A Instrução Normativa nº 81, de 10 de junho de 2020 (“IN”), do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) promoveu uma significativa reforma e consolidação das normas e diretrizes do Registro Público de Empresas[1]. Neste sentido, foram revogadas, ao todo, 56 normas (sendo 44 Instruções Normativas e 12 ofícios circulares). Dentre as novas diretrizes trazidas por esta IN, encontra-se a possibilidade da conversão de associações e cooperativas em sociedades empresárias e vice-versa[2] (conforme disposto no Capítulo V, Título III, desta IN).
/ Transformação
Em linhas gerais, transformação é a operação pela qual uma sociedade, independentemente de dissolução e liquidação, passa de um tipo para outro[3], alterando o seu ato constitutivo e consequentemente as disposições que a regem. Ou seja, a pessoa jurídica não é extinta, apenas ocorre a alteração do seu tipo societário.
A transformação pode ser motivada por inúmeros fatores, seja pela necessidade de uma reorganização, planejamento financeiro e/ou tributário ou pela alteração dos objetivos sociais, de modo que, ao longo do exercício de sua atividade, as pessoas jurídicas possam ter a maleabilidade de readequação dos regramentos aos quais estão submetidas, mantendo, ao mesmo tempo, o exercício de suas atividades.
Além da possibilidade de readequação do tipo societário, a transformação também preserva o patrimônio da pessoa jurídica que deseja se transformar, de modo a resguardar o direito de credores, terceiros interessados e participantes da pessoa jurídica.
/ Transformação x IN 81/2020
Anteriormente à publicação da IN, o posicionamento do DREI era no sentido de vedar a transformação de associação e de cooperativas em sociedade empresária (e vice-versa)[4]. No entanto, dentre as regulamentações e posicionamentos previstos pela nova norma, o DREI modificou seu entendimento, passando a admitir a transformação.
A mudança de posicionamento do DREI se pautou em três pilares[5]: 1) ausência de expressa vedação legal no Código Civil; 2) observância a decisões do Superior Tribunal de Justiça, que já haviam reconhecido esta possibilidade; e 3) observância dos dispositivos da Lei da Liberdade Econômica, que estabelecem que nos negócios empresariais devem prevalecer a vontade e autonomia das partes.
Além disso, outro argumento apontado pelo DREI refere-se ao regramento encontrado no art. 2.033 do Código Civil, o qual estabelece que “as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44 (entre elas associações e sociedades), bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão regem-se desde logo por este Código” (parênteses e sublinhado nosso).
/ Pontos controversos
Em que pese o novo posicionamento do DREI, existem pontos controversos que ainda não foram solucionados e são divergentes nos Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas e nos Tribunais Superiores.
Há discussões sobre a aplicabilidade ou não do artigo 2.033 do Código Civil para transformação de associação e cooperativa. Em linhas gerais, considerando que o referido artigo se encontra no “Livro Complementar – Das Disposições Finais e Transitórias” do referido código, parte da doutrina acredita que este artigo tenha simplesmente esclarecido que todas as pessoas jurídicas, ainda que constituídas anteriormente à vigência do Código Civil de 2002, passariam a ser regidas pelas disposições presentes no (então) novo código. Em outras palavras, não haveria o que se falar em autorização para transformação de associações (ou cooperativas) com base neste artigo.
Na esfera das associações, outro ponto controverso seria a impossibilidade da transformação ante a finalidade de sua natureza jurídica. Ou seja, sob o argumento de que a associação civil se forma pela reunião de pessoas, físicas ou jurídicas, com objetivos não econômicos, inexistindo, entre os associados, obrigações recíprocas[6], não se buscando fins lucrativos e nem havendo entre os associados partilha e distribuição de lucros, seria vedado que a associação alterasse sua natureza jurídica e, consequentemente, sua finalidade. Isto porque, transformando-se em sociedade empresária, infringiria a finalidade principal em que foi constituída.
No âmbito das cooperativas, o principal ponto controverso seria o regramento disposto no artigo 63 da Lei das Cooperativas[7], o qual determina a dissolução das cooperativas quando da alteração de sua forma jurídica.
Tendo em vista que o Código Civil preceitua que a sociedade cooperativa deve atentar-se para o disposto na lei especial estabelecida para este tipo societário, há posicionamentos de que, pelo princípio interpretativo segundo o qual “norma especial afasta norma geral”, a norma geral consignada no Código Civil teria sua aplicabilidade afastada no caso das cooperativas, devendo ser aplicado o disposto em norma específica (Lei das Cooperativas).
Ou seja, deveria ser respeitada a previsão expressa (presente na norma especial) sobre a impossibilidade de transformação de cooperativas em sociedades empresárias, sendo obrigatória sua dissolução e liquidação, na hipótese de transformação.
/ Formalidades da transformação
Com a chancela do DREI para transformar-se em sociedade empresária, quais requisitos e formalidades a associação e a cooperativa devem cumprir?
Como não há regramento legal expresso para transformação e, tendo em vista o entendimento do DREI para aplicação supletiva das regras do Código Civil na transformação entre sociedades empresárias[8], é possível inferir que as associações e cooperativas, ao transformarem-se, deverão ser submetidas ao regramento de constituição e inscrição próprios do tipo societário que irão converter-se[9].
Neste sentido, vale ressaltar que, tanto a Lei das S.A. como o Código Civil, estabelecem que a transformação depende do consentimento unânime de todos os sócios ou acionistas, salvo se previsto de forma diversa no ato constitutivo[10].
Além dos requisitos societários, devem as associações e as cooperativas verificarem os aspectos tributários e fiscais para transformação e suas possíveis consequências.
/ Considerações finais
Com o novo posicionamento do DREI, autorizando a transformação de associação e cooperativas em sociedade empresária (e vice-versa), a promessa é que haja convergência de entendimento, ao menos no âmbito das Juntas Comerciais, que deverão registrar os atos de transformação das associações e das cooperativas, com a devida observância e cumprimento dos trâmites e requisitos legais pertinentes.
No entanto, ressaltamos que ainda há controvérsias sobre o tema e que a mudança de entendimento do DREI não alcança os Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas que, por ora, ainda podem ter entendimentos diversos sobre o tema, de modo a vedar o registro de transformação formulado.
De modo geral, embora ainda haja argumentos divergentes ao posicionamento do DREI, entendemos que houve um avanço do Departamento na tentativa de uniformizar entendimentos, uma vez que dentro do próprio órgão havia posicionamentos diversos sobre o mesmo tema, além de buscar dinamismo e autonomia nas relações jurídicas de associações e cooperativas.
/ Revisores
Alexandre José de Pauli Santana
Érico Lopes Tonussi
/ Pesquisadora
Bruna Linhares Ferrazo
Veja também:
Incorporação de Sociedades com Patrimônio Líquido Negativo – Instrução Normativa DREI nº 81
Alterações nas Regras de Deliberações Societárias (em tempos de COVID-19)