Baptista Luz

14/08/2020 Leitura de 9’’

Série Transformando o Direito: Direito de ir e vir durante a pandemia: a utilização de hashtags em movimentos de sensibilização da opinião pública

14/08/2020
  • 9’’
  • / Escrito por:

    Maria Cecília Moreira

Se antes era possível ir de uma ponta a outra do globo em questão de horas, agora a pandemia da Covid-19 nos força a diminuir ao máximo nossa mobilidade para evitar a disseminação do vírus. Como o Direito trata dessa restrição? Como a opinião pública vem se formando a respeito dela? Entenda a relação entre a campanha #loveisnottourism e o universo jurídico.

 

Revisor:

/ Alexandre Elman Chwartzmann

 

1.     Introdução

Você já parou para pensar sobre a utilização de hashtags para sensibilização da opinião pública durante a pandemia gerada pelo novo Coronavírus? E qual o impacto das hashtags no Direito?  Fato é que esse instrumento tem sido cada vez mais utilizado: todos os dias novas hashtags vão para os trending tops do Twitter e circulam pelo Instagram, abordando assuntos que variam desde notícias importantes sobre movimentos políticos e sociais, até questões relacionadas a lifestyle e marketing digital de empresas.

Um dos movimentos mais recentes nesse sentido se encontra nas campanhas conhecidas como #loveisnottourism e #loveisessential, que podem ser traduzidas para o português como #amornãoéturismo e #amoréessencial. Trata-se de campanha destinada a sensibilizar os governos a flexibilizar as duras restrições de viagens internacionais, para permitir o encontro de casais cujos membros estavam em países diferentes quando da eclosão da pandemia.

Diante deste cenário, neste artigo vamos analisar as hashtags e identificar como essa nova forma de se comunicar é cada vez mais utilizada para propagar movimentos de opinião pública, com relevantes impactos jurídicos.

 

2.     Qual impacto das hashtags no Direito?

Inicialmente, podemos relacionar as hashtags com a extensão da proteção das marcas na internet. Nós abordamos esta matéria no artigo “Extensão da Proteção das Marcas na Internet”[1], integrante desta mesma Série “Transformando o Direito”.

Vale lembrar que uma hashtag é considerada uma palavra, expressão ou frase antecedida pelo sinal “#”, usada em websites e em redes sociais para delimitar publicações sobre um determinado assunto. Em termos práticos, a hashtag é um hiperlink que direciona o usuário para outra página com publicações, fotos e textos em que a mesma expressão foi referenciada. As hashtags podem ser incluídas antes, após ou no meio da mensagem a ser publicada virtualmente; aliás, a hashtag pode ser o único conteúdo da própria mensagem[2].

Não há ainda uma regulamentação no Brasil específica sobre a utilização das hashtags. Todavia, há casos em que a hashtag pode ser registrada como uma marca junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (“INPI”), sujeitando-se ao regramento da Lei de Propriedade Industrial no que se refere à marca.

A hashtag tem muitas funcionalidades. Em nosso artigo anterior demonstramos como ela pode ser um instrumento crucial no desenvolvimento da estratégia de marketing de empresas, que podem utilizar hashtags como forma de criar engajamento por meio de uma mensagem atrativa aos seus consumidores, gerando de compartilhamentos pelos usuários das redes sociais e, consequentemente, aumentando a visibilidade e consciência sobre determinada marca.

Outra funcionalidade de hashtags refere-se aos movimentos de sensibilização da opinião pública, dos quais são eloquentes exemplos as campanhas #metoo (sobre assédio sexual) e #blacklivesmatter (sobre racismo). Na contemporaneidade, e considerando o distanciamento social, podemos concluir que as faixas e os cartazes que eram empunhados em manifestações presenciais foram substituídos por ações online, que tem como parte relevante a utilização das hashtags.

Para analisar em maior profundidade o tema, analisaremos a hashtag #loveisnottourism, que recentemente propagou a opinião pública nas redes sociais.

 

3.     #Loveisnottourism (“#amornãoéturismo”)

Com o início da pandemia da COVID-19, governos da maioria dos países do mundo optaram pelo fechamento das fronteiras e, inevitavelmente, tal medida separou casais que residem em lugares diferentes e/ou que estavam, à época da implantação das restrições, longe de seu país de origem.

Como resposta ao problema, surgiu a campanha #loveisnottourism nas redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram. Além disso, foi criado um site para esse movimento, o qual concentra fóruns de discussão e petições que sustentam a causa, além de uma lista de países em que foram flexibilizadas medidas migratórias em benefício de casais separados pela pandemia[3].

Vale pontuar, também, que o movimento #loveisnottourism conta com medidas como o disparo de e-mails e outras ações que buscam chamar atenção das autoridades para que as restrições sejam ainda mais flexibilizadas, e que as pessoas separadas pelas fronteiras entre os países tenham condições de se deslocar, ainda que para permanecer em isolamento social na companhia de seu cônjuge ou companheiro/a.

