Com a disseminação do COVID-19, aumenta a cada dia a preocupação em mantermos uma distância segura entre as pessoas, assim como devem ser evitadas aglomerações. Esse cenário tem um impacto direto na rotina de sociedades e associações, que, normalmente, dependem da realização de reuniões e assembleias para tomada de decisões, a exemplo da a aprovação anual de contas. Nesse contexto, é possível a realização das reuniões e assembleias evitando a aglomeração dos envolvidos em um mesmo ambiente e assim contribuindo para o esforço de contenção do vírus?
Como resposta a esta pergunta, em 29 de julho de 2020, foi publicada a Lei nº 14.030 (“Lei”) , que dispôs sobre a modificação de prazos para realização de assembleia de sócios anual de sociedades anônimas e sociedades limitadas (bem como sociedades cooperativas), cujo exercício social se encerre entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020.
Em 14 de abril de 2020, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) publicou a Instrução Normativa 79 (“IN 79”), acerca da participação e votação a distância em reuniões e assembleias de sociedades fechadas.
Ambas as normas visam endereçar os obstáculos causados pela pandemia do Covid-19, que impedem a realização presencial das Assembleias previstas em lei. Veja abaixo o que mudou.
(i) / prorrogação do prazo para realização de assembleias anuais de sócios
O prazo para realização de assembleias de sócios anuais passará a ser de 7 (sete) meses, contados do término do exercício social, tanto para sociedades anônimas quanto para sociedades limitadas. Dessa forma, no caso de sociedades cujo exercício social foi encerrado em 31 de dezembro de 2019, as assembleias poderão ser realizadas até 31 de julho de 2020. Já para as sociedades cooperativas, a dilação de prazo prevista na Lei foi ainda maior, de 9 (nove) meses contados do término do exercício social.
Qualquer disposição contratual que exija a realização da assembleia em prazo inferior será considerada nula, de acordo com a Lei.
Ressalta-se ainda que os prazos de mandato dos administradores, diretores, membros do Conselho de Administração, Conselho Fiscal, bem como de Comitês Estatutários serão prorrogados até a realização da assembleia geral anual ou até que ocorra a reunião do Conselho de Administração, conforme o caso.
Vale destacar que, no caso das associações, fundações e demais sociedades inicialmente não abrangidas pelas determinações da Lei, foi igualmente concedido o prazo de 7 (sete) meses para realização de assembleia geral, bem como aplicam-se as determinações relativas à duração dos mandatos de dirigentes, no que couber.
No caso de sociedades anônimas que necessitem deliberar sobre assuntos urgentes de competência da Assembleia Geral, tal deliberação poderá ser realizada pelo Conselho de Administração (ressalvada a hipótese de previsão diversa no estatuto social). Nestas hipóteses, a deliberação ficará sujeita a futura ratificação pelos acionistas, reunidos em assembleia geral.
Já com relação a companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) prorrogou os prazos para apresentação de diversos documentos exigidos por lei e pela própria CVM, por meio da Deliberação CVM 849, de 31 de março de 2020. Especificamente sobre o prazo para elaboração das demonstrações financeiras, a CVM determinou que estas deverão ser apresentadas em até 5 (cinco) meses após o fim do exercício social da companhia (sendo que esta prorrogação vale apenas para sociedades cujo exercício social tenha sido encerrado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020).
Vale destacar que as medidas estabelecidas pela Lei se estenderão às empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias.
(ii) / voto a distância e assembleia digital
Não obstante a dilação de prazos mencionados no item (i) acima, a Lei também instituiu a possibilidade de participação e exercício de voto a distância por sócios de sociedades anônimas e limitadas (bem como associados de cooperativas) nas suas respectivas reuniões e assembleias.
Neste sentido, a Lei delegou ao DREI e à CVM a responsabilidade de regulamentar a participação a distância dos sócios/acionistas (no que se refere a reuniões de sociedades fechadas e abertas, respectivamente).
A regulamentação pela CVM foi realizada em 17 de abril de 2020, por meio da Instrução nº 622, e o DREI publicou a IN 79, em 14 de abril de 2020. A seguir, apresentaremos maiores detalhes sobre as novas regras para votações a distância e assembleias digitais de sociedades limitadas e anônimas fechadas.
a) Em quais deliberações a IN 79 é aplicável?
Entre outros propósitos, a IN 79 tem como objetivo regulamentar a realização de assembleias semipresenciais (realizadas em local físico, mas com a possibilidade de participação a distância de acionistas) e de assembleias virtuais (realizadas totalmente a distância).
A Instrução Normativa não se aplica às reuniões e assembleias para as quais se exige participação e votação exclusivamente presencial.
b) Como deverá ser realizada a disponibilização de documentos, no caso de assembleias digitais?
