A Portaria nº 11.956/2019 da PGFN foi publicada para regulamentar os procedimentos da transação tributária na cobrança de débitos tributários inscritos em dívida ativa, trazidos pela MP do Contribuinte Legal.
1. Introdução
A grande novidade na área de contencioso tributário nos últimos tempos certamente foi a transação tributária implementada pela Medida Provisória nº 899, de 16 de outubro de 2019 (“MP nº 899/2019”), também conhecida como a MP do Contribuinte Legal. Recentemente, no nosso artigo “Os efeitos da nova Medida Provisória do Contribuinte Legal”, abordamos as novidades e os principais aspectos trazidos por esta legislação, que ainda aguarda sua conversão em lei. Neste artigo, por sua vez, analisaremos o instrumento jurídico que trouxe a regulamentação da transação tributária, tornando possível a realização de acordos para pagamentos das dívidas ativas com a União.
Em 27 de novembro de 2019, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) publicou a Portaria nº 11.956, de 27 de novembro de 2019 (“Portaria nº 11.956/2019”), objetivando a regulamentação da MP do Contribuinte Legal e a instituição dos procedimentos para que sejam firmados os acordos para pagamentos das dívidas ativas que os contribuintes têm com a União.[1]
Vale lembrar que a MP do Contribuinte Legal prevê modalidades específicas para a transação tributária, sendo elas: (i) proposta individual ou por adesão na cobrança de dívida ativa; (ii) adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e (iii) adesão no contencioso tributário de baixo valor[2].
2. O propósito da Portaria nº 11.956/2019 em matéria de transação tributária
Em linhas gerais, a Portaria nº 11.956/2019 disciplina os procedimentos, requisitos e condições necessárias à realização da transação na cobrança da dívida ativa da União, cuja inscrição e administração são de competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional [3]. Os tópicos mais relevantes da Portaria, para melhor compreendermos como se dá a regulamentação da transação tributária no Brasil, são os seguintes:
(i) Princípios e objetivos que norteiam esta legislação;
(ii) As modalidades de transação da dívida ativa regulamentadas pela PGFN;
(iii) Exigências e concessões para a celebração da transação;
(iv) Os parâmetros para aceitação da transação;
(v) A proposição de transação tributária individual ou por adesão; e
(vi) A possibilidade da utilização de precatórios federais para amortizações ou liquidação do saldo devedor.
Abordaremos cada um dos tópicos listados a seguir.
2.1. Princípios e Objetivos da Transação Tributária, segundo a Portaria nº 11.956/2019
Em primeiro lugar, quando comparamos os princípios previstos na MP do Contribuinte Legal com os da Portaria nº 11.956/2019, percebe-se que a PGFN aumentou o rol dos princípios aplicáveis à transação tributária, prevendo, ainda, que os seguintes princípios sejam aplicáveis à transação tributária na cobrança da dívida ativa da União:
(i) Presunção de boa-fé do contribuinte;
(ii) Concorrência leal entre os contribuintes;
(iii) Estímulo à autorregularização e conformidade fiscal;
(iv) Redução de litigiosidade;
(v) Menor onerosidade dos instrumentos de cobrança;
(vi) Adequação dos meios de cobrança à capacidade de pagamento dos devedores inscritos em dívida ativa da União;
(vii) Autonomia de vontade das partes na celebração do acordo de transação;
(viii) Atendimento ao interesse público; e
(ix) Publicidade e transparência ativa, ressalvada a divulgação de informações protegidas por sigilo.
Pela análise dos princípios previstos na MP nº 899/2019 e os insertos na Portaria, observamos uma preocupação legítima e o interesse do governo na redução da litigiosidade em matéria tributária. Também se observa o incentivo na regularização da situação fiscal de contribuintes que não tenham cometido fraude ou ilícitos penais-tributários e que não possuam débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação[4].
2.2. As modalidades de transação na cobrança da dívida ativa da União regulamentadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
A Portaria nº 11.956/2019 aborda especificamente as seguintes modalidades de transação na cobrança da dívida ativa da União:
(i) transação por adesão à proposta da PGFN;
(ii) transação individual proposta pela PGFN; e
(iii) transação individual proposta pelo devedor inscrito em dívida ativa da União.
