Baptista Luz

17/06/2020 Leitura de 17’’

Propriedade Intelectual em transações de Corporate Venture Capital

17/06/2020
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Introdução

A prática de Corporate Venture Capital (“CVC”) cresceu nos últimos anos e se tornou extremamente importante para o desenvolvimento tecnológico nos mais variados setores. Cada vez mais, grandes organizações se aproximam de startups e scale-ups, para desenvolver e implementar soluções sistêmicas que não poderiam ser desenvolvidas ou implementadas dentro de uma estrutura robusta e complexa como as de empresas de médio e grande porte. Esta prática realizada pelas organizações representa, inclusive, uma estratégia para o rápido crescimento de seus negócios.

Ao realizar a seleção das empresas para investir, além de analisar seus aspectos estruturais (modelo de negócio) e operacionais, os investidores devem promover uma criteriosa análise sobre seus diversos documentos, a fim de verificar os riscos jurídicos eventualmente existentes. Entre esses riscos, merecem destaque as questões relacionadas à propriedade intelectual, que muitas vezes constitui o principal ativo das empresas com viés de inovação.

Dessa forma, neste artigo trataremos especificamente dos requisitos de due diligence sob o prisma da propriedade intelectual, ainda que haja outras questões jurídicas igualmente relevantes a serem observadas antes de se realizar um investimento importante.

 

Por que a Propriedade Intelectual é relevante?

A proteção conferida por meio dos institutos de propriedade intelectual é o que sustenta a inovação produzida e, ao fim e ao cabo, o investimento como um todo. Assim, os investidores devem ter especial atenção sobre esse tema.

A análise das questões relativas à propriedade intelectual deve ser feita de forma cuidadosa, para garantir que não haja empecilhos ao desenvolvimento e exploração da inovação produzida pela empresa que será investida, ou mapear eventuais riscos à sua exploração, se houverem, evitando entraves ao desenvolvimento do negócio. Ainda, uma análise minuciosa pode evitar que os investidores sejam demandados extrajudicial ou judicialmente por terceiros, alegando violação aos seus direitos de propriedade intelectual, indenização pelo uso indevido e cessação do uso do ativo.

Dessa forma, é importante que o investidor consiga selecionar empresas que estejam devidamente regularizadas ou, pelo menos, avaliar o risco assumido ao se investir em uma empresa que não esteja totalmente em conformidade esperada.

 

Conhecendo estratégias

Considerando a importância de verificar a regularidade da empresa do ponto de vista da propriedade intelectual, antes de investir em uma empresa, sugerimos algumas etapas estratégicas para operacionalizar essa investigação:

  • Primeiro passo: Atenção ao acordo prévio de fundadores das empresas. Por meio deste acordo, no caso das empresas cuidadosas, espera-se que tenha sido estabelecido que a propriedade intelectual produzida pelos sócios no âmbito dos negócios da empresa foi cedida totalmente à sociedade.
    • Se sim: Ponto positivo! Isso evita que se houver a retirada ou exclusão de algum dos sócios a empresa seja impedida de explorar a sua propriedade intelectual ou que seja necessário pagar para fazê-lo.
    • Se não: Não é o fim do mundo. A recomendação é checar se existem outros contratos particulares firmados entre a empresa e os sócios, que prevejam a cessão total da titularidade da propriedade intelectual.

 

  • Segundo passo: Confirme se há contratos firmados entre as empresas e terceiros que contribuíram com o desenvolvimento da tecnologia, tais como programadores (no caso de software) ou engenheiros (no caso, por exemplo, de patentes de invenção), ou entre as empresas e seus funcionários internos que, contratados ou não para este fim, acabaram por desenvolver sistemas para a sociedade.
    • Caso haja: É importante verificar se foram firmados contratos com todos os parceiros que contribuíram para o desenvolvimento dos ativos da empresa, analisando cada um dos documentos para verificar se possuem cláusulas claras e completas a respeito da titularidade da propriedade intelectual. O mesmo se aplica para os funcionários que eventualmente desenvolveram sistemas para a sociedade: é necessário verificar os contratos de trabalho ou termos de cessão para confirmar que a titularidade da propriedade intelectual por eles desenvolvida pertence à sociedade.
    • Caso não haja ou as cláusulas sejam incompletas: É recomendável apontar esta questão e auxiliar, se for o caso, as empresas para formalizarem a mencionada cessão, conforme o caso.

