Baptista Luz

14/05/2019 Leitura de 9’’

Instrução Normativa 1.888/2019: a regulação do mercado de criptoativos

14/05/2019

A tão esperada regulação do mercado de criptoativos chegou. Para quem esperava algo equilibrado, a instrução deixou a desejar.

A Instrução Normativa nº 1.888, de 3 de maio de 2019 (“IN 1.888/2019”) da Receita Federal do Brasil (“RFB”) apresenta obrigações aplicáveis para todos os atores do mercado de criptoativos.

Após a Consulta Pública RFB nº 6/2018[1], diversos eventos e indagações sobre o tema, o órgão editou a IN 1.888/2019. O objetivo da norma é instituir e disciplinar a prestação de informações sobre operações com criptoativos[2] e passará a valer a partir de 01/08/2019.

As informações deverão ser prestadas por meio do sistema Coleta Nacional, no Centro Virtual de Atendimento da RFB, o e-CAC, com utilização do certificado digital. No entanto, a plataforma onde os dados serão inseridos ainda não está disponível. A IN 1.888/2019 definiu que, em até 60 dias, será publicado ato para definir o layout dessa plataforma, assim como a divulgação de um manual prático[3].

Entendemos que o mercado de criptoativos precisa de uma regulação que busque equilibrar a segurança dos investidores e exchanges para continuarem atuando neste promissor mercado com instrumentos que impeçam a utilização desses ativos para finalidades ilícitas. A presente instrução, no entanto, apresenta problemas que podem prejudicar o mercado, ainda nascente, como veremos adiante.

 

Definições importantes

Um dos pontos positivos da IN 1.888/2019 foram as definições adotadas:

criptoativo: “a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

exchange de criptoativo: “a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação[4], negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”.

De modo geral, essas definições refletem bem os conceitos utilizados pelo mercado e conferem segurança para os atuantes. O fato de as exchanges não precisarem ser instituições financeiras, por exemplo, é adequada, já que a regulação do setor financeiro é muito robusta e poderia inviabilizar o mercado.

 

Quem deve prestar as informações?

A obrigatoriedade da prestação de informações é direcionada:

  • às exchanges de criptoativos domiciliadas no Brasil;
  • à pessoa física ou jurídica domiciliada ou residente no Brasil quando o valor mensal das operações ultrapasse R$ 30 mil[5] nas seguintes situações:
    • as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior;
    • as operações não forem realizadas em exchange.

As operações realizadas com criptoativos que obrigatoriamente deverão ser informadas são:

  1. compra e venda;
  2. permuta;
  3. doação;
  4. transferência de criptoativo para a exchange;
  5. retirada de criptoativo da exchange;
  6. cessão temporária (aluguel);
  7. dação em pagamento;
  8. emissão;
  9. outras operações que impliquem em transferência de criptoativo.

Observa-se que quase toda operação com criptoativos enseja a obrigação de prestar informações à RFB.

 

Quais informações devem ser prestadas?

As exchanges de criptoativos domiciliadas no Brasil e as pessoas físicas e jurídicas que operarem sem exchange deverão apresentar as seguintes informações:

  1. a data da operação;
  2. o tipo da operação;
  3. os titulares da operação;
  4. os criptoativos usados na operação;
  5. a quantidade de criptoativos negociados, em unidades, até a décima casa decimal;
  6. o valor da operação, em reais, excluídas as taxas de serviço cobradas para a execução da operação, quando houver;
  7. o valor das taxas de serviços cobradas para a execução da operação, em reais, quando houver;
  8. o endereço da wallet de remessa e de recebimento, se houver.

As operações realizadas por pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no Brasil, com exchanges domiciliadas no exterior, deverão prestar as mesmas informações acima relacionadas, além de identificar a exchange utilizada.

Um dos pontos mais complicados da IN 1.888/2019 são as informações que devem ser fornecidas para a identificação dos titulares da operação:

  1. nome;
  2. nacionalidade;
  3. domicílio fiscal;
  4. endereço;
  5. número de inscrição no CPF ou CNPJ ou NIF no exterior;
  6. quando houver, nome empresarial e demais informações cadastrais.

Um problema geral sobre essas informações solicitadas é que muitas delas podem não estar disponíveis, tendo em vista a tecnologia inerente às blockchains. Colocar essas informações como obrigatórias pode inviabilizar a negociação de alguns criptoativos que não fornecem alguns desses dados, pois priorizam a privacidade de seus usuários. Nessa toada de cumprimento impossível de prestar as informações, os dados necessários para a identificação dos titulares são extremamente problemáticos. No mercado de criptoativos, muitas vezes, as blockchains não permitem que os atuantes tenham acesso aos dados requeridos pela instrução.

Outra questão é o aumento das obrigações acessórias que devem ser cumpridas pelas exchanges. Isso irá encarecer os serviços prestados e limitar a comercialização de diferentes tipos de criptomoeda, ameaçando o crescimento do mercado.