Um dos critérios para distinção destas modalidades é o valor das dívidas ativas dos devedores. Devedores com débitos inscritos em dívida ativa cuja soma seja igual ou inferior a R$ 15 milhões são autorizados a celebrar a transação proposta exclusivamente por adesão da PGFN.
Por sua vez, somente será permitida a transação na modalidade individual, proposta pela PGFN ou pelo devedor, a (i) devedores que possuírem dívidas ativas cuja soma ultrapasse o valor de R$ 15 milhões; (ii) devedores falidos, em processo de recuperação judicial ou extrajudicial, em processo de liquidação judicial ou extrajudicial e de intervenção extrajudicial; e (iii) débitos cujo valor consolidado seja igual ou superior a R$ 1 milhão e que estejam suspensos por decisão judicial ou garantidos.
Além disso, Estados, Municípios, o Distrito Federal e respectivas entidades de direito público da administração indireta também podem celebrar a transação tributária de débitos inscritos na dívida ativa da União na modalidade individual.
2.3. Das Exigências e Concessões para a celebração da transação tributária na cobrança da dívida ativa da União
De acordo com a Portaria, as modalidades de transação previstas podem envolver as seguintes exigências:
(i) Pagamento de entrada como condição à adesão;
(ii) Manutenção das garantias, quando a transação envolver parcelamento, moratória ou diferimento; e
(iii) Apresentação de garantias reais e fidejussórias.
Por outro lado, a PGFN poderá, a seu exclusivo critério, ofertar as seguintes concessões, desde que observados os limites previstos na legislação de regência:
(i) Oferecimento de desconto aos débitos considerados irrecuperáveis;
(ii) Possibilidade de parcelamento;
(iii) Possibilidade de diferimento ou moratória;
(iv) Flexibilização das regras para aceitação, substituição e liberação das garantias;
(v) Flexibilização das regras para constrição ou alienação de bens; e
(vi) Possibilidade de utilização de precatórios federais próprios ou de terceiros para amortização ou liquidação do saldo devedor transacionado.
2.4. Da aceitação da transação tributária individual ou por adesão pela PGFN
De acordo com a Portaria, a PGFN analisará uma série de parâmetros para aceitação da transação individual ou por adesão, de forma isolada ou cumulativa, dentre eles: (i) o tempo da cobrança da dívida ativa; (ii) a liquidez das garantias oferecidas pelos devedores; (iii) existência de outros parcelamentos; (iv) a perspectiva de êxito das discussões judiciais e administrativa existentes; (v) o tempo da suspensão de exigibilidade por decisão judicial; e (vi) a situação econômica e a capacidade de pagamento do devedor.
Para a aferição da situação econômica do devedor e para fins de determinação dos prazos e dos descontos a serem concedidos, serão analisadas as informações cadastrais, patrimoniais e econômico-fiscais prestadas pelos devedores aos órgãos da Administração Pública. Além disso, frisamos que a capacidade econômica do devedor decorre de sua situação econômica e será calculada de forma a se estimar se o devedor tem condições de efetuar o pagamento dos débitos inscritos em dívida ativa no prazo de 5 anos, sem descontos. A PGFN dará conhecimento ao devedor de sua capacidade de pagamento, o qual, se discordar, poderá apresentar pedido de revisão.
2.5. Da proposição da transação tributária individual ou por adesão.
A transação por adesão proposta da PGFN será realizada mediante publicação de edital no site da PGFN, o qual deve contar com o prazo para adesão, os critérios para a elegibilidade dos débitos inscritos em dívida ativa da União, os critérios impeditivos, os tipos de transação por adesão, os compromissos e obrigações que devem ser assumidos pelos devedores e os procedimentos para adesão. Todo procedimento para adesão é eletrônico e deverá ser feito por meio do portal REGULARIZE da PGFN.
Na transação individual por proposta pela PGFN, a qual deve expor os meios para a extinção dos créditos nela contemplados, bem como as demais informações necessárias, o devedor será notificado da proposta de transação individual pela PGFN por via eletrônica ou postal, podendo aceitar a proposta no prazo previsto ou apresentar contraproposta.