 

  • Terceiro passo: Analisar se há cláusulas de confidencialidade nos contratos, com o objetivo de proteger as informações estratégicas da empresa, tendo em vista que determinadas informações, principalmente aquelas atinentes a segredos de negócio, são importantíssimas para a empresa e precisam ser mantidas confidenciais. Ainda, é necessário verificar se há acordos de confidencialidade firmados com todos os colaboradores, fornecedores e demais terceiros que tiveram ou que tenham acesso às informações confidenciais da empresa.
    • Caso haja: Ótimo, as informações da empresa estarão contratualmente protegidas e a preocupação a partir disso deve estar concentrada em continuamente firmar termos de confidencialidade com os novos colaboradores e parceiros.
    • Caso não haja: É recomendável apontar e auxiliar, se for o caso, as empresas para formalizarem obrigações de confidencialidade em todas estas relações, sejam estas obrigações em forma de acordos de confidencialidade ou incluídas nos contratos que tenham sido firmados com estas pessoas. Outro ponto importante é garantir que as empresas selecionadas tenham medidas razoáveis de segurança da informação, para que informações valiosas da empresa não fiquem vulneráveis a acessos ou divulgações indevidas. Uma boa prática a ser verificada nas empresas é se há o estabelecimento de níveis de acesso às informações, de modo que cada colaborador, dependendo de sua função, tenha acesso apenas às informações que realmente forem necessárias para o exercício de sua atividade.
  • Quarto passo: Após garantir contratualmente que toda a propriedade intelectual desenvolvida para a empresa está sob sua exclusiva titularidade (isto é, sob a propriedade da empresa), os investidores deverão verificar se referidos ativos também estão devidamente registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”) sob sua titularidade, no que for aplicável, como no caso do registro de marca, de patente, de software, como será melhor explicado adiante, bem como de seus nomes de domínio no Registro.br.
    • Atuação internacional: caso a empresa atue fora do país, deve ser verificado se a empresa possui o registro da sua propriedade intelectual nas outras jurisdições em que atua, pois, muitas vezes, a proteção assegurada pelo registro será restrita ao território do país em que o registro foi feito.                                                            No caso das patentes, por exemplo, a proteção costuma se dar a nível internacional, de tal forma que se a patente estiver registrada em algum lugar do mundo, um terceiro não poderá infringi-la em qualquer que seja o lugar. De qualquer forma, o registro em todos os territórios onde o produto objeto da patente for comercializado pode ser uma boa prática para aumentar a eficácia da patente e reprimir eventuais violações.                         No caso das marcas, por sua vez, a proteção é nacional, assim, é importante que as marcas da empresa estejam registradas em todos os territórios em que a empresa terá atividade. Hoje, é possível requerer proteção marcária em diversos países por meio do depósito de um só formulário de pedido internacional no INPI, em único idioma, e com pagamento centralizado. Isso se deve à adesão do Brasil ao Protocolo de Madri, que simplificou os procedimentos de registro de marca no exterior.
  • Quinto passo: É recomendável também verificar se as licenças de software de terceiros utilizados pela empresa para a execução de seus negócios estão válidas, regulares e sendo devidamente pagas, para mapear eventuais passivos ou violação de direitos de terceiros.
    • Software open-source: Se a empresa utiliza programas de computador do tipo open-source, é importante verificar se possui licença para tanto e se não está fazendo uso do software além do permitido.                                                                                               Além disso, é aconselhável pesquisar, em sites de buscas, pelo nome das empresas selecionadas para verificar sua reputação.

 

Checklist de Due Diligence

Os principais pontos a serem observados em uma due diligence com relação à propriedade intelectual variam de acordo com a empresa alvo, mas podem ser resumidos da seguinte forma:

contratos firmados com terceiros e funcionários que contribuíram no desenvolvimento da propriedade intelectual da empresa, para verificar se os direitos de propriedade intelectual foram devidamente cedidos à empresa;

contratos firmados com todos aqueles que puderam ter acesso a informações estratégicas da empresa, para verificar se tais instrumentos possuem obrigações de confidencialidade;

acordos de confidencialidade firmados com colaboradores, fornecedores e outros terceiros que puderam ter acesso a informações estratégicas da empresa;

níveis de acesso às informações pelos colaboradores, dependendo de sua função na empresa;

– contratos envolvendo uso ou cessão de ativos de propriedade intelectual detidos ou utilizados pela empresa (incluindo, sem limitação, contratos de licença de uso, contratos de desenvolvimento, de transferência de tecnologia e termos de cessão)

– registros de marcas, software, patentes, nomes de domínio e outros, conforme aplicável;

– medidas adequadas de segurança da informação, para garantir que as informações confidenciais estão devidamente protegidas e não expostas;

