Baptista Luz

25/03/2020 Leitura de 7’’

Deliberações societárias a distância em tempos de Coronavírus

25/03/2020

Com a disseminação do COVID-19 (“Coronavírus”), aumenta a cada dia a preocupação em mantermos uma distância segura entre as pessoas, assim como devem ser evitadas aglomerações. Esse cenário tem um impacto direto na vida de sociedades e associações, que normalmente dependem da realização de reuniões e assembleias para tomada de decisões (como a aprovação anual de suas contas, por exemplo)[1]. Nesse contexto, é possível a realização das reuniões e assembleias evitando a aglomeração dos envolvidos em um mesmo ambiente e assim contribuindo para o esforço de contenção do vírus?

 

Sociedades Anônimas

 

No âmbito das sociedades anônimas, há diferenças entre as normas aplicáveis a companhias abertas e fechadas. A realização de assembleias gerais a distância, com a participação e votação remota dos acionistas, somente passou a ser permitida nas sociedades anônimas abertas(ou seja, com suas ações disponíveis para negociação na bolsa de valores) em 2011, após alteração na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”)[2].

Entretanto, não há previsão equivalente em relação às sociedades anônimas fechadas. Isso significa que certas formalidades devem sempre ser cumpridas para realização de uma assembleia geral, entre elas:

  • Publicação do anúncio de convocação (dispensável se todos os acionistas comparecerem à assembleia);
  • Estabelecimento de data e horário para a assembleia, bem como seu local (que, em regra, deve ser a sede da companhia); e
  • A assembleia deve ser dirigida por uma mesa composta por um presidente e um secretário.

 

Com isso em mente, podemos pensar na melhor forma de estabelecer uma assembleia geral válida, sem desrespeitar os seus requisitos legais e os direitos dos acionistas, mas evitando ao máximo possível o contato entre eles.

Todo acionista pode ser representado em assembleias gerais por um procurador que seja acionista, administrador da sociedade ou advogado. Pensando em reduzir o número de pessoas necessárias no local da assembleia, todos os acionistas podem antecipadamente constituir um procurador, que os representará presencialmente na reunião. Nada impede, inclusive, que este procurador também atue como presidente ou secretário da assembleia (reduzindo, desta forma, ainda mais o número de pessoas fisicamente necessárias para realização da reunião).

Além disso, a assembleia pode ser transmitida em tempo real a todos os acionistas, via uma plataforma eletrônica, por meio da qual os sócios poderão discutir sobre as ordens do dia, bem como transmitir suas instruções de voto ao seu procurador, fisicamente presente à assembleia. Neste caso, é recomendado que a transmissão da assembleia seja gravada, a fim de registrar as instruções de voto dadas pelos acionistas (caso isto não seja possível, é aconselhado que as instruções de voto sejam encaminhadas por escrito, via e-mail ou qualquer outro método que permita a confirmação de recebimento da mensagem). Finalizadas as discussões, os votos são proferidos e formalizados pelo procurador presente no local da assembleia, que também assinará o livro de presença.

Infelizmente, de acordo com a legislação atual aplicável a sociedades anônimas, não é possível a realização de assembleias 100% virtuais. Obviamente, considerando a situação atual trazida pela epidemia do Coronavírus, esta exigência legal vai contra todas as recomendações do governo, bem como das autoridades de saúde. Por se tratar de uma situação inédita, não é possível prever como os juízes decidirão sobre estes casos, se, no futuro, decisões tomadas remotamente forem judicialmente contestadas.

Por fim, sabe-se que é praxe no mercado a realização de assembleias gerais que, na prática, ocorrem apenas no papel (isto é, sem a realização de qualquer reunião), especialmente quando todos os acionistas estão de acordo com as deliberações a serem tomadas. Nesses casos, para que seja diminuído o risco de contestação da validade da assembleia, recomendamos que, antes do registro da ata na Junta Comercial competente, sejam recolhidas as assinaturas de todos os acionistas no “Livro de Atas das Assembleias Gerais” e “Livro de Presença dos Acionistas” da companhia.

 

Sociedades Limitadas

No âmbito das sociedades limitadas, a legislação é mais flexível no que se refere à obrigatoriedade de realização de reuniões presenciais. Neste sentido, qualquer reunião ou assembleia de sócios pode ser substituída por um documento escrito, desde que este seja assinado por todos os sócios, contendo as decisões tomadas por eles sobre a matéria que seria objeto da reunião[3]. Esse mecanismo permite que os sócios discutam informalmente e, quando chegarem a um consenso, elaborem e assinem o documento que formaliza suas decisões, sem que haja necessidade de se reunirem em um mesmo ambiente.

Por outro lado, quando não há consenso entre os sócios (e caso um deles se recuse a assinar o instrumento de deliberação por escrito), a reunião ou assembleia deve ser realizada em termos similares aos descritos acima para sociedades anônimas, podendo a reunião ser transmitida por plataforma de comunicação a distância e os sócios serem representados por um procurador, fisicamente presente (o qual deverá ser um advogado ou sócio da sociedade).

 

Associações

As associações são reguladas por um pequeno número de artigos do Código Civil, os quais elencam os requisitos mínimos que deverão constar no estatuto social de cada instituição. Isso significa que associações gozam de grande liberdade para estruturar suas assembleias, podendo o estatuto prever critérios mais flexíveis sobre a sua realização, como o uso de tecnologias de comunicação a distância.

Neste caso, as regras para realização de assembleias dependerão essencialmente daquilo que estiver previsto em cada estatuto social. Atualmente, muitas associações já preveem deliberações remotas em seus estatutos, autorizando a realização de assembleias em ambientes inteiramente virtuais.

 

Considerações finais

É importante tomar alguns cuidados no momento da realização de reuniões e assembleias a distância. Como tudo em matéria societária, os procedimentos adotados devem estar plenamente de acordo não só com a legislação, mas com as disposições do estatuto ou contrato social da entidade.

As procurações outorgadas àqueles que representarão os sócios e acionistas devem prever especificamente as condições para exercício do direito de voto. Nesse sentido, é possível condicionar o voto à confirmação do respectivo sócio ou acionista por participação remota, que pode ser realizada e registrada virtualmente, inclusive por e-mail.

É também importante que as discussões realizadas via plataforma de comunicação a distância sejam gravadas, preferivelmente com captura de vídeo. Todos esses cuidados são necessários para garantir a validade e efetividade da reunião, além de proteger os direitos dos sócios e acionistas, garantindo que suas intenções sejam corretamente transmitidas ao documento final.

Por fim, considerando que, no contexto atual, aglomerações de pessoas não são recomendadas, é importante que todas as alternativas apresentadas neste artigo sejam consideradas e que o comparecimento em um mesmo ambiente seja desencorajado, preferindo-se a participação remota de sócios, sempre que possível.

 

 


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NOTAS E REFERÊNCIAS:

 

Notas

[1]Para maiores informações sobre as etapas envolvidas na aprovação de contas de sociedades empresárias, veja nosso [Manual].[ELT: Por favor, time de Inovação, conseguimos incluir aqui um link para nosso Manual de Aprovação de Contas?]

[2]Pela Lei nº 12.431/11. Contudo, esta alteração na Lei das S.A. só foi regulamentada em 2015, com a edição da Instrução Normativa nº 561, da Comissão de Valores Mobiliários.

[3]De acordo com o artigo 1.072, §3º, do Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/02).

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