Baptista Luz

15/07/2019 Leitura de 10’’

Série Semeando Diversidade: Migrantes

15/07/2019

Cérebros imigrantes: contratar migrantes e refugiados em sua startup pode ser uma boa ideia

Em 2018 o Brasil ficou em 5º lugar na pesquisa “Perigos da Percepção”[1], realizada pelo Instituto Ipsos, que avaliou a noção de realidade dos cidadãos sobre seus países, o que significa que os brasileiros são a quinta população com pior percepção sobre seu próprio país. Um dos fenômenos analisados foi a migração: enquanto os entrevistados acreditam que 30% da população brasileira é composta por migrantes, esse percentual, na verdade, corresponde a 0,4%.

É possível pensar, então, que, representando uma parcela tão pequena da população brasileira, todos os migrantes[2] tenham facilidade em se inserir em nossa comunidade. No entanto, isso também não corresponde à realidade, principalmente quando falamos sobre o mercado de trabalho. O post de hoje trará algumas informações e dicas de como atrair profissionais migrantes e de como tornar o ambiente de trabalho um espaço acolhedor e frutífero para esses talentos.

É importante lembrar que são diversos os motivos que levam pessoas a saírem de seus países de origem e buscarem oportunidades em outras localidades. É possível citar desde procura por uma colocação profissional melhor até guerra, desastres naturais, perseguição política/religiosa/sexual etc.

Por isso, a primeira reflexão acerca dessa população não deve ser com base em estereótipos já que estamos diante de um grupo heterogêneo, seja em relação a grau de escolaridade ou até características pessoais.

 

DESAFIOS

Além dos desafios enfrentados habitualmente por quem está à procura de um emprego, alguns migrantes encontram a barreira linguística. Para aqueles que acabam de chegar ao país a comunicação costuma ser um grande problema, já que a falta do português impede que realizem atividades básicas e, até mesmo, que contatem os órgãos estatais responsáveis pelo acolhimento de estrangeiros.

Soma-se a esse obstáculo a burocracia, e quem empreende no Brasil sabe bem como ela pode ser exaustiva e fator decisivo para o sucesso de um projeto.

Dentre os trâmites burocráticos que os migrantes devem enfrentar, está a emissão de documentos brasileiros, visando regularizar sua permanência em território nacional. Em 2017, entrou em vigor a nova Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017 (“Lei de Migração”), que facilita a autorização de residência em muitos aspectos, mas não deixa de ser exigente, especialmente no que tange à apresentação de documentos do país de origem[3].

A nova legislação prevê diferentes tipos de autorização de residência e de vistos para ingresso em território brasileiro, aumentando a chance do migrante se regularizar e poder, entre outras coisas, adentrar ao mercado de trabalho formal.

Outro desafio relatado é a dificuldade em realizar a revalidação do diploma de ensino superior. Segundo pesquisa realizada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (“ACNUR”)[4], 49,7% dos refugiados no Brasil têm ensino médio, enquanto 34,4% deles têm ensino superior, níveis de escolaridade maiores que os da população brasileira. Entre os 487 refugiados entrevistados, apenas 14 deles conseguiram a revalidação do diploma[5]. É interessante demonstrar o quanto isso confronta o estereótipo comum de que migrantes são pessoas pouco qualificadas profissionalmente e que por isso, só ocupariam funções de baixa remuneração.

Sem o reconhecimento de seus estudos, muitos deles são obrigados a recorrer ao trabalho informal, normalmente fora de suas áreas de formação, tendo suas habilidades subaproveitadas, reforçando o preconceito que recai sobre esta população.

AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA X REFÚGIO[6]

A legislação brasileira diferencia os imigrantes dos refugiados. Os últimos são aqueles que pedem refúgio em país distinto do de sua nacionalidade por sofrerem perseguição política, religiosa ou étnica ou por estarem em estado de calamidade, causada por guerra, conflito ou desastres climáticos.

Em teoria, apenas quem estivesse nesta situação poderia solicitar refúgio. No entanto, como a análise do processos de refúgio é longa e no momento de seu requerimento o migrante recebe um protocolo que passa a valer como seu documento oficial, colocando-o na legalidade perante as autoridades brasileiras, muitos dos que chegam aqui são orientados a pedirem refúgio para que tenham ao menos um documento, mesmo sabendo que o refúgio será indeferido no futuro.[7]

Além do refúgio, os migrantes podem se regularizar através das hipóteses de autorização de residência, que constam no art. 30 da Lei de Migração, dentre elas, o trabalho. Nesse caso, se o migrante entrar em território brasileiro com visto de trabalho, poderá emitir seus documentos sem maiores complicações.  Porém essa está longe de ser a realidade da maioria.

Por isso, empresas comprometidas com a diversidade e com pautas humanitárias devem estar atentas a como auxiliar talentos estrangeiros que, por inúmeras circunstâncias, têm dificuldade de se regularizarem no Brasil.

Tendo o protocolo de refúgio e o CPF, o migrante pode requerer a carteira de trabalho e ser registrado como qualquer trabalhador brasileiro, não podendo, inclusive, haver qualquer tipo de discriminação salarial[8], cuja prática pode ensejar multa de até 50% do valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social [9].  O mesmo vale para aqueles que já têm o Registro Nacional Migratório[10] (“RNM” – o “RG” dos estrangeiros no Brasil). O formato desses documentos e sua numeração, que diferem dos documentos dos nativos, não deve ser um empecilho para que esses profissionais sejam registrados e recebam o mesmo tratamento digno no ambiente de trabalho.

