“Trust, but verify” [1] – a remodelação da confiança sob o prisma da aplicação da tecnologia blockchain para o setor de private equity
O conceito de confiança geralmente remete à assunção de um risco, de experimentar algo desconhecido, mas com a crença de certa previsibilidade de êxito. O quotidiano está cada vez mais cercado de aplicativos, com diversas finalidades, que se baseiam na interação e, de certo modo, na “confiança” em terceiros desconhecidos (nubank, ame, picpay, didi, uber, são bons exemplos nesse sentido). Seja por meio de transações de pagamento online, ou por uma solicitação de corrida via aplicativo, notório é que os indivíduos estão interagindo e confiando em “estranhos” todos os dias.
Contudo, tal confiança advém de modelos de negócios estruturados que são capazes de verificar determinados requisitos mínimos que garantam uma certa segurança para o usuário, tal como duplo fatores de verificação, avaliações de outros usuários e solicitação de dados biométricos por meio de reconhecimento facial ou uso de digitais.
Quando você pede um Uber, além de confiar as informações de seu cartão de crédito na instituição, você confia que o aplicativo enviará um motorista para te buscar e levar até o ponto selecionado. Da mesma forma, o motorista confia que será pago pela corrida. É tudo sobre confiança.
Essa segurança é um dos principais pilares não só para os usuários finais, mas também para todos os players do mercado que estruturam as operações, seguindo parâmetros mínimos de integridade e viabilidade dos serviços.
O aumento de confiança pode ser encontrado no próprio Mercado Financeiro, o que também acontece em razão da abertura para a utilização de novas tecnologias no setor. No Brasil, pode-se destacar a Agenda BC#, projeto do Banco Central que visa o aumento da eficiência e a modernização das normas aplicáveis ao Mercado Financeiro, mirando a inclusão, competitividade, sustentabilidade e transparência do sistema.
Ao aproximar a inovação do sistema financeiro, os órgãos reguladores também estabelecem parâmetros mínimos de privacidade de dados, infraestrutura tecnológica, governança, segurança e demais parâmetros necessários. Esta abertura permite uma revolução no Mercado Financeiro e em como nos relacionamos com ele.
A instituição do PIX e a implementação do Open Banking são exemplos de como novas tecnologias podem revolucionar o sistema, assim como o próprio crescimento exponencial das fintechs, coexistindo em um ambiente que antigamente era dominado por poucas e tradicionais instituições. Com isso, projetos como o BTG Pactual Bitcoin 20 FIM[2] e o Real Digital[3] vem para demonstrar que o futuro do Mercado Financeiro visa um ambiente de harmonia e cooperação entre o sistema financeiro e a nova realidade digital.
O Protocolo de Confiança e o sistema financeiro
Sendo uma empresa, você quer que sua rede de negócios confie em você. No entanto, muitas vezes o custo da confiança não está no que podemos confiar, mas no que não podemos confiar.
Ao examinar de perto serviços financeiros, descobrimos que a capacidade de confiar em sua rede de negócios é um fator crítico no sucesso da operação. Criar confiança, no entanto, não é tão simples e estabelecer confiança requer uma abordagem metódica. É aí que a rede blockchain se insere, também conhecida como “protocolo de confiança”.
Sob este prisma, novas tecnologias estão fomentando verdadeiras transformações na forma como a sociedade transaciona e lida com o dinheiro. No contexto internacional, a tecnologia blockchain[4] vem desempenhando o papel de ator principal nessa transformação. Destaca-se que a tecnologia vem sendo testada como forma de coibir transações fraudulentas, tornando as validações mais transparentes e menos propensas a erros e corrupção. Isso porque, por meio do blockchain, tem-se uma espécie de livro-razão contábil, no qual as transações são averbadas de forma online, imutável e rastreável, dispensando-se a necessidade de um intermediário confiável.
Nessa toada, procedimentos administrativos podem ser facilmente verificados e auditados e a eficiência das análises de investimento vem sendo aprimoradas. Sob este prisma, gestores de fundos de private equity começaram a aplicar a tecnologia como instrumento facilitador de investimento e otimização de processos.
A Northern Trust Corporation, em parceria com a IBM, utilizou a tecnologia como instrumento facilitador da administração de seus fundos. A solução simplificou os processos de subscrição e de propostas de capital e disponibilizou aos administradores de fundos de private equity um tempo mais curto para a realização de transações. Deste modo, a coleta de fundos de clientes passou a ocorrer de forma mais célere já que as etapas do processo manual – que, geralmente, envolvem a assinatura e a revisão de contratos de subscrição e de transferência de fundos – passaram a rodar de forma automatizada. Com o blockchain, todos os participantes passaram a ser atualizados simultaneamente com um registro que não pode ser alterado ou adulterado. Cada mudança ou nova transação cria um registro imediato e recém-compartilhado. Neste ecossistema de private equity, as informações do fundo são compartilhadas e acessadas através de chaves digitais e permissões, e cada participante tem um ledger[5]nó únicos, criando uma versão única da verdad[6]. [7]
Mas não é só isso. A tecnologia possui diversas funções, dentre as quais podemos citar:
(i) solução segura, eficiente e de baixo custo para o registro de valores mobiliários;
(ii) simplificação de transações e a transferência de ações;
(iii) desenvolvimento de um sistema de votação para os sócios ou acionistas, aprimorando questões de governança corporativa e protegendo os direitos e interesses de pequenos investidores;
(iv) ratificar questões de segurança no combate à lavagem de dinheiro.