Todos os documentos e informações a serem disponibilizados antes de cada encontro devem obedecer não apenas às atuais regras de divulgação (aplicáveis a reuniões presenciais), como também devem ser disponibilizados em meio digital. Importante destacar que o edital de convocação deve detalhar a forma de participação dos sócios ou acionista, com indicação de endereço eletrônico contendo informações completas e acessíveis a todos os participantes.
c) Quais os requisitos para realização da assembleia e como deverá ser realizada a votação a distância pelos sócios?
A participação e votação a distância pelo sócio ou acionista pode ser feita tanto em tempo real, como por meio do envio prévio de documentos, caso em que serão considerados válidos se enviados até 30 minutos antes do início da reunião ou assembleia.
Nesse sentido, merece atenção o fato de que a sociedade deve manter arquivado todos os documentos relativos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital, bem como a gravação integral dela, pelo prazo aplicável à ação que vise a anulá-la.
No que se refere ao sistema eletrônico adotado para encontros semipresenciais ou a distância, o mesmo deve garantir a segurança, o direito de efetiva participação e voto, o registro de presença, envio de mensagens instantâneas e visualização de documentos em tempo real. A sociedade não será responsabilizada por eventuais problemas de conexão enfrentados por qualquer sócio ou acionista.
O boletim de voto a distância, por sua vez, deve conter todas as matérias da ordem do dia, orientações sobre envio à sociedade, formalidades para que o voto seja considerado válido e indicação de eventuais documentos que o devam acompanhar. A sociedade deve enviar o boletim no dia da publicação do primeiro edital de convocação e o sócio ou acionista deve devolvê-lo à sociedade em até 5 dias antes da reunião ou assembleia. Recebido o boletim, a sociedade terá 2 dias para confirmar a recepção.
Reuniões ou assembleias presenciais já convocadas e ainda não realizadas, em virtude das restrições decorrentes da pandemia do Covid-19, poderão ser realizadas de forma semipresencial ou digital, desde que todos os acionistas, sócios ou associados se façam presentes ou declarem expressamente sua concordância.
Por fim, vale destacar que a Lei nº 14.010, publicada em 12 de junho de 2020 [1], expressamente autorizou todas as pessoas jurídicas de direito privado a realizarem suas assembleias gerais por meios eletrônicos até 30 de outubro de 2020, independentemente de já existir previsão estatutária nesse sentido. Importante destacar que esta lei abrange também assembleias de associações, fundações e organizações religiosas, e não apenas de sociedades e cooperativas (como é o caso da Lei, comentada anteriormente).
De acordo com a lei, a manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio indicado pelo administrador da respectiva pessoa jurídica, e deverá assegurar a identificação do participante e a segurança do voto na assembleia (substituindo a assinatura presencial, para todos fins legais).
(iii) / distribuição de lucros
Conforme disposto na redação da Lei, o Conselho de Administração, se houver, ou a Diretoria poderá, independentemente de reforma do estatuto social, declarar dividendos das sociedades anônimas, na forma do artigo 204 da Lei 6.404/76 (“Lei das S/A”), até que a Assembleia Geral Ordinária seja realizada.
(iv) / arquivamentos
Adicionalmente, enquanto durarem as medidas restritivas ao funcionamento normal das Juntas Comerciais (em decorrência da pandemia da Covid-19), o prazo de 30 dias para arquivamento de documentos na Junta Comercial (conforme Lei de Registros Públicos) será prorrogado e passará a ser contado a partir da cessação das restrições de funcionamento da respectiva Junta Comercial. Tal prorrogação é aplicável a todos documentos assinados a partir de 16 de fevereiro de 2020.
Não obstante a dilação dos prazos previstos pela Lei, é importante esclarecer que a aprovação de contas de uma sociedade tem como principal objetivo a exoneração de responsabilidade dos seus membros da administração em relação aos atos praticados durante o exercício social abrangido por tal aprovação (para maiores informações, vejam nosso Manual de Aprovação de Contas de Sociedades Empresárias). Desta forma, considerando que, com a Lei, passou a ser autorizada a realização de reuniões inteiramente virtuais, recomendamos que todas as sociedades, desde que tenham preparados os documentos contábeis necessários para suas aprovações de contas, realizem suas reuniões e assembleias utilizando as novas ferramentas trazidas pela Lei 14.030/2020.
new RDStationForms(‘newsletter-formulario-0dba7da51a18e879c598’, ‘UA-91686746-1’).createForm();
Para saber mais sobre este assunto, entre em contato com o autor.
Além disso, você pode acessar mais artigos sobre Direito Societário.
Este artigo foi publicado originalmente em 10 de abril de 2020 e foi atualizado no dia 30 de julho de 2020.
Veja também:
- COVID-19 e os contratos com a Administração Pública
- E o COVID-19, interfere nas relações de família?
- Medidas nos Mercados Financeiro e de Capitais para a redução dos efeitos do Coronavírus