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10/01/2022 Leitura de 10’’

NFT e suas implicações legais

10/01/2022
  • 10’’

1. Introdução

Quanto você pagaria pelo Nyan Cat? O meme do gatinho voador, que se popularizou em 2011, foi vendido como item único em fevereiro deste ano, por 300 ETH (O equivalente a $590.000).[1]

 

Não foi o arquivo .gif que foi vendido, que ainda pode ser reproduzido e encontrado em todos os lugares online, mas um hash criptográfico da imagem psicodélica na blockchain da Ethereum, em forma de NFT (nonfungible tokens- Tokens não fungíveis).

Os NFTs são uma resposta cultural para criar escassez técnica na internet, e estão originando tipos de bens digitais que nunca antes tinham sido pensados. Para se ter uma noção, o primeiro Twitter da história foi vendido em leilão como NFT por R$15,9 milhões.[2]  A tecnologia está chegando com toda a força no mundo da arte, música e em negociação de trading cards virtuais da NBA e da NFL.

Quer ver um marketplace de NFTs? Basta acessar o OpenSea e ver com os seus próprios olhos a hype da tecnologia.

Os NFTs estão explodindo em popularidade, mas não está claro como eles se encaixam nos marcos legais e regulatórios existentes que regem as indústrias financeira, tecnológica e consumerista. Os NFTs não se comportam como ofertas iniciais de moedas (ICOs), então eles não podem ser regulados da mesma maneira. Deste modo, pela falta de regulamentação envolvendo as atividades da NFT, é essencial garantir que os consumidores estejam cientes das implicações do que estão fazendo.

 

2. O que são NFTs

Os NFTs são certificados digitais que autenticam uma reivindicação de propriedade de um ativo, permitindo que ele seja transferido ou vendido. Os certificados são protegidos com tecnologia blockchain, semelhante ao que a bitcoin usa e outras criptomoedas.

Desta forma, NFTs são basicamente colecionáveis digitais. Eles podem representar bens imateriais (como tweets, gifs, músicas, artes digitais, etc.) ou podem ser objetos materiais (como imóveis, veículos, pinturas, etc). Sua proposta de valor é que eles são digitalmente únicos, existindo em uma blockchain (como o Ethereum) e enquanto qualquer pessoa pode copiar e baixar clipes de vídeo ou arquivos de imagem, um NFT tem um registro dizendo que tem apenas um proprietário.

O que você faz com um NFT? Você pode, por exemplo, exibir a arte digital associada ao token em seu computador, na TV ou até mesmo em um quadro digital. Você também pode revendê-lo. Outras pessoas não poderiam apenas filmar ou tirar uma foto do item associado a um NFT e alegar possuir uma cópia? Sim, mas o blockchain ainda mostraria que você é o dono do original. Transferir a propriedade de uma NFT requer uma transação em blockchain, que só pode ser autorizada pela chave privada do proprietário da NFT, assim como funciona ao enviar Bitcoin ou qualquer criptomoeda.

Para deixar claro: você ainda pode baixar o arquivo de imagem gravado em um NFT. Se você vender um tweet, esse tweet ainda existirá no Twitter, visível para todos. Então, deste modo, você não está comprando o tweet em si, mas sim uma versão autenticada digitalmente. Assim, pessoas podem ter a cópia do tweet, mas somente você terá a versão original. Pense neles como cartões de futebol autografados. Você pode imprimir quantas cópias quiser, mas se o jogador assinar apenas uma, esse é o cartão que provavelmente terá mais valor. Por exemplo, um cartão autografado do Tom Brady acabou de ser vendido por US$ 1,32 milhão.[3]

A grande questão em volta dos NFT’s, portanto, são as características que eles têm de serem únicos, escassos, duráveis e extensíveis. Tudo isso apesar de serem representações virtuais. E onde é possível guardar seus tokens? Há uma carteira digital para o Ethereum chamada MetaMask. É uma extensão do navegador que inclui um cofre de identidade seguro, fornecendo uma interface de usuário para gerenciar suas identidades em diferentes sites e assinar transações blockchain.

