Baptista Luz

28/07/2020 Leitura de 6’’

Incorporação de Sociedades com Patrimônio Líquido Negativo – Instrução Normativa DREI nº 81

28/07/2020
  • 6’’
  • / Escrito por:

    Gabriel Oliveira Xavier

O Departamento de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) é o órgão responsável pela coordenação e orientação técnica de todas as Juntas Comerciais responsáveis pelos registros de empresas mercantis no Brasil1. No dia 1º de julho de 2020, entrou em vigor a Instrução Normativa nº 81 (“IN 81)por meio da qual este órgão realizou grande reforma de suas normas técnicas, consolidando grande parte de suas orientações nesta única instrução. 

Entre os diversos temas abordados pela IN 81o DREI tornou incontroversa a possibilidade de incorporação de sociedade com patrimônio líquido negativoEste posicionamento vem após anos de discussões, tanto peldoutrina quanto pelpróprio DREI, cujo entendimento pela possibilidade da citada incorporação já havido sido confirmado em diversas oportunidades. 

Neste sentido, em 2018, foi solicitado parecer aDREI em virtude de recurso interposto por uma sociedade empresária que teve o arquivamento de seu ato incorporador recusado pela Junta Comercial do Estado de Pernambuco. A Junta em questão, em sessão planária, havia indeferido o pedido de arquivamento sob a justificativa de que não seria possível realizar incorporação de sociedade com patrimônio líquido negativo, vez que a incorporação apenas se opera mediante aumento de capital da incorporadora, contrariando parecer dado pela própria Diretoria Jurídica do órgão. 

Na oportunidade, que originou o Parecer nº 32/2018-SEI-DREI/SEMPE, o DREI se posicionou favorável à incorporação explorando 2 principais pontos: (i) a não essencialidade do aumento de capital para que uma incorporação se opere; e (ii) a inexistência de vedação legal à incorporação de sociedade com patrimônio líquido negativo. 

Reafirmando o entendimento estabelecido no Parecer CONJUR/MIC nº129/1996 e a manifestação da Nota nº 25/2015/SMMR/NATN/DREI, o órgão destacou que os artigos 227 da Lei 6.404/76 e 1.116 do Código Civil definem a incorporação como sendo a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede universalmente, com a consequente extinção das incorporadas. Esses são os elementos essenciais da incorporação, não havendo previsão legal que estabeleça o aumento de capital como pressuposto da concentração empresarial. 

Apesar de ser o que normalmente ocorre, há casos em que o aumento não se opera, seja por desnecessidade, como no caso de a incorporadora possuir ações em tesouraria para conferir aos novos sócios, seja por incompatibilidade, como no caso de incorporação de subsidiária integral com patrimônio líquido negativo. Nesse último caso, a incorporadora terá a opção de compensar o passivo incorporado com seus lucros acumulados, ou mesmo operar uma redução de seu próprio capital social. Da mesma maneira se posiciona a doutrina sobre o tema. 

Além disso, como depreendido da análise da legislação aplicável às incorporações, não há – e já não havia antes da IN 81 – impeditivo legal à concentração nos moldes descritos. 

 

Questões indefinidas 

Apesar do esforço da doutrina e do próprio DREI em advogar pela viabilidade de uma sociedade com patrimônio líquido negativo ser incorporada, algumas questões carecem de esclarecimento. 

A mais importante para o que aqui se discute é o que ocorreria com os sócios da sociedade incorporada, vez que a incorporadora não aumentará seu próprio capital para conferir-lhes quotas/ações. 

A Junta Comercial do Estado de São Paulo (“JUCESP”), no Parecer nº 201 datado de 1989, fornece parte da resposta ao se pronunciar justamente pela admissibilidade da incorporação com redução de capital da incorporada, frente ao patrimônio líquido negativo da incorporada. Na ocasião, no qual se discutia incorporação de sociedade controlada, a JUCESP esclarece que se deveria: (i) encontrar fórmula que permita a entrada dos sócios da incorporada no quadro social da incorporadora apesar da redução de capital deste; ou (ii) providenciar a retirada dos sócios da sociedade previamente e prosseguir com a incorporação de uma subsidiária integral. 

Sobre a primeira solução proposta, entretanto, pouco foi dito, não havendo exemplos de como isso seria possível. 

Já no que tange a segunda solução, não é incomum encontrar exemplos de incorporações nas quais os sócios da sociedade incorporada conferem toda sua partição para a incorporadora – por vezes no mesmo documento – antes de aprovar a operação. 

Além disso, o DREI já esclareceu que o recebimento de participações da sociedade incorporadora também não constitui elemento essencial do processo de incorporação. Vejamos o que ficou estabelecido no CONJUR/MIC nº129/1996: 

Assim como os acionistas podem validamente reconhecer a perda do capital, totalmente consumido por prejuízos, e a consequente extinção de suas ações […] podem também aprovar a incorporação da sociedade sem substituição das suas ações da incorporadora, ou seja, considerado extintas as ações correspondentes ao capital perdido. A sociedade é incorporada no estado em que se encontra. Se o patrimônio líquido da sociedade é negativo, seus sócios nada têm que receber da incorporadora, assim como nada teriam que receber, se a sociedade a que pertencem fosse liquidada nesse estado. 

 

Por fim, outra solução doutrinariamente ventilada é a de avaliar a sociedade incorporada por métodos alternativos que lhe confiram avaliação positiva, por exemplo, a perspectiva de rentabilidade futura. Nesta hipótesehaverá o aumento do capital social da incorporadora, obedecendo ao valor apontado pelo laudo de avaliação, ainda que, do ponto de vista contábil, a sociedade incorporada apresente patrimônio líquido negativo. 

 

Conclusão 

O posicionamento do DREI e da doutrina já era pacífico no sentido de admitir a incorporação de sociedades com patrimônio líquido negativo, mesmo sem aumento de capital da incorporadora. Apesar disso, a aplicação do firmado entendimento não era uniforme, gerando controvérsias em algumas Juntas Comerciais. 

Com a IN 81, não resta dúvidas de que a incorporação que siga esse modelo não é contrária a lei, havendo diversos exemplos na doutrina e na prática forense de como a concentração se operacionalizaria. 

No que pese os esforços, alguns pontos permanecem incompreendidos. O principal deles é como viabilizar a entrada dos sócios da incorporada na incorporadora sem o aumento de capital desta última. Sobre o assunto, o DREI já esclareceu que tal ingresso na incorporada não é característica essencial da incorporação, havendo possibilidade de se operar a saída dos sócios antes da incorporação. Alternativamente, pode-se eleger método diverso de avaliação da sociedade incorporada para que se chegue a um valor positivo. Com isso, restaria justificada a emissão de quotas/ações da incorporadora. 

De uma maneira ou de outra, a IN 81 representa a perda de uma oportunidade de melhor regular o tema, deixando à prática forense o dever de encontrar soluções consistentes para situações sobre as quais a lei é silente.

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