– verificar a existência de licenças de software de terceiros, confirmar sua vigência, se estão sendo regularmente pagas, se há previsão de alguma multa de valor relevante e as hipóteses de término do contrato;

– no caso da utilização de software open-source, verificar se estão sendo devidamente respeitados os limites do licenciamento;

– eventuais reclamações de terceiros com relação ao uso indevido de ativos de propriedade intelectual da empresa ou ao pagamento irregular da licença de algum ativo de propriedade intelectual de terceiro por ela utilizado;

– eventuais processos judiciais ou arbitrais que envolvam os ativos de propriedade intelectual utilizados ou detidos pela empresa;

– processo contínuo da empresa de monitoramento da propriedade intelectual.

Contratos comerciais e Registros

Para verificar o risco de um investimento em uma empresa, é necessário entender quais medidas foram tomadas por ela para proteger seus ativos de propriedade intelectual. Esse resguardo é feito pela análise de contratos e parcerias, verificação dos registros de propriedade intelectual (como patentes de invenção e marcas) e a definição da titularidade desses ativos.

 

Contratos e Parcerias

  • Relação com fornecedores e parceiros: No início de seu ciclo de vida, a empresa pode ter concedido direitos exclusivos, direitos de preferência, concordado com fornecedores únicos e firmado outras disposições contratuais restritivas com clientes, parceiros e fornecedores, a fim de ganhar tração. A menos que tais direitos/restrições sejam habilmente limitados por um tempo determinado para servir a seu propósito legítimo, o resultado não intencional pode ser extremamente prejudicial a médio e longo prazo pensando em uma aquisição estratégica.
  • Dados pessoais: Para muitos negócios, os dados por si vão representar ativos separados e cruciais de propriedade intelectual que a empresa deve desenvolver, coletar e manter para o uso adequado de suas ferramentas de acordo com as regulações pertinentes. Nesse contexto, para toda empresa que utiliza dados como verdadeiros ativos de propriedade intelectual (e, mais importante, para empresas cujos dados são o seu core business), é necessário que o investidor identifique o compliance com as normas legais sobre proteção de dados pertinentes e o nível de preparação estratégica da empresa sobre a segurança daqueles dados.
  • Licenças e Acordos Comerciais: É importante analisar quais são os contratos que a empresa tem firmado com terceiros, principalmente quais as licenças mais relevantes para a condução dos seus negócios , contratos com fornecedores e outros documentos relevantes. Ao revisar esses acordos, a atenção deve se concentrar na identificação de áreas de risco material e potencial exposição a passivos (por exemplo, contratos críticos que terminam em uma transação de venda) e na avaliação de determinados acordos materiais que suportam premissas comerciais e financeiras importantes nas quais um investimento se baseia (por exemplo, contratos de geração de receita que podem ser rescindidos a qualquer tempo ou a curto prazo por clientes e/ou fornecedores estratégicos).
  • Acordos de Confidencialidade: É fundamental garantir a existência de acordos de confidencialidade com todos os colaboradores, fornecedores e demais terceiros que venham a ter acesso às informações confidenciais da empresa, como dados pessoais, segredos de negócio e outras que sejam estrategicamente importantes para a empresa. Idealmente, essas obrigações de confidencialidade devem permanecer durante todo o período que vigorar a relação entre a empresa e o colaborador, fornecedor ou terceiro, e por um período adicional após o término de tal relação. Importante destacar que, com relação aos dados pessoais e aos segredos de negócio, as obrigações devem perdurar por tempo indeterminado, tendo em vista a natureza de tais informações e a proteção que a lei as confere.

Ainda, é recomendável que a empresa garanta que cada colaborador tenha acesso somente às informações que realmente necessitar para o exercício de sua função dentro da empresa. Nem todos os funcionários precisam ter acesso a todas as informações, de tal forma que devem ser estabelecidos níveis de acesso dentro da empresa, dependendo da função de cada colaborador. Isso também mitiga riscos relacionados ao uso indevido de informações.

