Baptista Luz

21/02/2018 Leitura de 5’’

Mútuo Conversível & Convertible Notes: diferenças fundamentais

21/02/2018
  • 5’’

Após alguns anos trabalhando como VC counsel nos Estados Unidos, atuando em diversas rodadas de convertible notes, decidi voltar ao Brasil e me deparei com o contrato de mútuo conversível em rodadas de investimento.

Lembrei que o mútuo conversível consistia em uma adaptação brasileira do contrato americano e supus que o processo seria veloz e simples, como costumam ser as convertibles. Contudo, após uma e outra experiência com a negociação de mútuos aqui no Brasil, pude perceber que a prática brasileira, devido as suas sutilezas, torna o processo mais complexo e demorado, surgindo assim a ideia de escrever este artigo.

Da negociação à execução do contrato, as rodadas de investimentos se tornam mais intrincadas, em grande parte, por causa da legislação brasileira. A insegurança jurídica, ou seja, a falta de previsibilidade de diversos temas jurídicos inerentes às atividades empresariais, que acabam recaindo sobre os sócios: a possibilidade desconsideração da personalidade jurídica pelo direito do consumidor e pelo direito trabalhista, a responsabilização dos sócios por dívidas tributárias, entre outros fatores que tornam a vida do empreendedor mais complicada.

O investidor brasileiro, dessa maneira, além de considerar fatores comuns como observar o MVP, o time de empreendedores e a potencialidade da empresa, também costuma realizar longas operações de due dilligence para avaliar toda a estrutura societária e demais documentos relacionados à empresa em que ele pretende adquirir participação. Relembrando, o risco de empreender é maior no Brasil comparado aos Estados Unidos.

Quanto maiores os riscos, mais garantias serão buscadas pelos investidores. Assim, o costume de negociação padronizada e rápida na composição de convertible notes no exterior não se aplica aqui, e faz-se necessária uma adaptação para instrumentos com cláusulas mais customizáveis, longamente discutidos e, portanto, mais complexos.

Isso, contudo, é um contrassenso quando analisamos o principal propósito das convertible notes e dos mútuos conversíveis: investimento prático e eficiente que, para o empreendedor, garante uma injeção imediata de capital no negócio, e, ao investidor, oferece uma forma de aplicação do dinheiro sem o envolvimento direto na sociedade.

Explicando os conceitos, temos que os dois tipos de contratos, de maneira geral, consistem em um “empréstimo” pelo qual o investidor injeta dinheiro em uma empresa. Em troca o investidor, após um prazo de tempo ou acontecimento de evento predeterminado, pode reaver esse dinheiro ou converter esse valor em participação societária na empresa investida.

Na lei brasileira, não temos um instituto puro que corresponda à convertible note, mas o seu conceito possuí bastante proximidade com as debentures conversíveis em ações. No entanto, as sociedades limitadas, muito comuns no Brasil, não podem emitir debêntures de forma que o elemento de conversão desse instituto é adaptado para um contrato de mútuo.

As vantagens do modelo são claras: o investidor, além de garantir o direito ao retorno do valor aportado para o seu patrimônio, pode observar com prudente distanciamento o crescimento da empresa, analisando condições de mercado e resultados alcançados pela empresa, para então optar por converter o capital. Por sua vez o empreendedor recebe o capital necessário para fazer seu negócio crescer, reduzindo gastos com a burocracia das alterações societárias.

A diferença entre o contrato no Brasil e nos EUA, contudo, está em que as convertible notes costumam possuir estrutura mais padronizada e simples. Por exemplo, as convertibles apresentam, basicamente, quatro cláusulas essenciais: (1) taxa de juros (“interest rate”), (2) data de vencimento (“maturity date”), (3) desconto no share price em rodada de investimento (“discount”) e (4) cap, sendo que algumas vezes um quinto ponto é levantado sobre a preferência de retorno predeterminado num evento de liquidez. Já nos mútuos conversíveis, não existe uma padronização, ao contrário, geralmente, além das cláusulas padrão de convertible note, são inseridas várias obrigações acessórias, cujo descumprimento pode acarretar eventos de liquidez, negocia-se até valuation, o que me causa certo estranhamento, além de serem definidas diversas hipóteses para exercícios de alguns direitos pelo investidor após a conversão, entre outras garantias que aumentam os entraves negociais.

Outra diferença prática se dá na cobrança de juros por esse empréstimo. Nos EUA é comum que se aplique apenas a taxa de juros simples como remuneração pelo capital investido no tempo. Enquanto que no Brasil é mais recorrente a incidência de juros, correção monetária e ainda juros de mora, caso haja atraso por parte da empresa em restituir os valores devidos ao investidor, chegado o momento de liquidez.

Estes são alguns exemplos de entraves que podem dificultar o seu closing em rodadas de investimento no Brasil. Os mútuos conversíveis são inspirados nas convertible notes americanas, porém, no contexto jurídico e econômico brasileiro, é importante estar de sobreaviso para essas discussões, de modo a não tornar complexo aquilo que, sem deixar a proteção de lado, deve ser eficiente, prático e simples.

 

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