Dito isso, o movimento internacional de aplicação da tecnologia blockchain está reforçando a proteção e automatizando processos, de forma a tornar as transações mais céleres e confiáveis.
Sob esta nova perspectiva, a inovação do mercado de capitais visa melhorar a disponibilidade de liquidez, sendo seu sucesso amparado pela segurança com que ela pode fornecer essa liquidez para empresas no mercado primário e, em um futuro próximo, investidores no mercado secundário.
O ambiente embrionário da regulamentação acerca da tecnologia blockchain já começa a ensaiar os primeiros passos com a recente decisão da CVM de autorizar diferentes projetos com uso de ativos digitais e blockchain em Sandbox Regulatório[8], assim disponibilizando um ambiente regulatório experimental para o desenvolvimento de negócios inovadores em uma estrutura mais simples e flexível[9].
A escolha destes projetos pelo regulador sinaliza que a CVM vem manifestando interesse em se aprofundar nos temas relacionados ao ambiente de criptoativos, permitindo que sejam colocados em prática possíveis teses de aplicações blockchain para o mercado de capitais, nos ambientes de ofertas, registros e pós-negociação de tokens lastreados em ativos de valores mobiliários.
Com isso, pela primeira vez, estamos conseguindo analisar as oportunidades e redesenhar procedimentos e infraestrutura, tornando-os mais transparentes, competitivos e seguros. Contudo, vale lembrar que a grande transformação e valor agregado é a forma como a confiança, tanto dos indivíduos quanto do mercado, está sendo reestruturada nessa nova fase.
Blockchain tornou-se uma tecnologia para construir ferramentas que automatizam a confiança. Em uma economia colaborativa, isso significa confiar em empresas não baseadas em reputação ou marca, mas com base na imutabilidade do blockchain.
new RDStationForms(‘blockchain-ec59bcad76b6cd586ec9’, ‘UA-91686746-1’).createForm();
Notas
[1] Provérbio russo, que foi bastante utilizado por Ronald Reagan, que goza do mesmo sentido do “confiar desconfiando”. Mais informações, disponível em:< https://en.wikipedia.org/wiki/Trust,_but_verify> Acesso em 26oct21.
[2] Disponível em:< https://conteudo.btgpactualdigital.com/btg-pactual-bitcoin-20-fim?cmpid=c04:m05:google:12686005424:b:122153641404&utm_medium=spl&utm_source=google&utm_campaign=12686005424&utm_content=122153641404&creative=512306966382&adposition=&keyword=criptomoeda&matchtype=b&targetid=aud-299658730947:kwd-300790522055&device=c&feeditemid=&loc_interest_ms=&loc_physical_ms=1001773&placement=&s_kwcid=AL!9288!3!512306966382!b!!g!!criptomoeda&gclid=CjwKCAjwzt6LBhBeEiwAbPGOgY_bjvcGjJ31wjx8mRRHNiYwwltqCjSsqfw6XS-0d12o5CWfUzp_WhoCaAgQAvD_BwE> Acesso em 26oct21.
[3] Disponível em: < https://baptistaluz.com.br/institucional/moeda-digital-brasileira/> OU Disponível em: < https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/17398/nota>
[4] “A tecnologia consiste em uma cadeia de blocos, no qual cada bloco contém um determinado número de informações e um hash (algorítimo de mapeamento de dados) o resguardando. Todo bloco criado contém sua hash e a do bloco anterior, criando uma conexão entre os blocos. É dessa ligação que surge o nome blockchain (corrente de blocos, em português). Desse modo, a tecnologia blockchain nada mais é do que uma espécie de livro-razão contábil, que averba as transações de forma online, imutável e rastreável.” Mais informações sobre o tema, disponível em:< https://baptistaluz.com.br/tag/blockchain/> Acesso em 27oct21.
[5] Id.
[6] Id.
[7] Disponível em:< https://www.ibm.com/blogs/think/2017/02/39850/> Acesso em 27oct21.
[8] Mais informações disponíveis em: < https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-finaliza-primeiro-processo-de-admissao-do-sandbox-regulatorio >
[9] Foram selecionados projetos em três frentes:
- Mercado organizado para tokenização de ativos via sistema Blockchain
- Escrituração digital de valores mobiliários emitidos por Equity Crowdfunding
- Uso de tecnologia Blockchain para emissões de debêntures e cotas de fundos fechados