Quando a transação tributária individual for proposta pelo devedor, nas hipóteses cabíveis, o devedor deverá apresentar a proposta de transação individual, acompanhada do plano de recuperação fiscal com a descrição dos meios para a extinção dos créditos inscritos em dívida ativa da União. Além disso, o devedor deverá apresentar também, entre outros requisitos, (i) a exposição das causas da sua situação patrimonial e as razões da crise econômico-financeira; (ii) as demonstrações financeiras dos últimos 3 exercícios sociais; (iii) a qualificação completa do devedor, seus sócios, controladores, gestores e representantes legais e os demais documentos e informações exigidos, a fim de comprovar sua atual capacidade financeira e de pagamento.
A proposta de transação individual pelo devedor deve ser apresentada na unidade da PGFN referente ao seu domicílio fiscal e, após o recebimento da proposta, a PGFN verificará as execuções fiscais existentes e a existência de garantias já penhoradas. Além disso, a PGFN checará também a existência de outros parcelamentos, o histórico fiscal do devedor e analisará se a proposta apresentada é condizente com a situação econômico-fiscal e à capacidade de pagamento do devedor, ou irá apresentar contraproposta.
A Portaria prevê, ainda, a possibilidade de agendamento de reuniões entre o devedor e a PGFN para discussão da proposta da transação tributária individual. Ela também dedica uma seção específica para dispor sobre a transação tributária individual com devedores em processo de recuperação judicial. Nesta hipótese, devedores em recuperação judicial poderão apresentar proposta de transação individual até a aprovação do plano pela assembleia geral de credores, desde que respeitadas determinadas condições.[5]
2.6. Utilização de precatórios federais para amortização ou liquidação do saldo devedor transacionado
A Portaria da PGFN traz outra importante novidade na questão da transação tributária: a possibilidade de utilização de precatórios federais, próprios ou de terceiros, para amortizar ou liquidar o saldo devedor objeto da transação tributária.
Para utilização de precatórios federais, após a formalização da transação e do pagamento da entrada mínima, se for o caso, o devedor deverá ceder fiduciariamente o direito creditório à União, por meio de Escritura Pública e comprovar que foi informada a cessão fiduciária à União nos autos do processo originário do precatório, bem como apresentar certidão de objeto e pé do processo originário do precatório.
3. Na prática: o primeiro edital proposto pela PGFN para transação tributária
Em 4 de dezembro de 2019, a PGFN publicou o primeiro edital da transação por adesão, possibilitando a milhões de devedores a renegociação de suas dívidas com a União. A adesão deve ser feita junto ao portal REGULARIZE, devendo ser selecionado o serviço “Negociação de Dívida” e a modalidade desejada. O prazo para adesão é até o dia 28 de fevereiro de 2020.
O Edital de Acordo de Transação por Adesão nº 01/2019 beneficia os contribuintes que têm débitos de até R$15 milhões. Podem aderir aos termos contidos neste Edital de Transação os contribuintes que possuem:
(i) Débitos inscritos em dívida ativa da União de pessoas jurídicas baixadas, inaptas ou suspensas no cadastro CNPJ, sem parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial;
(ii) Débitos inscritos em dívida ativa da União há mais de 15 anos, sem parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial;
(iii) Débitos inscritos em dívida ativa da União suspensos por decisão judicial há mais de 10 anos; e
(iv) Débitos inscritos em dívida ativa da União de titularidade de pessoas físicas cuja situação cadastral no sistema CPF seja titular falecido.
Este Edital prevê descontos de até 50% para pagamento em parcela única e o prazo de pagamento em até 84 meses. Caso o devedor seja pessoa física, micro ou pequena empresa, o desconto pode chegar a 70%, e o prazo de pagamento em até 100 meses. Para débitos previdenciários, o prazo máximo de pagamento é de 60 meses.
4. Conclusão
A Portaria n° 11.956 é um grande avanço na regulamentação da transação tributária. Seus efeitos parecem ser muito promissores, incentivando milhões de brasileiros a regularizarem sua situação tributária e fiscal junto ao Governo Federal.
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Revisão
/ Ivana Marcon
/Pamela Michelena
Projeto Gráfico
/ Laura Wolff Bandeira Klink