 

3. Use Cases

Os usos de NFTs são incontáveis, e como é possível observar a tendência de tokenização, eles serão usados para tokenizar praticamente tudo. Tokenização significa substituir dados valiosos e/ou confidenciais, ativos, objetos, direitos, meios de pagamento etc. por uma forma digital menos sensível.

Games NFTs servem como colecionáveis digitais ou adereços de jogos, como armas, roupas e outros itens. Isso basicamente é uma nova maneira de usar a tecnologia Blockchain descentralizada em jogos para manter itens escassos, em vez de depender da centralização, segurança e validação do criador do jogo. A tecnologia também cria a possibilidade de o jogador transferir itens de um jogo para o outro, aumentando a interoperabilidade do universo de games.

Propriedade Intelectual — A NFT pode representar uma pintura, uma canção, um software ou uma parte de um software. Sendo assim, direitos de propriedade intelectual (PI) se aplicam sobre esses ativos. Há empresas que já vendem tokens como licenças. A tokenização dos direitos de PI pode permitir que os autores tenham maior controle sobre seu trabalho e garantam que os royalties sejam pagos.

Bens materiais— imóveis, itens preciosos, veículos e todos os outros bens podem ser tokenizados e sua tokenização pode ser usada para financiamento, expansão ou liquidez potencial do imóvel.

Registros e verificação de identidade — As NFTs também podem servir para verificar identidade ou representar certidões de nascimento, licenças, credenciais acadêmicas e muito mais. Todos esses itens podem ser mantidos seguros de forma digital e ter a integridade e originalidade preservados.

 

4. Questões jurídicas envolvidas com as NFTs

 

  • Direitos autorais

A utilidade dos NFTs em relação aos direitos de propriedade intelectual (PI), no entanto, parece muito menos convincente. O problema é que possuir uma NFT não lhe concede automaticamente a propriedade de uma obra original. Do ponto de vista de direitos autorais, um NFT é apenas um recibo digital indicando que você possui uma versão de um trabalho. As percepções dos compradores sobre o que possuem não necessariamente atendem à realidade jurídica e as empresas envolvidas nessas transações não são transparentes.

Assim que uma obra de arte em qualquer meio é criada, o autor passa a ser o titular dos direitos autorais sobre esse trabalho[4]. Da mesma forma que acontece quando você compra uma pintura, você não está comprando também os direitos autorais de uma obra de arte quando adquire um NFT. Deve ser feita uma distinção entre os direitos de PI sobre uma obra e de seus NFTs. Isso ainda é mais relevante nos casos em que os ativos e NFTs coexistem ao mesmo tempo.

E, da mesma maneira que você pode ter o livro autografado de Harry Potter, mas não tem o direito de publicar o conteúdo completo do livro em suas redes sociais para outras pessoas acessarem, você também não pode publicar o conteúdo completo de determinada obra simplesmente porque adquiriu o NFT.

 

  • Fraudes

Existe uma parte obscura do NFT, que são as fraudes de arte em blockchain. São inúmeros os relatos de indivíduos, seja por malícia ou falta de conhecimento, listando conteúdo em sites NFT que é diretamente copiado de outro artista ou um derivado de algum conteúdo protegido por direitos autorais.

Aqui está o problema: É extremamente complicado identificar a autoria de um NFT. Como não há verificação de identidade na rede blockchain, qualquer um pode se passar por outra pessoa e vender NFTs de que não detém os direitos autorais.

O blockchain é tipicamente resistente à mudança. Os blocos criados não podem ser posteriormente modificados ou excluídos. No caso de tokens ilegais, deve-se avaliar se o proprietário dos ativos tokenizados tem o direito de transferir a NFT em vez de um pedido de extinção.

