias à Lei n. 9.294/1996 e seu regulamento:

(i) Vedação à propaganda indireta em contextos cênicos, espetáculos, filmes, programas de rádio ou outros tipos de mídia eletrônica ou impressa (art. 4º, parágrafo único);

(ii) Proibição de atos publicitários com imagens de pessoas utilizando medicamentos, especialmente quando sugerem que o fármaco tem características organolépticas agradáveis, inclusive quanto ao sabor (art. 8º, III e VI);

(iii) Exigência de cláusulas específicas de advertência, como a indicação das substâncias contidas no medicamento, especialmente para aqueles que apresentam efeitos de sedação/sonolência (arts. 17 e 23);

(iv) Proibição, na publicidade de medicamentos isentos de prescrição médica, de determinadas expressões (v.g. “comprovado cientificamente” ou “demonstrado em ensaios clínicos”) (art. 26, I e III);

(v) Enumeração de ações permitidas na publicidade (art. 9º);

(vi) Inserção de novas cláusulas de advertência (arts. 17 e 23);

(vii) Obrigações de conteúdo da propaganda, relacionadas a informações técnicas ou modo de divulgação (arts. 22 e 24);

(viii) Vedações quanto ao uso de expressões e imagem de voz de pessoas célebres (art. 26).

Por fim, buscando fomentar o diálogo institucional, a ministra relatora solicitou que o resultado do julgamento fosse comunicado ao Ministério da Saúde e ao Congresso Nacional. Foi sugerido a esses órgãos que, diante dos pontos levantados na decisão, avaliem, sob o prisma do art. 220, § 3º, II, e § 4º da Constituição, a pertinência de eventuais alterações normativas sobre os limites da propaganda comercial de medicamentos ou sobre as atribuições legais da Anvisa em matéria de vigilância sanitária.

Portanto, o assunto não se encerra com a decisão, sendo recomendada a continuidade de seu acompanhamento.

Quer saber mais?

Entre em contato com os autores ou visite a página da área de Mídia Digital, Entretenimento e Publicidade

Mais lidas:

Mais recentes:

Assine nossa newsletter

Inscreva-se para receber informações relevantes sobre o universo jurídico e tomar decisões informadas que vão impactar seus negócios.

Nós respeitamos a sua privacidade e protegemos seus dados pessoais de acordo com a nossa Política de Privacidade.

Baptista Luz