 

Registros de PI

  • Marca. Por ser o ativo de propriedade intelectual mais comum, é essencial analisar se a empresa tem registro vigente no INPI das marcas – logos e/ou expressões – que ela efetivamente usa para identificar seus produtos e/ou serviços no mercado (e se há alguma disputa sobre elas). Por meio desse registro, a empresa pode impedir que terceiros usem o mesmo logo/palavra para identificar seus produtos e/ou serviços, evitando o desvio de clientela.
  • Patente de Invenção. O registro de uma patente de invenção é a garantia jurídica de que a empresa é a única titular sobre determinada tecnologia e, portanto, a única autorizada a explorá-la e/ou licenciá-la. Do mesmo modo, caso a empresa esteja usando tecnologia de terceiros, é importante entender se ela faz essa exploração de forma correta, por meio das licenças e cessões pertinentes.
  • Direitos Autorais. Ao contrário das outras formas de proteção citadas, a lei não exige o registro de direitos autorais para que o autor possa impedir seu eventual uso indevido por terceiros, essa é apenas uma faculdade do titular. Todavia, o registro é recomendável já que, em caso de alguma disputa, poderá servir como uma importante comprovação de que quem possui os direitos autorais daquele trabalho é a empresa registrante.
  • Software. Esse registro é feito de forma sigilosa e, assim como as outras proteções, aumenta a segurança jurídica do registrante. Porém, atenção! O sistema nacional protege apenas o texto do código-fonte (o qual é alterado constantemente, principalmente em fases iniciais) e não a funcionalidade do programa, assim, vale destacar que esse registro pode não ser estratégico para todas as empresas.

Assim, há uma grande variedade de instrumentos de proteção de ativos intangíveis disponíveis para uma empresa utilizar. Importante notar que há outras formas de proteção e relações comerciais que não foram mencionadas aqui. Para entender qual é a proteção mais adequada (e usá-la estrategicamente) é sempre necessário avaliar as atividades da empresa, seus objetivos e a relevância daquele ativo para a condução de seus negócios.

 

Titularidade da PI e foreground/background IP

Tendo avaliado as principais formas de proteção, é importante verificar quem é ou quem eventualmente será o titular e, consequentemente, estará autorizado a explorar economicamente o ativo de PI em questão.

Nesse contexto, no momento da transação de CVC, deve-se (i) avaliar se a PI que será utilizada é de titularidade exclusiva da empresa em que se investe, (ii) delimitar a titularidade da PI existente previamente ao investimento (Background IP) e (iii) estabelecer quem será o titular da PI desenvolvida em conjunto (Foreground IP).

O primeiro item diz respeito à segurança de que a PI da empresa não será objeto de disputa. Para tanto, é necessário avaliar quais são as formas de proteção já existentes (como os registros de marca ou patente, por exemplo) e olhar a cadeia de desenvolvimento daquele ativo. Isso inclui garantir que eventuais licenças e cessões de direitos sobre determinadas criações tenham sido formalizadas por colaboradores, empregados e sócios, assim como entender se tal ativo foi desenvolvido internamente, em parceria com terceiro, ou em ambiente em que seja obrigatório compartilhar a titularidade, como universidades e laboratórios externos.

O segundo e terceiro itens consistem na mediação entre os interesses das empresas sobre as tecnologias em jogo. Após delimitar-se no que consiste a background IP, deve-se questionar a quem pertencerá a foreground IP. Isso inclui determinar, por exemplo, a obrigatoriedade de cessão ou licenciamento, remunerada ou não, ou outra forma e modo de exploração. De modo geral, não existem regulações legais que obriguem as partes a seguir uma ou outra direção, assim, recomenda-se deixar clara a vontade da empresa investidora no contrato celebrado.

 

Conclusão

Como visto, a busca por inovação e pelo crescimento comercial que vem impulsionando a realização de transações de CVC cria um cenário em que, mais do que nunca, é necessário avaliar de forma minuciosa as empresas que estão na linha de frente desse processo e poderão agregar valor às organizações.

Consequentemente, é aconselhado estar atento às questões relacionadas à proteção da propriedade intelectual antes da celebração do investimento. Esclarecer desde cedo sobre quem recairá a titularidade dos ativos intelectuais evita desgastes futuros na relação comercial com a empresa, assim como diminui o risco de eventual disputa judicial.

Diante do exposto e considerando o espaço que as transações de CVC ganharam no atual cenário da inovação, é essencial que os investidores sejam cautelosos e tenham em mente as questões discutidas, seguindo os passos necessários para garantir uma avaliação fundamentada que levem em consideração a titularidade da propriedade intelectual desenvolvida, a existência de acordos de confidencialidade das informações e os registros aplicáveis. Estes cuidados, além de minimizar os riscos jurídicos, têm como objetivo justamente possibilitar e acelerar o desenvolvimento da inovação e da tecnologia.

 

/ Revisores:

Pedro H. Ramos

Juliana Penna

Fabio Salmoni

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Entre em contato com os autores ou visite a página da área de Propriedade Intelectual

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