Nas últimas semanas, o movimento cresceu muto mais e já atingiu muitos países por meio de petições e protestos que convergem com os objetivos da campanha. Dinamarca[4], Holanda[5], Islândia[6], Suíça[7], Alemanha[8], Noruega[9], Áustria[10], República Tcheca[11], França[12] e Finlândia[13] são exemplos de países que, em razão da pressão popular nesta matéria, já flexibilizaram o acesso às fronteiras para casais separados em razão do novo Coronavírus.

Percebe-se, diante deste contexto, que a propagação das hashtags diz muito sobre como a internet é utilizada para promover a conexão social. Daí porque o movimento #loveisnottourism pode ser classificado como de sensibilização da opinião pública, pois, pode ou não ter um caráter político, é mais que a pura e simples soma das opiniões, resulta em uma elaboração maior, é influenciada pelos veículos de comunicação massiva, poderá ou não ter origem na opinião resultante da formação do público, e não deve ser confundida com a vontade popular[14].

No Brasil, o movimento ganhou força porque ocupamos o posto de terceiro país com maior número de casais separados em virtude da pandemia e que aderiram à campanha, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha[15].

Em território nacional, vale mencionar a recente publicação da Portaria CC-PR/MJSP/MINFRA/MS nº 1, de 29 de julho de 2020, que dispõe sobre a restrição excepcional e temporária de entrada no País de estrangeiros, de qualquer nacionalidade, conforme recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.

Resultado de uma ação conjunta do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, do Ministro da Justiça e Segurança Pública, do Ministro da Infraestrutura e do Ministro da Saúde, a Portaria CC-PR/MJSP/MINFRA/MS nº 01/2020 restringe pelo prazo de trinta dias o ingresso no Brasil de estrangeiros de qualquer nacionalidade, por rodovias, por outros meios terrestres ou por transporte aquaviário. No entanto, as restrições não se aplicam ao brasileiro, nato ou naturalizado e ao estrangeiro com cônjuge, companheiro, filho, pai ou curador de brasileiro, e outras categorias de pessoas[16].

As restrições trazidas pela Portaria também não impedem a entrada de estrangeiros no País por via aérea, desde que obedecidos os requisitos migratórios adequados à sua condição, e que a chegada ocorra em aeroportos que não tenham restrições[17].

Percebe-se, portanto, que a permissibilidade está, pouco a pouco, compatibilizando o apelo público.

 

4.     Juridicamente, o que está em jogo?

Conforme observamos, a discussão central do movimento #loveisnottourism versa sobre a locomoção de cidadãos e seu direito fundamental de ir e vir, não só em âmbito nacional, mas principalmente internacional. Mas, afinal, o que está em jogo juridicamente nesta situação? Analisaremos agora como a restrição deste direito pode ser justificada à luz do direito brasileiro.

O direito de locomoção de cidadãos é previsto no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal brasileira, segundo o qual “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

É evidente que, com a pandemia, o direito de ir e vir de fato foi restringido.

Entretanto, como toda liberdade constitucional, este direito deve ser analisado à luz de outros valores igualmente tutelados pela Constituição, passando por um juízo de ponderação, do qual pode resultar uma limitação pontual e transitória no seu exercício. Nesse sentido, Elival da Silva Ramos, Professor Associado de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, explica:

 

“O catálogo de direitos fundamentais constitucionalmente consagrado não ostenta um conteúdo uniforme ao longo de mais de dois séculos de vigência do Estado de Direito democrático, comportando a introdução de novos direitos e a reformulação de direitos já anteriormente acolhidos, na medida em que os desafios que se antepõem à plena realização do ser humano vão se modificando, à luz do contexto histórico[18]

 

Portanto, a pandemia gerada pelo novo Coronavírus constitui motivo razoável para justificar a restrição do direito à locomoção. Porém, em casos excepcionais, é possível que esta restrição ao direito de ir e vir seja revista por meio das regulações impostas pelos governantes.

O movimento #loverisnottourism, valendo-se de recentes ferramentas tecnológicas e uma inovadora estratégia de comunicação eletrônica e global, tenta sensibilizar os governos de que o sacrifício ao direito fundamental de ir e vir não pode chegar ao ponto de separar casais e famílias de modo que, no juízo de ponderação próprio dos choques entre direitos fundamentais, esse elemento deve ser levado em consideração nas políticas sanitárias.

 

5.     Conclusão

Diante deste contexto, é possível visualizar o relevante impacto das hashtags no Direito, na comunicação, nos movimentos de sensibilização da opinião pública e em tantas outras searas que ainda serão exploradas em virtude da conexão social das pessoas nas redes sociais.


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