 

  • Fungibilidade

Como o próprio nome já diz, NFTs são tokens não fungíveis. Desta forma, são abarcados pelo regramento do Código Civil sobre bens, Artigos 85; 86; 307, parágrafo único; 565; 592, III; e 1.361 e do Código de Processo Civil, em seu Artigo 700, II.

Neste sentido, o STJ já se manifestou quanto à possibilidade de atribuir um caráter infungível a um bem fungível, como é o caso de um NFT:

“A infungibilidade – diferentemente da fungibilidade – pode ser objeto de acordo das partes, que podem, assim, individualizar o bem por ocasião da celebração do contrato de compra e venda – quer pela exteriorização de marcas, sinais ou número de série, quer por alguma outra forma vislumbrada pelo credor -, em cujo interesse se dá a medida. Em outras palavras, a infungibilidade de um bem é fruto de sua individuação.”

Assim, mesmo possuindo caráter digital, não há óbice em enquadrar NFTs na categoria legal de bens não fungíveis, devendo ser disciplinados da mesma forma que qualquer outro bem material infungível.

No entanto, não existe regulamentação específica para tutelar criptoativos, incluindo tokens. O que existe são alguns projetos de lei em discussão no Brasil, como o PL 2060/2019, mas o que há de concreto, atualmente, são portarias, ofícios e outras decisões individuais de cada órgão regulador, dentro das competências que lhe são atribuídas.

É importante lembrar que, no dia 24 de fevereiro, a Receita Federal do Brasil divulgou que vai incluir pela primeira vez códigos específicos para declaração de criptomoedas na declaração do Imposto de Renda para a pessoa física de 2021, e isso inclui NFTs.

De acordo com o órgão, na ficha de bens e direitos da declaração foram criados três novos códigos para Bitcoin, altcoins e tokens. Até então, não havia códigos específicos para ativos digitais

81 – Bitcoin

82 – Altcoins, como Ethereum, Bitcoin Cash, XRP, ChainLInk e Litecoin

89 – Demais criptoativos, como tokens

Desta forma, vemos que a Receita Federal já se adiantou e abarcou NFTs em sua regulamentação, impondo a declaração dos ativos no imposto de renda.

 

5. Conclusão

O direito de criar tokens não fungíveis é principalmente baseado na autoria legal do bem tokenizado. Há potencial para conflitos no caso de vários proprietários ou estruturas de propriedade pouco claras. Por fim, também são esperados casos de pirataria em que ativos de acesso público – por exemplo, conteúdo digital da Internet – são usados indevidamente para criar um NFT.

Apesar da falta de regulamentação, vemos uma movimentação clara dos órgãos brasileiros para tentar compreender e tutelar esta nova tendência no universo jurídico.

Resta saber se os NFTs farão jus ao seu hype. Independentemente de o futuro ser um mundo com um mercado de arte NFT desenvolvido, provavelmente surgirão algumas outras questões legais interessantes que não foram aqui abordadas no caminho.

 

 

Notas:

[1] KAY, Grace. “Nyan Cat” flying Pop-Tart meme sells for nearly $600,000 as one-of-a-kind crypto art. Business Insider. Disponível em: <https://www.businessinsider.com/ethereum-nft-meme-art-nyan-cat-sells-for-300-eth-2021-2>. Acesso em: 10 Mar. 2021.

[2] PRIMEIRO POST DO TWITTER É VENDIDO POR US$ 2,9 MILHÕES COMO NFT. Primeiro post do Twitter é vendido por US$ 2,9 milhões como NFT. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/03/22/primeiro-post-do-twitter-e-vendido-por-us-2-9-milhoes-como-nft.ghtml>. Acesso em: 23 Mar. 2021.

[3] NIKHILESH DE. Here Are Some of the Legal Considerations for NFTs – CoinDesk. CoinDesk. Disponível em: <https://www.coindesk.com/nfts-legal-questions>. Acesso em: 11 Mar. 2021.

[4] Art. 11 da lei de n° 9.610/1998: Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.

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