ESTIGMAS

Os preconceitos e as posturas discriminatórias em relação aos migrantes, infelizmente recorrentes, prejudicam toda a sociedade, já que além de dificultar sua integração à cultura brasileira, nos priva do potencial criativo e econômico que eles trazem. É exemplo dessa postura negativa o dado gerado pela já mencionada pesquisa realizada pelo ACNUR, que mapeou que 41% dos refugiados entrevistados já sofreu algum tipo de discriminação.

O estudo “Immigrant Entrepreneurship”, de Sari Pekkala e William Kerr, traz que, entre 1995 e 2008, cerca de 37% das empresas norte-americanas foram fundadas por, pelo menos, um imigrante. Essa realidade é confirmada pela OCDE[11], que detectou uma porcentagem maior de empreendedores entre os migrantes residentes em seus países membros do que entre os nativos.

Além desse interesse por empreender, não podemos ignorar a bagagem cultural que os migrantes carregam e que pode ser um ótimo canal de troca e enriquecimento das experiências profissionais, expandindo os caminhos a serem traçados pelas empresas das quais fazem parte.

A série Semeando Diversidade, em posts anteriores, trouxe outros temas discriminatórios e que devem ser levados em consideração ao pensarmos na inclusão de migrantes no ambiente de trabalho. Um deles é a religião, uma vez que muitos migrantes vêm de países com religiões minoritárias no Brasil e lidam, por exemplo, com datas comemorativas e restrições alimentares diferentes.

A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, conhecida como Lei do Crime Racial, prevê punições penais para quem praticar ou estimular preconceito por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A discriminação contra migrantes, portanto, é enquadrada por essa lei. O art. 4º trata especificamente da recusa em empregar indivíduo por conta de etnia, procedência nacional etc.; a penalidade para essa prática, bem como para o tratamento distinto entre funcionários motivada por algum dos preconceitos acima citados, é de dois a cinco anos de reclusão.

COMO INCLUIR PROFISSIONAIS MIGRANTES NA SUA STARTUP?

Ao longo do post procuramos apontar os principais desafios enfrentados pela população migrante. A forma mais efetiva de atrair profissionais com esse perfil para sua startup é dar a eles a oportunidade de se desenvolverem sem os obstáculos que eles já encontram em outros ambientes, como a obrigatoriedade de apresentar documentos originais de seu país de origem ou o RNM, ao invés do protocolo entregue pela Polícia Federal no momento do pedido da autorização de residência ou refúgio. Vale lembrar que a exigência de documentos comprovadamente desnecessários pode ser entendida como uma forma de discriminação.

Grande parte da população migrante chega ao Brasil bastante preparada e com vasta experiência anterior, mas, por questões burocráticas, não consegue dar continuidade à sua carreira em solo brasileiro. Como já dissemos, nosso mercado também perde com o subaproveitamento desses talentos, que, muitas vezes, nem chegam a ter conhecimento das oportunidades.

As prefeituras e órgãos da sociedade civil têm organizado iniciativas e espaços e acolhimento que realizam a ponte entre migrantes e empregadores para evitar que esse ciclo de desconhecimento e subaproveitamento de qualidades se perpetue. É o caso, por exemplo, do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (“CRAI”)[12], vinculado à Prefeitura de São Paulo, que oferece acolhimento e atendimento especializado aos imigrantes como suporte jurídico, apoio psicológico e oficinas de qualificação profissional. Além do CRAI, há outros projetos ligados à iniciativa privada, como o WeWork Refugee Initiative[13], que desde 2017 e em parceria com a ACNUR, a Tent Partnership for Refugees e o International Rescue Comittee, reúne empresas e refugiados. A empresa, que trouxe o modelo de coworking para o Brasil, pretende contratar 1.500 refugiados nos próximos 5 anos, acompanhando-os em sua trajetória e oferecendo formações e conexões profissionais. Outra iniciativa bem-sucedida é a Plataforma Empresas com Refugiados[14], criada pela ACNUR, que se propõe a atuar em quatro diferentes áreas: promoção da empregabilidade; apoio ao empreendedorismo; incentivo a meios de conhecimento e educação; e realização de iniciativas de sensibilização e engajamento. Seguindo seu objetivo de capacitar também os empregadores do setor privado, para que estejam preparados para receber os refugiados e acolhê-los em suas empresas, a plataforma disponibiliza o guia prático Contratação de pessoas refugiadas no Brasil: Dados e Perguntas Frequentes, que traz, de forma bastante didática, informações sobre os procedimentos e as boas práticas na contratação desses profissionais.

CONCLUSÃO

A nacionalidade ou etnia não tem nenhum impacto na qualificação de um profissional, ao contrário do que os estereótipos e discursos baseados em preconceito e xenofobia indicam. Ter isso em mente contribui para a construção de um ambiente diverso e com talentos complementares, o que tem só a acrescentar para o desenvolvimento de uma startup.

Criar um ambiente de trabalho diverso e incluso não ocorre espontaneamente. É preciso o emprego de esforços para criar oportunidades que abarquem pessoas que estejam normalmente impossibilitadas de acessar vagas normalmente ocupadas por indivíduos sempre com as mesmas vivências e características. A busca por uma sociedade mais justa necessariamente perpassa a nossa capacidade de garantir espaços para que todos possam desenvolver os seus máximos potenciais. Isso envolve criação de vagas e outras oportunidades focadas para grupos minoritários.

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