Também não nos parece interessante colocar as mesmas obrigações para exchanges e pessoas físicas que atuam no mercado. Ao mesmo tempo que reforça a importância da exchange em conferir segurança e informação ao investidor médio do ramo, ela interfere sobremaneira na independência dos investidores. A independência e a privacidade são elementos inerentes ao mercado de criptoativos e criar essa dificuldade vai na contramão das práticas dele.

Vale observar, ainda, que a RFB já exigia que as pessoas físicas declarassem as criptomoedas anualmente em sua Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física bem como apurasse o respectivo ganho de capital nas operações que ultrapassassem o valor de R$ 35.000,00/mês, de maneira que o órgão certamente pretende cruzar esses dados com as informações que passarão a ser prestadas mensalmente, como veremos a seguir.

 

Prazos e retificações

As informações deverão ser enviadas, mensalmente, à RFB no último dia útil do mês calendário subsequente ao que as operações ocorreram. A primeira entrega está prevista para setembro de 2019, quando serão apresentadas informações referentes às operações de agosto de 2019.

Esse prazo é extremamente curto para que o mercado se adapte e implemente as mudanças obrigatórias, especialmente considerando que ainda não foram disponibilizados o layout e o manual prático do sistema e que a RFB terá até 60 dias para fazê-lo. Supondo que todo o prazo seja utilizado, os atuantes no mercado terão menos de 1 mês para se adaptarem.

As exchanges domiciliadas no Brasil deverão, ainda, apresentar informações sobre cada um de seus usuários no mês de janeiro subsequente ao ano calendário das operações. Essas informações deverão ser prestadas em conjunto com as informações mensais que apresentamos no item anterior, e elas são:

  • o saldo de moedas fiduciárias, em reais;
  • o saldo de cada espécie de criptoativos, em unidade dos respectivos criptoativos;
  • o custo, em reais, de obtenção de cada espécie de criptoativo, declarado pelo usuário de seus serviços, se houver.

Além da grande quantidade das informações a serem apresentadas, a frequência na qual elas devem ser prestadas também é um grande problema. O repasse mensal que deve ser feito pelas exchanges, pensando que sua maioria é constituída por startups, é bastante irrazoável. Essa frequência é muito parecida com aquelas exigidas pela Instrução Normativa nº 1.571, de 02 de julho de 2015. No entanto, elas são exigidas de empresas maiores e que prestam essas informações semestralmente.

Já sobre a retificação, caso pessoas físicas ou jurídicas constatem erros, inexatidões ou omissões nas informações prestadas, poderão apresentar retificação, sem cobrança de multa desde que ocorrida antes de qualquer procedimento de fiscalização por parte da RFB.

 

Sanções

Em caso de prestação da informação fora do prazo, as multas correspondem a R$ 500,00 por mês em caso de pessoas jurídicas optantes pelo Simples ou pelo Lucro Presumido, entidades imunes ou isentas, R$ 1.500,00 para as demais pessoas jurídicas, e R$ 100,00 para as pessoas físicas.

Já na hipótese de informações prestadas com inexatidões ou de forma incompleta, aplica-se a multa de 3% do valor da operação para as pessoas jurídicas (exceto optantes pelo Simples, em que o percentual aplicável é de 2,10%). Já para as pessoas físicas, a multa é reduzida para o percentual de 1,5%.

 

Conclusão

Apesar da necessidade de maior transparência e controle do mercado de criptoativos, acreditamos que a IN 1.888/2019 apresenta uma série de problemas e acaba por desestimular as operações com criptoativos e impor pesadas obrigações aos seus agentes.

Mesmo com a realização da Consulta Pública RFB nº 6/2018 sobre o assunto e diversos outros debates, a RFB não levou em consideração elementos centrais do cotidiano desse mercado. A IN 1.888/2019 apresenta obrigações incompatíveis com as tecnologias utilizadas e com o tamanho das empresas atuantes, de médio e pequeno porte, que devem atender obrigações acessórias mais severas do que instituições financeiras.

Infelizmente a regulação apresentada não convergiu com os anseios do mercado. Pelo contrário, a RFB buscando coibir ilícitos e a prática de sonegação fiscal pelos investidores de criptoativos, criou obrigações exacerbadas que ameaçam um mercado que ainda engatinha.

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NOTAS E REFERÊNCIAS:

 

Notas

[1] Disponível em https://receita.economia.gov.br/sobre/consultas-publicas-e-editoriais/consulta-publica/arquivos-e-imagens/consulta-publica-rfb-no-06-2018.pdf. Acesso em 07/05/2019.

[2] Artigo 1º da IN 1888/2019.

[3] Idem. Artigo 2º.

[4] O conceito de intermediação é especificado pelo parágrafo único do artigo 5º da IN 1.888/2019: “Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços.”.

[5] Idem. Artigo 6º, §1º.

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